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Postado às 11h00 | 06 Mai 2018 | Tendência do TSE é indeferir registro de Lula, afirma jurista Erick Pereira

Crédito da foto: Marcos Garcia/JORNAL DE FATO Jurista Erick Pereira é o entrevistado do Cafezinho com César Santos

O jurista Erick Pereira entende que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tem a tendência de indeferir um eventual pedido de registro de candidatura do ex-presidente Lula (PT), condenado em segunda instância e cumprindo pena de 12 anos e 1 mês de prisão por crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. O próprio ministro Luiz Fux, presidente do TSE, apontou para essa posição em reiteradas entrevistas.

Erick Pereira, porém, discorda de prisão a partir da condenação em segunda instância. O jurista é defensor do transitado em julgado como cláusula pétrea da Constituição de 1988.  “Esse é o fundamento acadêmico, o fundamento constitucional”, justifica em longa conversa no “Cafezinho com César Santos”, gravada na sexta-feira (4), na sede do JORNAL DE FATO em Mossoró.

Doutor em Direito Constitucional pela PUC de São Paulo, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e jurista reconhecido nacionalmente por sua atuação na Justiça Eleitoral e nos tribunais superiores, Erick Pereira fala de temas importantes, com destaque para o processo eleitoral brasileiro.

 

A PRISÃO preventiva do ex-deputado Henrique Alves durou quase 11 meses. O senhor chegou a afirmar que era uma incoerência do sistema penal brasileiro. O senhor, realmente, tem essa convicção?

O SISTEMA precisa mostrar para a sociedade quais as motivações dos efeitos penais de decisões que os magistrados tomam. Quando você tem uma prisão preventiva, restringe a liberdade de um cidadão, é preciso saber para qual finalidade essa restrição vai servir. O Código Penal fala que a instrução processual deveria durar no máximo 120 dias. Então, se o aparelho judicial não consegue produzir a instrução nesses 120 dias, por complexidade da própria investigação, é preciso ter uma apuração razoável desse processo e, consequentemente, uma duração razoável dessa prisão preventiva, porque ela tem que ter essa justificação. No instante em que você, aleatoriamente, escolhe tempo para prisão, não delimita o marco da sua investigação, isso é ruim para qualquer cidadão brasileiro.

 

FOI o que aconteceu com Henrique Alves?

O FATO de o ex-deputado Henrique Eduardo Alves ter passado 11 meses preso me chamou muito atenção. É que há quatro meses a instrução já tinha sido encerrada, conforme se noticiou na imprensa. Então, como é que uma instrução se encerra quatro meses atrás, já sendo o dobro do que o Código do Processo Penal prevê, e o cidadão continua preso? A incoerência que eu falo é que não existe uma base jurídica, que tenha uma opinião na constitucionalidade, para você dizer que alguém pode passar 11 meses preso sem que isso não seja uma antecipação de uma condenação. O instante que não tem limite para uma prisão que deveria ser preventiva, temporária, com objeto certo, você passa a ter um meio muito mais gravoso do que a própria condenação em si.

 

A PRESSÃO da sociedade, castigada pela bandalheira na vida pública do país e que não suporta mais conviver com a impunidade, tem influência nas decisões do Judiciário?

O BRASIL passou por longo período de sensação de impunidade, de que o país era um local onde não havia aplicação da lei penal, do ordenamento constitucional brasileiro. A partir do instante em que se copiou a teoria americana, que é a teoria do domínio do fato, aplicado pelo ex-ministro do STFJoaquim Barbosa (hoje, presidenciável pelo PSB) no mensalão, este marco representou possibilidade de o cidadão achar que não existiria mais impunidade no Brasil. A sensação de que não existia mais impunidade começou a gerar a aplicação de outras teorias. Nós tivemos agora com a operação Lava Jato outra novidade que foi a questão da prova indiciária. A Constituição fala que ninguém pode ser condenado meramente por prova indiciária, mas o sistema de acusação descobriu que poderia prender. Então, a prisão preventiva passou a ser um remédio para que houvesse uma satisfação pessoal dos investigadores e, ao mesmo tempo, levar a termo o sentimento que não havia impunidade. Ou seja, está sendo investigado, vai ser preso. Mas, não é isso que os ordenamentos democráticos pensam.

 

MAS, os ordenamentos democráticos, que caminham numa lentidão absurda, não são os que geram o sentimento de impunidade?

