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Postado às 19h30 | 21 Set 2017 | Redação América está de volta à primeira divisão do futebol do Rio de Janeiro

Crédito da foto: Globoesporte.com Jogadores do América comemoram volta à Primeira Divisão do futebol do Rio de Janeiro

Memória FC

Texto: Cláudio Nogueira

Hei de torcer, torcer, torcer...
Hei de torcer até morrer, morrer, morrer...
Pois a torcida americana é toda assim
A começar por mim
A cor do pavilhão é a cor do nosso coração
Em nossos dias de emoção
Toda torcida cantará esta canção
Tra-la-la-la-la-la
Tra-la-la-la-la-la
Tra-la-la-la-la

Lalá era também o apelido do compositor carioca Lamartine Babo, tijucano e fanático pelo América Futebol Clube. A ponto de nos festejos do último título carioca do clube, em 1960, ter desfilado pelo Centro do Rio, num carro aberto, fantasiado de diabo, o símbolo da equipe, por causa da camisa vermelha.

Além das marchinhas de carnaval, como “O teu cabelo não nega” e “Linda morena”, entre outras, ele acabaria se notabilizando por ter aceito e cumprido o desafio de antes do carnaval de 1949 compor os hinos populares de todos os 11 times que iriam tomar parte no Campeonato Carioca daquele ano.

O mais bonito, claro, acabaria sendo o do seu América, que agora está de volta à Primeira Divisão do Futebol do Rio para 2018, juntamente com o Goytacaz, de Campos.

Nascido em 1904, ano da fundação do América (a 18 de setembro daquele ano), Babo morreu jovem em 1963, aos 59 anos. Havia sido um dos astros da chamada "Era do Rádio" da cultura brasileira. A televisão só chegaria ao país em 1950, pelas mãos de Assis Chateaubriand, e o rádio era muito popular, graças às músicas, às transmissões esportivas e aos programas de rádio, como o “Trem da Alegria”, da Rádio Nacional, a mais importante no período. O apresentador Heber de Bôscoli e sua equipe lançaram o desafio a Lamartine, que, segundo se conta, teria ficado trancado num apartamento por alguns dias, com comida e bebida suficientes para compor as músicas relativas aos clubes.

Surgiram assim os hinos de América, Bangu, Botafogo, Flamengo, Fluminense e Vasco, mas também os das equipes de menor torcida, como Bonsucesso, Canto do Rio, Madureira, Olaria e São Cristóvão. Canções populares, em ritmo de marchinhas de carnaval, estes hinos se impuseram aos oficiais de cada um deles. No caso do clube rubro, alguns estudiosos dizem que Lalá teria se inspirado ou mesmo plagiado a música americana “Row, row row”, de 1912, composta por William Jerome & Jimmie V. Monaco; e "Richmond Tigers theme song", hino de um time de futebol australiano (esporte que, a grosso modo, faz lembrar o rúgbi e o futebol americano). Quaisquer que sejam as origens do hino do América, este segue sendo certamente o melhor do Rio e possivelmente o melhor do país, já que os dos clubes de São Paulo, Minas e Rio Grande do Sul em alguns momentos se parecem com marchas militares.

Em sua canção, Lalá não se esqueceu de recordar os troféus de campeão carioca que seu time ganhara até então:

"Campeões de 13, 16 e 22
Tra-la-la
Temos muitas glórias
E surgirão outras depois
Tra-la-la”

Criado pela iniciativa de sete sócios, representados por sete estrelas nos escudos e bandeiras rubras, o América não participou do primeiro Campeonato Carioca da Primeira divisão, em 1906, junto com Botafogo e Fluminense, apesar de ter sido um dos fundadores da Liga Metropolitana de Football em 1905. Como o América não dispunha de um bom campo para treinar ou jogar, nem material esportivo adequado, foi incluído na Segunda Divisão carioca de 1906. Uma grande curiosidade é que o clube usava camisa preta com as letras A, F e C entrelaçadas no peito, calção branco e meias pretas. Foi assim até abril de 1908, quando Belfort Duarte - referência de atleta que praticava o fairplay, embora essa expressão não fosse usada - se mudou de São Paulo para o Rio e aderiu à equipe. Oriundo do Mackenzie paulista, cujo uniforme era vermelho, propôs essa cor para o América. No mesmo ano, o time jogaria pela primeira vez na Primeira Divisão.

Em 1913, liderado por Belfort, foi campeão carioca pela soma de pontos, ao bater o São Cristóvão. Após três anos, também pelos pontos corridos e igualmente diante do clube cadete, os rubros chegaram ao segundo titulo carioca. Um dos mais importantes troféus do América, porém, foi erguido em 1922, quando dos 100 anos da Independência do país. Por coincidência, o campeão do centenário superou o São Cristóvão por 3 a 1, terminando a campanha com um ponto a mais que o Flamengo, bicampeão em 1920 e 1921.

