Sexta-Feira, 26 de abril de 2024

Postado às 08h30 | 06 Mai 2018 | Revolução humana e progressista

Crédito da foto: Reprodução Se ouve dizer que as cotas transformada em direito pode desencadear divisões raciais na sociedade

(*) João Paulo Jales dos Santos

Existe um discurso usado tanto por reacionários, quanto por alguns moderados, e até mesmo por algumas pessoas de esquerda, de falar que quando uma minoria pleiteia uma causa, essa causa pode provocar divisão na sociedade. Exemplo disso são as cotas raciais. Se ouve dizer que as cotas transformada em direito pode desencadear divisões raciais na sociedade. E quem são culpados (as) por desencadear a divisão? Os negros e grupos progressistas que pleiteiam o direito as cotas raciais, é o que dizem muitos daqueles que são contra as cotas.

E o que o uso desse discurso de se culpar os negros por querer o direito às cotas raciais revela?

É simples, e bem objetivo, mas para se compreender é preciso uma boa dose de atenção analítica. Culpar os negros por querer um direito de reparação histórica significa culpar as vítimas por simplesmente desejarem direitos para se viver com uma mínima dignidade possível numa sociedade estruturada no racismo. Além de se culpar as vítimas, aqueles que dizem que o uso das cotas raciais pode fazer acender uma polarização racial na sociedade nada mais querem que perpetuar o racismo enquanto estrutura hierárquica na sociedade.

É preciso, é necessário, se faz essencial dizer: minorias não têm culpa por discriminações, minorias são vítimas do preconceito ideário e que tem efeito prático de quem faz uso desse preconceito para manter uma estrutura opressora. Os culpados são, portanto, aqueles que se incomodam com os avanços em direitos para minorias e que querem frear esses avanços.

Exemplifico cotas raciais, mas pode-se exemplificar com o direito ao reconhecimento civil equitativo entre gays e héteros; com o direito em políticas públicas sociais e reprodutivas para mulheres; com o direito ao reconhecimento de cidadania para pessoas trans e travestis; e tantos outros avanços nas conquistas em direitos para populações e comunidades que são vítimas de uma sociedade que as discriminam. O avanço nos direitos para minorias é um passo inicial que se dá para que se possa posteriormente alcançar uma sociedade mais justa e igualitária, onde a diversidade não possa ser um instrumento de opressão, mas sim uma garantia de justiça e igualdade para todos.

O gênero, a identidade de gênero, a raça, a cor da pele, a orientação sexual, a etnia, são marcadores sócio-políticos que delimitam o que você será numa sociedade opressora. São marcadores de diferença de espaço e de estilo de vida. E o são porque carregam consigo toda uma história social e política de como determinados grupos e determinadas comunidades viveram numa sociedade. A mulher negra, vítima da escravidão e do estupro por parte dos senhores escravocratas, será sempre vista numa sociedade racista como uma pessoa de categoria subalterna, de cidadania restrita e muitas das vezes negada.

A mulher negra será delimitado todos os espaços de vida. Desde seu nascimento, sua posição racial, de classe e de gênero será milimetricamente definida numa sociedade racista e sexista. Para ela será reservado empregos de ocupações com baixa remuneração. A mulher negra sofrerá intensa discriminação e preconceito para com a cor da sua pele, seu cabelo, para com o seu corpo, porque ela carrega consigo marcas históricas da escravidão e do patriarcado contra a mulher negra, originadas num regime escravocrata.

Além de escrava, a mulher negra também era estuprada, seu corpo era sistematicamente violentado e violado tanto para servir como mão de obra barata quanto para prazer sexual. São palavras fortes, mas que precisam ser usadas. Porque a mulher negra de hoje carrega consigo todas essas marcas de um passado não tão distante de escravidão e que ainda teima em perpetuar suas opressões numa sociedade contemporânea. Exemplifiquei a mulher negra, mas pode-se exemplificar toda e qualquer minoria vítima de brutal preconceito e discriminação.