OS ORDENAMENTOS democráticos garantem a ampla defesa, o contraditório, o devido processo legal. Eu não posso antecipar uma prisão porque a sociedade dará 90 por cento de aprovação por aqueles que foram presos antecipadamente. Hoje são os políticos, que estão em baixa com a sociedade, mas se o precedente abrir, será qualquer cidadão brasileiro. Aí, eu indago: esse sistema penal, tão corroído no Brasil, quantos estão na mesma situação que o ex-deputado Henrique esteve? E alerto para uma diferença: eles não têm condições de contratar um advogado, de garantir a celeridade dos seus processos, com a Defensoria Pública abarrotada de problemas. Então, acho que nós temos que repensar esse modelo que se quer para o sistema constitucional brasileiro.

 

O CUMPRIMENTO da pena, a partir da segunda instância, dividiu a Suprema Corte, com um placar apertado por 6 a 5, o que permitiu a prisão do ex-presidente Lula. O senhor mantém a linha de defesa do transitado em julgado? Por quê?

PENSO que se você tem uma vontade Constituinte de 88, que foi originariamente para o trânsito em julgado, não pode permitir que as legislaturas posteriores, como poder derivado, modifiquem uma cláusula pétrea. Esse é o fundamento acadêmico, o fundamento constitucional, que eu digo que precisaria desse trânsito em julgado para você poder fazer a execução da prisão. Não é porque eu quero ou porque eu penso; é que tem literalidade na Constituição. E nós somos, de democracia no mundo, um dos dois países que têm literalidade no trânsito em julgado. Então, se existe isso na Constituição, eu não posso simplesmente gerar ou criar uma nova vontade Constituinte originária porque eu não tenho poderes para isso. O poder que fundou a Constituição de 88, ele criou cláusulas que não podem ser modificadas.

 

QUAIS são as consequências disso?

NO GOVERNO Fernando Henrique Cardoso, você modificou o percentual de desconto dos aposentados, passou a taxar os aposentados em 11 por cento, quando não podia, mas aí você teve uma relativização da coisa julgada. Você teve uma relativização, inclusive, dessa cláusula pétrea. Aí, vem agora e diz: o trânsito em julgado significa quando você julga as provas; como as provas foram todas julgadas nas instâncias regionais e estaduais, o que significa dizer que a partir do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, não tem mais questão de provas a discutir; é só matéria de direito. Portanto, nós podemos fazer, sim, a execução imediata. É isso que eu discordo, é esse jogo hermenêutico, essa loteria hermenêutica que gera uma grande instabilidade constitucional no país.

 

A LEI da Ficha Limpa, que foi iniciativa popular, passou a vigorar a partir das eleições de 2014, porém não teve a sua presença em plenitude. Alguns casos escaparam, como o do deputado Paulo Maluf, que teve registro de candidatura deferida pela Justiça Eleitoral, mesmo com condenação em colegiado. A inelegibilidade do ex-presidente Lula, se confirmada pelo TSE, será decisiva para consolidar a Ficha Limpa?

NÓS não devemos pessoalizar o debate. Quando a gente pessoalizou na questão do habeas corpus de Lula, deixou em segundo plano o debate sobre a Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC), que seria geral e abstrata para todos. O Supremo, ao invés de discutir o habeas corpus de uma pessoa, deveria discutir o tema na ADC. No habeas corpus, o voto que daria o desequilíbrio para um lado ou para outro, que foi o da ministra Rosa Weber, modificaria a decisão se fosse na Ação Declaratória de Constitucionalidade. A ministra disse, ao julgar o habeas corpus de Lula, que votaria no princípio da colegialidade, afirmando em seu voto que “eu aceito que haja a execução”. Agora, quando for discutir a ADC, a posição da ministra é que não pode ter a execução imediata da pena. Ou seja, vai mudar o entendimento do Supremo. O que significa dizer que foi anunciado que quem está cumprindo a pena imediata hoje, está cumprindo uma prisão inconstitucional. O ex-presidente Lula, no meu entendimento, cumpre uma prisão inconstitucional porque a ministra Rosa Weber disse que quando for julgada a ADC, ela vai dizer que não pode cumprir prisão em segunda instância, aí o STF vai dar um outro juízo de valor a essa mesma norma. Do mesmo jeito, você tem a Lei da Ficha limpa.

 

COMO assim?

