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Postado às 04h45 | 18 Mar 2018 | Celebremos o feminismo e os movimentos negro e LGBTQ

Crédito da foto: Reprodução Vereadora carioca Marielle Franco foi morta com cinco tiros na cabeça

(*) João Paulo Jales dos Santos

Por que o feminismo incomoda? Por que os movimentos negro e LGBTQ incomodam? Qual motivo?

Se aqueles que acusam esses movimentos de farsantes, mesmo fazendo tal acusação, continuam a se incomodar, é porque esses movimentos mexem em algo. Afinal de contas, os denunciantes ao dizerem que os movimentos são uma farsa estão expressando que nada do que esses movimentos reivindicam existe. No entanto, o incômodo continua. E sabe por que? Porque o que o feminismo e os movimentos negro e LGTBQ são argumentos poderosíssimos que tocam nas feridas de uma sociedade constituída de maneira opressiva

. É interessante os dizeres dos opressores perante as reivindicações desses movimentos. Ao reivindicarem dignidade, o feminismo e os movimentos negro e LGTBQ são taxados de levantarem discriminação contra aqueles que esses movimentos buscam defender. Essa é uma estratégia que não é nova nos movimentos da direita reacionária. Os reacionários quando começaram a melhor de organizar, a partir da década de 80, tiveram como uma das estratégias fazer com que recaísse sobre os movimentos de direitos humanos a culpa da opressão que sofre aqueles que não possuem a dignidade da pessoa humana. E aqui deixemos bem explícito, os culpados pelo machismo, pela misoginia, pelo racismo, pela LGBTQfobia e tantas outras formas de opressão, são os fundadores e continuadores dessa sociedade opressora em que vivemos.

O feminismo, os movimentos negro e LGBTQ, e tantos outros movimentos de direitos humanos, lutam para dar dignidade àqueles que diariamente têm a dignidade humana negada. É uma luta diária, constante. Uma característica central e perversa de toda estrutura opressora é tirar dos oprimidos seus direitos mínimos, tira-se a dignidade, a humanidade, porque com isso fica fácil de oprimir e subalternizar aqueles que serão vítimas do sistema opressor.  

A década de 80 é um momento ímpar para os movimentos da direita reacionária. Depois de uma década de 70 de grandes conquistas sociais libertárias, a década de 80 é uma resposta brutal que os reacionários decidem dar aos movimentos progressistas. Não que forças reacionárias não tivessem se organizando décadas atrás, o que representa a década de 80 é a melhor organização dos reacionários, é a articulação entrando efetivamente em ação. E é no campo político que melhor vem a nitidez para se compreender essa articulação.

Na década de 80 tem-se a chegada no poder de duas figuras conservadoras que irão levar à cabo um projeto político-econômico que terá reverberação nos campos social e cultural. Nos Estados Unidos Ronald Reagan chega à Presidência. E no Reino Unido, Margaret Thatcher vence as eleições britânicas.

As fortes mudanças econômicas que ambos operaram ficaram conhecidas como Neoliberalismo. São mudanças agressivas que articuladas com forças políticas hegemônicas dão ao movimento conservador-reacionário o protagonismo que tanto queriam depois de assistirem uma década de 70 com um viés permissionário progressista.

Nessa articulação conservadora são criados centros de estudos, que se relacionam em âmbito internacional, nos Estados Unidos tem-se o início do financiamento de indivíduos que farão estudos para combater o que as forças reacionárias enxergaram como intelectuais de esquerda subversivos. Nos campos cultural e social os reacionários empreendem confrontos para impedir e destruir os avanços que minorias conquistaram na década de 70 e no decorrer de décadas atrás.

A esse empreendimento conservador usa-se o termo ‘backlash’, ou seja, uma resposta contra movimentos progressistas. Mas no que afinal se constitui os avanços progressistas da década de 70? Importante frisar que esses avanços vêm acompanhados de uma massificação de estudos dos movimentos feminista, negro e LGBTQ, com uma reação de movimentos que em finais da década de 60 reivindicavam liberalização social. Juntando todo esse caldo cultural e intelectual, correspondeu que nos anos 1970 viveu-se um apogeu progressista do século 20.