Marcadores sociais e políticos são instrumentos que minorias devem fazer uso para ressignificar e revolucionar suas posições de subalternizar numa sociedade de estruturas opressivas. Usar marcadores sociais e de diferença para revolucionar estruturas, modificá-las, quebrá-las, para que se possa viver com dignidade de direitos humanos, sociais, políticos e econômicos.

É uma luta árdua, incessante, e sim, que às vezes pode chegar a cansar, mas que é tão necessária para que indivíduos oprimidos possam desfrutar de gozar de se viver com felicidade, que se deve sempre resistir e continuar com a luta transformadora. Que corpos de sujeitos e aquilo que são em suas essências, não sejam instrumentos a serviço do racismo, do patriarcado e de estruturas opressoras como um todo. Que o corpo e a essência humana possa ser um fator tão somente de igualdade e justiça com todos aqueles que formam uma sociedade.

Existe uma aflição, um sentimento de rapidez que arrebata todos comprometidos com a quebra de uma sociedade estruturada numa lógica opressora. A quebra dessa opressão não vem rapidamente, é uma luta que muitas vezes demora, é um processo que não é linear, é feito com avanços progressistas e reações regressivas reacionárias.

É uma caminhada longa, e muitas vezes tortuosa. E que se é trilhada no seio de estruturas opressivas. Ou seja, as revoluções progressistas se dão dentro do sistema opressor que se quer abolir. É um processo de ruir o sistema de dentro para fora. Nessa luta, são necessárias alianças, diálogo com todos aqueles que querem modificar esse sistema. Nenhuma minoria avança sem a dialogicidade com aqueles que estão no poder. É uma aliança daqueles que estão à margem do poder, as minorias, com aqueles que estão no poder e que, portanto, tomam e deliberam decisões.

A luta pela mudança revolucionária é política. A luta pela revolução vem acompanhada de uma consciência política, social e civil dos grupos marginalizados. É um processo histórico. Com negociações difíceis, que às vezes avançam e outras vezes não avançam. A quebra de estruturas opressoras não somente emancipa as vítimas dessas estruturas. Também emancipa o homem branco-heterossexual-cristão, que mesmo senhor mantenedor de uma sociedade racista, patriarcal e anti-LGBTQ, é vítima das próprias opressões que cria e mantém. A revolução progressista liberta a todos. É uma revolução de humanidade. Que faz do sujeito humano um ser livre para se viver com plenitude em sua alegria de ser e fazer aquilo que se quer.

Hoje a luta por direitos humanos sofre um backlash, uma reação conservadora e reacionária. Faz parte do processo, se querendo ou não, escapa as nossas mãos. O essencial é que se tenha consciência de que apesar dessa reação reacionária haverá espaços dentro do sistema opressivo para que se continue a luta emancipatória. E que as lutas revolucionárias criam possiblidades de atuação em novos espaços nas estruturas opressoras. Portanto, que todos aqueles comprometidos com essa luta por humanidade ocupem os espaços dentro do sistema para que se possa destruir as estruturas opressoras de dentro para fora.

(*) João Paulo Jales dos Santos. Estudante do curso de Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN).

Tags:

Revolução
progresso
humana
João Paulo Jales
artigo

voltar

AUTOR

César Santos é jornalista desde 1982. Nasceu em Janduís (RN), em 1964. Trabalhou nas rádios AM Difusora e Libertadora (repórter esportivo e de economia), jornais O Mossoroense (editor de política no final dos anos 1980) e Gazeta do Oeste (editor-chefe e diretor de redação entre os anos 1991 e 2000) e Jornal de Fato (apartir dos anos 2000), além de comentarista da Rádio FM Santa Clara - 105,1 (de 2003 a 2011). É fundador e diretor presidente da Santos Editora de Jornais Ltda., do Jornal de Fato, Revista Contexto e do portal www.defato.com.

COTAÇÃO