A LEI da Ficha Limpa é de 2010. Havia uma grande discussão sobre a extensão dessa lei, se ela poderia, por exemplo, atingir aquelas pessoas que cumpriram os três anos que a lei anterior, a 064, falava sobre as inelegibilidades. Foi o caso, por exemplo, do ex-governador e hoje senador Cássio Cunha Lima. Ele tinha cumprido os três anos de inelegibilidade, encerrado em 2008, mas em 2010, quando surgiu a Lei da Ficha Limpa, começou a discussão da retração da norma, se ela poderia retroagir para prejudicar. Para dizer que ela poderia retroagir, o Supremo disse que não era uma sanção e não é uma sanção, a lei poderia retroagir de 2010 oito anos para trás, isso porque era uma condição de elegibilidade. Isso houve uma grande discussão em 2012 e em 2014 houve uma grande relativização dela, mas no ano passado, em 2017, o Supremo disse e esclareceu que decisão de órgão colegiado tem efeito imediato. Isso vai gerar um novo entendimento, do ministro Luiz Fux (presidente do Tribunal Superior Eleitoral),  que já colocou que é o entendimento de que os tribunais encarregados de deferir os registrados de candidaturas, na hora que eles disserem que é inelegível, e não houver razoabilidade da discussão, o efeito será imediato, ou seja, não vai existir mais o conta em risco, porque se isso permanecesse, Lula poderia pedir registro de candidatura mesmo preso, já que ainda cabe recurso da sentença que o condenou a 12 anos e 1 mês de reclusão.

 

MAS, no caso concreto, o TSE deve ou não acatar o registro de candidatura de Lula?

A TENDÊNCIA é o TSE não aceitar, aplicando esse novo entendimento que o ministro Luiz Fux já afirmou em várias entrevistas. Na hora que a inelegibilidade for decretada por uma sentença da Justiça Comum, a Justiça Eleitoral no momento de analisar o pedido de registro vai declarar que realmente é inelegível e impedirá a participação nas eleições, para evitar “fraude à lei”, ou seja, deixar que um candidato sabidamente inelegível concorra a um pleito e 20 dias antes da votação esse candidato venha a ser substituído. Então, a tendência é o TSE não aceitar o registro de candidatura de Lula.

 

UMA candidatura sub judice é uma deformidade no processo eleitoral, sob todos os aspectos, ou seja, jurídicos, democráticos etc.?

ELA desestabiliza, não presta nenhuma homenagem ao sistema democrático, sobretudo porque nós teremos dois grandes debates: a Lei da Ficha Limpa vai ser muito usada, inclusive em discursos de candidatos, assim como fake news, porque um completa o outro. Essa eleição vai ser uma grande base empírica e amadurecimento desses dois institutos. Tanto da Ficha Limpa, na qual existem as possibilidades nas quais os advogados vão tentar manter determinadas candidaturas, assim como o fake news, para você tentar descobrir a fonte produtora das notícias falsas.

 

AS ELEIÇÕES gerais devem consolidar novas regras, apesar de a reforma política ampla e necessária não ter sido promovida pelo Congresso. O que vai impactar mais o pleito deste ano?

DUAS delas eu posso citar como importantes. Primeiro, a possibilidade de se dar entrevista, publicizar, discutir e debater sobre candidaturas. Antes, você só poderia falar sobre pretensão de candidatura depois que tivesse o seu registro deferido pela Justiça Eleitoral. Com a nova reforma, você pode dar entrevista, você pode até fazer lançamento de candidaturas como nós estamos vendo no Brasil inteiro. Então, essa forma de você democratizar a informação proporcional dá ao eleitor mais tempo de maturação para decidir qual será a melhor escolha, não se resumindo ao curto tempo de campanha eleitoral, que, inclusive, foi ainda mais reduzido o período de propaganda no rádio e na televisão.

 

E o segundo fator?

EU ACHO que vai ser de fundamental importância a fiscalização da Justiça Eleitoral com relação à prestação de contas. A partir do dia 15 de maio, o candidato já poderá arrecadar através de eventos e venda de objetos ou algum material, isso nunca existiu. Só que essa liberalidade que aumentou vai exigir um nível muito maior de fiscalização por parte da Justiça Eleitoral. Veja que os grandes problemas da Lava Jato surgiram exatamente na análise das prestações de contas das eleições passadas. Então, essas são as duas grandes novidades que nós vamos ter nas eleições deste ano.