Há décadas que estudos sobre gênero eram desenvolvidos nas universidades americanas e europeias, nos anos de 1940 em diante esses estudos ganham profusão, é um momento em que o movimento negro nos Estados Unidos caminha para uma forte articulação, onde a partir de 1940 começa juridicamente a cair algumas das leis segregacionistas, culminando para que em 1964 e 1965 as leis de direitos civis e políticos fossem assinadas pelo presidente Lyndon B Johnson, encerrando as leis de segregação racial conhecidas como ‘Jim Crow’.

Nos anos 60 emerge o movimento hippie, há a popularização da geração beat, ocorrem protestos contra a guerra no Vietnã, os movimentos de maio de 1968, e o levante pelos direitos dos LGBTQ, conhecido como revolta de Stonewall. É com esse panorama cultural-social que se inicia a década de 1970, uma década de conquistas de direitos libertários, de liberdades sociais para minorias, não deixa de ser ilustrativo que nos primeiros anos de 1970 a Suprema Corte Americana legaliza o aborto, no caso conhecido como ‘Roe vs Wade’. É nesse lastro progressista que os conservadores farão da década de 80 em diante anos de forte reacionarismo social.

Falando em bom português, como se diz, feminismo e movimento negro e movimento LGBTQ é coisa séria. Está se falando de movimentos revolucionários, ancorados em vasta literatura teórica, com estudos metodológicos, com argumentos que fazem cair por terra todas as estruturas opressoras. Dito isso, não leve em conta participantes exaltados desses movimentos que ao invés de ajudar nas lutas sociais fazem é afastar aliados.

Quer ajudar nas melhorias de vida para populações e grupos minoritários? Ótimo. Ajude. Como ajudar? Lutando por dar dignidade a sujeitos. Não precisa militar propriamente nesses movimentos para ajudar nas lutas. Você pode ajudar mudando suas condutas, reivindicando melhorias em direitos e políticas públicas que visem dignificar minorias.

É pleiteando creche que você pode ajudar na luta feminista. Pleiteando políticas públicas que busquem restaurar situações históricas degradantes a qual a população negra esteve submetida. Pleiteando direitos civis para pessoas LGBTQ. Pleiteando mudanças que ajudem a fazer com que minorias possam ascender socioeconomicamente. É desse modo que você que não milita nos movimentos pode ajudar nas lutas pelos direitos humanos.

Nessa indignação que nos abate com a morte de Marielle Franco, transformemos nossa tristeza em resistência e combate contra as opressões dessa sociedade doente. Marielle morreu porque ousou levantar sua voz contra uma sociedade que ainda hoje não conseguiu se livrar de suas estruturas racistas e sexistas. Marielle foi assassinada porque ousou ser uma defensora dos direitos humanos. Seus assassinos queriam calar uma voz aguerrida e combativa. Mas não calarão.  Que a lute de Marielle nos fortaleça. Que seu luto se transforme em combustível social para que a caminhada contra todas as formas de opressão siga sua marcha. Marielle sofreu um assassinato político, mas suas ideias vivem para que continuemos a lutar para se viver numa sociedade onde pessoas possam desfrutar de suas felicidades sem serem oprimidas.

(*) João Paulo Jales dos Santos. Estudante do curso de Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN).

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AUTOR

César Santos é jornalista desde 1982. Nasceu em Janduís (RN), em 1964. Trabalhou nas rádios AM Difusora e Libertadora (repórter esportivo e de economia), jornais O Mossoroense (editor de política no final dos anos 1980) e Gazeta do Oeste (editor-chefe e diretor de redação entre os anos 1991 e 2000) e Jornal de Fato (apartir dos anos 2000), além de comentarista da Rádio FM Santa Clara - 105,1 (de 2003 a 2011). É fundador e diretor presidente da Santos Editora de Jornais Ltda., do Jornal de Fato, Revista Contexto e do portal www.defato.com.

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