Quinta-Feira, 28 de março de 2024

Postado às 08h45 | 20 Abr 2018 | Um jogo para a história

Crédito da foto: Reprodução Manchete do JORNAL DE FATO na edição do dia 21 de abril de 2005

Hoje, dia 20 de abril de 2018, está completando 13 anos do feito histórico do Baraúnas na Copa do Brasil de 2005. Numa noite de quarta-feira, em plano São Januário, o tricolor mossoroense despachou o poderoso Vasco da Gama, com Romário & Cia, aplicando uma goleada que entrou para a história.

Os 3 a 0, com gols de Toni, Cícero Ramalho e Henrique, levou o Baraúnas às manchetes de todo o País.

Para relembrar o feito, o Blog Gol de Placa reedita reportagem do globoesporte.com, de 2015, assinada pelo jornalista Carlos Cruz, em que ele conta o que foi aquela noite de 20 de abril de 2005.

Leia:

“O ano era 2005 e a competição, a Copa do Brasil. Vestindo sua camisa tricolor, um pequeno clube do interior do Rio Grande do Norte fazia história. Depois de eliminar o América-MG nos pênaltis e o Vitória, dentro do Estádio Barradão, em Salvador, o Baraúnas chegava às oitavas de final da segunda competição mais importante do país para enfrentar o Vasco.

No primeiro jogo, em Mossoró, a 285 km de Natal, o empate por 2 a 2 parecia encaminhar a classificação do Cruz-Maltino às quartas de final. Porém, a ousadia do time mossoroense foi maior. Um surpreendente 3 a 0 em pleno São Januário.

O resultado tomou proporções ainda maiores porque, um ano antes, o Vasco deixava a mesma competição ao ser eliminado pelo 15 de Novembro de Campo Bom, do Rio Grande do Sul. "Chocolate", "papelão" e "humilhação" foram alguns dos termos usados para descrever o vexame que o clube da Colina passava.

- A gente sabia que era uma equipe que, jogando em São Januário, era muito difícil ganhar, mas a gente também sabia que tinha possibilidade de conseguir a classificação como aconteceu das outras vezes, porque a gente já tinha eliminado o América-MG e o Vitória, e chegamos para esse jogo acreditando que era possível. Passamos um sufoco nos primeiros 15 a 20 minutos, mas depois fizermos o gol e demos uma controlada no jogo - lembra Isaías, goleiro do Baraúnas na época.

Isaías continua envolvido com o futebol e trabalha como treinador e auxiliar técnico. Aos 41 anos, o ex-goleiro mora em Mossoró. Ele comandou o próprio Baraúnas durante algumas rodadas do Campeonato Potiguar deste ano, mas acabou deixando o clube e aguarda propostas de trabalho.

- O time, com Miluir (Macedo, técnico do Baraúnas), treinou às 10h da manhã, em São Januário, no dia do jogo. Enquanto a gente treinava, os jogadores do Vasco, que estavam concentrados lá mesmo, não acreditaram que era o time que ia jogar na mesmo noite contra eles - conta.

Os atletas do Leão já estavam acostumados à filosofia diferente implanta por Miluir Macedo. O artilheiro da equipe, Cícero Ramalho descreve a forma de trabalho implantada pelo treinador. Aos 40 anos naquela época, o atacante não fugia dos treinamentos e servia de exemplo para os mais novos.

- Muitos deles (jogadores do Vasco) se admiraram por Miluir ter uma filosofia europeia. Ele trabalhou muito tempo em Portugal e eu também joguei na Espanha, e realmente existe esse costume. O Miluir fez isso (treinar no dia do jogo) e, como aqui não existe essa cultura, eles ficaram impressionados. Mas era só um treino relaxante para você suar e ficar mais esperto. Realmente o Miluir sempre fazia isso - declara o ex-atacante.