 

O SENHOR disse, certa vez, que a Justiça Eleitoral está em permanente evolução, mas a soberania popular continua apegada a velhos e ultrapassados métodos. É tipo “rouba, mas faz” que permanece em voga?

O SISTEMA brasileiro tem uma peculiaridade de existir dois binômios: a necessidade do eleitor, por ausência do Estado, por falência do Estado, por falta de educação, saúde, segurança, moradia etc.; e a ambição do candidato. Aquele que está no poder quer se manter, e quem não está no poder quer alcançar o poder, e aí você tem os cinco vícios que Maquiavel fala para a manutenção desse poder. Quando você pega esses dois binômios e junta, você dá uma potencialidade a isso, ou seja, tem a ambição de querer ganhar e se manter no poder e a necessidade própria dessa ausência do Estado. Isso revela o exercício do poder, seja o poder lícito através da reeleição e dos programas sociais, seja o poder ilícito quando ele é praticado através do abuso. Então, a peculiaridade que eu digo é que você precisa estar sempre numa constante evolução. Hoje, o político oferece dinheiro para comprar o seu voto, a Justiça descobre, cassa esse político, depois a Justiça entende que o assessor foi até o eleitor para oferecer vantagens e tem que ser punido também, aí fica uma constante disputa de gato e rato para poder você depurar e alcançar a legitimidade, normalidade e a pluralidade do processo eleitoral. Se eu não consigo ter esses três conceitos, acaba favorecendo a prática lítica. Aí, nós voltamos para a origem do problema, que é exatamente a ausência do Estado.

 

O SENHOR entende, então, que é difícil combater a prática ilícita nas eleições, enquanto o povo brasileiro continuar votando com a barriga...

SE O Estado não se fizer presente, atender às demandas básicas do cidadão, essa forma de chegar e permanecer no poder continuará se estendendo. A ambição vai sempre usufruir da necessidade humana. Você imagine alguém que não tem nada para comer, desempregado, com grande dificuldade, e vem um coordenador de um assentamento desses dizer que veio entregar uma cesta básica porque políticos A, B e C mandaram oferecer. Evidentemente que essa pessoa vai aceitar, a questão moral ela vai para o terceiro grau de preocupação, porque o que você quer é ter a sua barriga cheia e matar a fome dos seus filhos. Essa necessidade é muito cruel quando você analisa do campo sociológico, mas como nós ficamos muito no campo jurídico, não conseguimos enxergar como a realidade é absolutamente diferente, como a realidade dói tanto, em detrimento de um pragmatismo, de uma discussão dogmática, ideológica, que tem numa universidade, por exemplo.

 

A JUDICIALIZAÇÃO continua presente no processo eleitoral brasileiro?

TEMOS a ideia que o Brasil cria uma confusão: a judicialização da política e a política sendo judicializada. Você criou uma imbricação, onde hora você judicializa, porque entra no aumento de querelas, e quando você aumenta esses conflitos, acaba tendo uma judicialização natural. Isso vai ser potencializado com as redes sociais, que ainda são uma novidade porque o Brasil nunca usou intensamente como o sistema americano usa, por exemplo. Nós estamos começando a usar agora, estamos perdendo a timidez de utilizar, e às vezes utilizamos mal porque tem muitas agressões. Por outro lado, temos a própria política judicializando temas que deveriam ser exclusivamente dela. Se você fizer uma análise das Casas Legislativas, a Alta e Baixa (Senado e Câmara), vai observar que o Supremo começa a produzir normas que deveriam ser específicas do processo substantivo legislativo, ou seja, própria do deputado e do senador, mas que, com a omissão deles, faz que o Judiciário passe a ser o grande legislador deste país.

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AUTOR

César Santos é jornalista desde 1982. Nasceu em Janduís (RN), em 1964. Trabalhou nas rádios AM Difusora e Libertadora (repórter esportivo e de economia), jornais O Mossoroense (editor de política no final dos anos 1980) e Gazeta do Oeste (editor-chefe e diretor de redação entre os anos 1991 e 2000) e Jornal de Fato (apartir dos anos 2000), além de comentarista da Rádio FM Santa Clara - 105,1 (de 2003 a 2011). É fundador e diretor presidente da Santos Editora de Jornais Ltda., do Jornal de Fato, Revista Contexto e do portal www.defato.com.

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