Um ano após o centenário, em 1923, o Vasco ascendia à Primeira Divisão, ganhando o Carioca logo no ano da estreia, com atletas negros, pobres e semianalfabetos. De acordo com historiadores rubros, a colônia portuguesa, que até então apoiava os rubros, passou a ser vascaína. Apesar disso, como dissera Babo, outras glórias surgiriam depois, como os Cariocas de 1928, 1931 e 1935. Em 1928, o time rubro foi campeão diante do Fluminense (3 a 1), e em 1935, contra o Flamengo (2 a 2).

A conquista de 1931 ocorreu de forma curiosa. Se hoje podemos acompanhar dezenas ou centenas de partidas simultaneamente, por meio da internet, TV e rádio, naquele tempo o panorama era bem diverso, até porque ainda não havia transmissões ao vivo pelo rádio. O Vasco havia chegado à última rodada um ponto na frente, mas deixou o troféu escapar-lhe das mãos, ao perder em casa para o Botafogo por 3 a 0. Com isso, o time rubro foi campeão, em casa, na Rua Campos Salles, ao superar o Bonsucesso por 3 a 1. Mas dirigentes, comissão técnica, atletas e torcida do América só puderam comemorar quando alguém telefonou para a sede, dando conta da derrota da equipe de São Januário.

Em meados da década de 30, o América teria um papel muito importante na história do futebol carioca, ao lado do Vasco. Devido à implantação da profissionalização dos atletas por decreto do então presidente Getúlio Vargas, houve um racha no esporte no país. Havia ligas a favor do profissionalismo e em defesa do amadorismo, o que obviamente causava prejuízos técnicos e financeiros. No caso do Rio, houve duas ligas e dois campeonatos entre 1933 e 1936, até que em 1937, os presidentes da equipe de Campos Salles, Pedro Magalhães Correa, e do time de São Januário, Pedro Pereira Novaes, conseguiram selar a chamada "Pacificação". Para isso, pesou o fato de o América ter sido o vencedor do Carioca de 1935 pela Liga Carioca de Futebol, e o Vasco, o campeão da cidade em 1936 na Federação Metropolitana de Desportos. Daí o fato de até hoje a partida entre ambos ser denominada “Clássico da Paz”.

Com a pacificação no Rio, então capital da República, com a Liga de Futebol do Rio de Janeiro (LFRJ) - que promoveria seu primeiro campeonato em 1937 - este processo se estendeu a São Paulo e a outros estados. Isso possibilitou que a seleção brasileira, dirigida pela então Confederação Brasileira de Desportos (CBD) - que havia ganho a queda de braço com a Federação Brasileira de Futebol (FBF), obtivesse a importante terceira colocação na Copa do Mundo de 1938.

Embora fosse considerado um dos grandes clubes cariocas, a equipe da Tijuca tinha diante de si a chamada faca de dois gumes: era e ainda é até hoje o “segundo time dos cariocas”, mas o primeiro de poucos. Sua torcida não estava entre as maiores do Rio, o que, claro, enfraquece uma instituição. Talvez por isso, a equipe rubra tenha enfrentado 25 anos de jejum até 1960, ano da fundação do extinto Estado da Guanabara, depois que a capital federal foi transferida para Brasília. Diante de 100 mil pessoas no Maracanã, o América se tornou o primeiro campeão da antiga Guanabara ao bater o Fluminense: 2 a 1, de virada. Aquele seria o último troféu de campeão carioca do clube.

Apesar de ter obtido outras conquistas, tais como a Taça Guanabara de 1974 e da primeira Taça Rio, em 1982, e de haver chegado às finais nestes dois anos, os troféus de campeão estadual teimaram em lhe escapar. O mesmo 1982, porém, traria para os rubros a maior gloria de seus 113 anos, o de campeão dos campeões, numa final em duas partidas com o Guarani: 1 a 1, em Campinas, e 2 a 1 para o América, no Maracanã. Tal campeonato surgiu porque, como se tratava de ano de Copa do Mundo (na Espanha), a CBF organizou, em paralelo ao Mundial, um torneio reunindo 18 equipes que já haviam sido campeãs ou vice de competições nacionais. A taça ficou com o clube de Campos Salles, cumprindo de certa forma outro trecho do hino de Lamartine Babo:

“ Campeões com a pelota nos pés
Fabricamos aos montes, aos dez
Nós ainda queremos muito mais
América unido vencerás!”

Finalistas da Série B do Rio, o clube rubro e o Goytacaz, de Campos, ainda vão decidir o troféu. Mas ambos já estão assegurados na Divisão Principal em 2018. Se erguer a taça, o América vai acrescentar mais uma glória ao seu currículo, onde constam os seguintes titulos: Campeão dos campeões (82); Campeonatos Estaduais do Rio (13, 16, 22, 28, 31, 35, 60); Série B Carioca (2009 e 2015); Taça Guanabara (1974); Taça Rio (1982). Taça Ioduran (1916) e Taça Campeão dos Campeões Rio-São Paulo (1936), ambos os torneios precursores do Campeonato Brasileiro.

*Cláudio Nogueira é jornalista do SporTV e autor dos livros "Futebol Brasil Memória - De Oscar Cox a Leônidas da Silva"; "Dez toques sobre jornalismo" e “Esporte Paralímpico - Tornar Possível o Impossível”, entre outros

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