DUELO DE ARTILHEIROS

"É um jogador que a gente viu jogando no primeiro jogo, é perigoso e a gente tem que ter atenção nele". Foi assim que Romário descreveu Cícero Ramalho antes de a partida começar. O baixinho nem imaginava, mas, 26 minutos depois daquela entrevista, Cícero Ramalho abria o placar do jogo, no dia 20 de abril daquele ano. Após cruzamento na área, o artilheiro do Leão se antecipou à zaga e ao goleiro Fabiano Borges para completar para as redes o cruzamento de Val - hoje no Mogi-Mirim e que recentemente vestiu a camisa do Flamengo e do América-RN. Na segunda etapa, já sem seu artilheiro em campo, o Baru marcou mais dois para fechar a conta. Álvaro e Henrique garantiam a passagem de fase para encarar o Cruzeiro. No encontro com a Raposa, acabava a Copa do Brasil para o Leão, mas a história já havia sido escrita.

Romário já tinha 39 anos e o "Cícero Romário" havia chegado aos 40 naquele ano. A idade não os impedia de seguir marcando gols.

- Como eu tinha 40 anos e Romário também tinha perto disso, a mídia criou aquele duelo. Antes do jogo, ele foi muito atencioso comigo, me cumprimentou e me desejou sorte. Por tudo que ele fez no futebol, as pessoas podem ter uma ideia que ele é meio marrento, mas comigo foi muito tranquilo. Ele já veio a Mossoró tratar de assuntos políticos duas vezes, mas nunca tive a oportunidade de ter um reencontro - lamenta Cícero.

Hoje em dia Cícero trabalha como técnico de futebol. Ele continua morando em Mossoró e tem um chamego especial por sua propriedade na área rural da segunda maior cidade do Rio Grande do Norte.

- Moro em Mossoró e tenho um terreno na área rural, onde planto milho, feijão, limão, essas coisas. Eu quero muito bem a isso aqui. É o meu lugar, de onde eu vim. É gostoso o descanso aqui no final de semana, também chamo os amigos e a gente toma uma cervejinha, come um churrasquinho - revela.

CAMISA DO BAIXINHO

Para Nildo, zagueiro titular da equipe na época, sobrou a responsabilidade de parar um ataque formado por Romário e Alex Dias. Ao lado de Pedroza, ambos cumpriram a missão com sucesso.

- A gente nunca esperava jogar contra ele. Via ele jogando na TV e não esperava, mas acabou acontecendo. Tentamos eliminar ele e, graças a Deus, deu certo. Eles também tinham Alex Dias, que corria bastante, e o Romário já estava parando, mas é um cara que impõe respeito - alega.

Aos 38 anos, Nildo segue atuando. O zagueiro é o único daquele time de 2005 que segue no Leão. Ele lembra que perdeu para o companheiro de zaga o duelo pela camisa do baixinho.

- Cheguei a pedir a camisa, mas ele já havia prometido ao outro zagueiro, o Pedroza. Ele foi muito tranquilo com a gente - recorda.

O grande diferencial, segundo Nildo, foi a maneira como o Baru foi para o campo de jogo.

- O principal fator foi a motivação como a gente encarou a partida. A gente se fechou. A gente sabia que o Vasco era melhor. Ninguém esperava. Nem nós jogadores. Mas nós conseguimos segurar a pressão e fizemos o resultado lá dentro - declara.

DESTAQUE NACIONAL

O jornalista potiguar Sérgio Pinheiro foi o responsável por contar ao país a história daquele jogo. A reportagem de encerramento do Globo Esporte ficou a cargo do repórter recém-chegado à Cidade Maravilhosa.

- Na coletiva de imprensa, na véspera do jogo, eu perguntei ao Joel Santana se ele conhecia o 'Cícero Romário', mas no Vasco todo mundo ficou na galhofa. No outro dia teve o jogo, eu fui fazer, e acabou que deu uma história sensacional. O jornal O Globo já tinha feito uma matéria falando dele como Cícero Romário, então perguntei ao Romário se ele conhecia o Cícero e ele respondeu: "se é Romário, é porque é bom". Se o Vasco ganha, era o óbvio e acabou que deu Baraúnas. A gente encontrou uma senhora que foi de ônibus só pra ver o jogo. Essa matéria me marcou muito porque foi logo na minha primeira semana e foi muito importante para mim. Um desfecho improvável, mas fantástico para quem gosta das histórias da bola, ainda mais para mim que tenho uma empatia com o Baraúnas, e sou de Natal. Foi marcante - relembrou.

ENSINA, RAMALHO

Um detalhe sobre a carreira de Cícero Ramalho é que ele já havia parado de jogar dois anos antes do histórico duelo contra o Vasco. A técnica e o poder de finalização do matador supriram os problemas com a parte física. No início da temporada, o "ex-aposentado" estava pesando 103 quilos.

- Eu já havia parado de jogar. Em 2003 e 2004 não joguei porque já estava aposentado. Em 2004, eu era treinador do Baraúnas no estadual e todo mundo queria que eu voltasse a jogar. Quando assumi o Baraúnas, os meus atacantes perdiam muitos gols, aí eu tive que voltar. Lembro de um jogo que meu atacante perdeu um gol, aí me virei para o banco e falei: "não tem jeito. Vou ter que voltar". Prometi ao João Dehon, presidente do clube na época, que se a gente conseguisse a classificação para a Copa do Brasil do outro ano eu voltaria. Conseguimos a classificação e eu voltei a jogar. Eu estava com 103 quilos e tivemos que fazer um trabalho especial para poder jogar - relembra.

Com o matador ainda longe da forma física ideal e idade avançada, o time era montado em função do jogador.

- Cícero já era um cara que estava encerrando a carreira. A gente jogava com um time montado para dar o suporte a ele, para que, quando a bola chegasse, ele fizesse o que fazia de melhor, que era definir as jogadas. Eram dois volantes, três meias e só o Cícero na isolado na frente - descreve Isaías.

RECEPÇÃO CALOROSA

A chegada ao Rio Grande do Norte foi o que fez cair a ficha do elenco de jogadores tricolor.

- Foi uma surpresa muito grande porque a cidade parou. Foi uma viagem longa porque pegamos o ônibus em Natal e a cidade estava tomada de gente com uma festa dos torcedores porque era um grande feito - afirma Isaías.

Cícero Ramalho conta que a equipe teve que esperar uma hora após o apito final para poder deixar o estádio vascaíno.

- Quando terminou o jogo lá, a gente teve uma hora e meia depois do jogo no vestiário e não tinha água, nem luz. Esperamos a torcida sair para poder ir para o hotel. No fim, fomos para o hotel tranquilos, mas a ficha não caiu. O que me surpreendeu mais foi a chegada a Natal. Quando chegamos ao aeroporto, ele estava lotado de camisas do ABC, do América-RN e do Baraúnas. Quando chegamos a Mossoró, pessoas até com camisa do Potiguar estavam nos esperando. A ficha ainda não tinha caído, aí quando vi aquilo foi que pensei que a gente tinha feito alguma coisa grande. Foi bonita aquela recepção - narra o ex-atacante.

FIM DE JOGO

Depois daquele jogo, o Baraúnas enfrentou o Cruzeiro pela Copa do Brasil. Um 7 a 3 no Nogueirão e um 5 a 0 no Mineirão acabaram eliminando o time mossoroense da competição. Mas a história já estava feita.

- Até hoje, onde eu chego, todo mundo lembra dessa história. É gratificante. A galera não esquece - sintetiza Cícero Ramalho.”

Fonte: Blog Gol de Placa/defato.com

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AUTOR

César Santos é jornalista desde 1982. Nasceu em Janduís (RN), em 1964. Trabalhou nas rádios AM Difusora e Libertadora (repórter esportivo e de economia), jornais O Mossoroense (editor de política no final dos anos 1980) e Gazeta do Oeste (editor-chefe e diretor de redação entre os anos 1991 e 2000) e Jornal de Fato (apartir dos anos 2000), além de comentarista da Rádio FM Santa Clara - 105,1 (de 2003 a 2011). É fundador e diretor presidente da Santos Editora de Jornais Ltda., do Jornal de Fato, Revista Contexto e do portal www.defato.com.

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