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Postado às 10h45 | 25 Ago 2017 | Redação Projeto que prevê contratação temporária no Corpo de Bombeiros é inconstitucional

Crédito da foto: Divulgação/Corpo de Bombeiros Segundo o MP, “as atividades de competência do Corpo de Bombeiros Militar somente podem ser desenvol

A Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva da Segurança Pública do Ministério Público do Rio Grande do Norte (MPRN) recomenda ao Governo do Estado a retirada do projeto de lei encaminhada a Assembleia Legislativa antes mesmo que ela seja apreciada em alguma Comissão ou no Plenário do Poder Legislativo. O órgão estadual vê inconstitucionalidade na matéria.

Segundo o MP, “as atividades de competência do Corpo de Bombeiros Militar somente podem ser desenvolvidas por militares que legalmente ingressaram na referida instituição, e não por servidores civis contratados temporariamente para o exercício de atividades previsíveis, permanentes e ordinárias”.

Caso o projeto de lei seja aprovado pela ALRN, a matéria poderá ser questionada, diz o MP.

O MP ainda cita o Código Estadual de Segurança Contra Incêndio e Pânico (CESIP) do Rio Grande do Norte, publicado recentemente no Diário Oficial. Segundo o órgão, o código “criou competências que somente podem ser exercidas por integrantes do Corpo de Bombeiro Militar”.

“A eventual e futura aplicação da lei a que se refere a proposição, acaso aprovada pelo Poder Legislativo e sancionada pelo chefe do Poder Executivo, poderá ser questionada em ação civil pública ajuizada por esta Promotoria de Justiça, na qual pode ser suscitado, como causa de pedir, o controle jurisdicional difuso de constitucionalidade, sem prejuízo de eventuais representações ao Procurador-Geral da República e ao Procurador-Geral de Justiça para que, se entenderem cabível, provoquem o controle concentrado de constitucionalidade mediante ações diretas perante o Supremo Tribunal Federal e o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte, respectivamente”.

A recomendação ainda pede que o governador Robinson Faria consulte “que, no prazo de 10 (dez) dias úteis, consulte o seu órgão de assessoramento jurídico e, acaso se convença da apontada inconstitucionalidade do projeto de lei contido na Mensagem nº 138/2017-GE, de 08 de agosto de 2017, solicite à Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte a retirada da proposição”.

No último dia 14, o Governo do Estado convocou os candidatos aprovados para a realização da 2ª etapa – Avaliação médica e odontológica – do concurso público para provimento de vagas para oficial do Corpo de Bombeiros Militar do Rio Grande do Norte (CBMRN).

Leia recomendação na íntegra:

MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE

PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE TUTELA COLETIVA DA SEGURANÇA PÚBLICA

RECOMENDAÇÃO nº 02/2017

Destinatário: Excelentíssimo Senhor Governador do Estado

Objeto: Inconstitucionalidade de projeto de lei encaminhado ao Poder Legislativo estadual que dispõe sobre a contratação temporária de agentes públicos para o Corpo de Bombeiros Militar do Estado do Rio Grande do Norte

Referência: Inquérito Civil nº 117.2009.000002

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE, pelo Promotor de Justiça que esta subscreve, no uso de suas atribuições constitucionais previstas no art. 129, incisos II e VII, e com fundamento no art. 6o, inciso XX, da Lei Complementar Federal n.º 75, de 20.05.1993, c/c o art. 80 da Lei Federal n.º 8.625, de 12.02.1993, na Resolução CNMP nº 164/2017, e:

I. Considerando que, nos termos da Constituição da República e da Constituição do Estado do Rio Grande do Norte, incumbe ao Ministério Público a defesa da ordem jurídica e dos interesses sociais indisponíveis;

II. Considerando que são funções institucionais do Ministério Público zelar pelo efetivo respeito dos poderes públicos aos direitos assegurados na Carta Magna, promovendo as medidas necessárias para a sua garantia, na forma dos arts. 127 e 129, inciso II, da Constituição Federal;

III. Considerando que compete ao Ministério Público expedir recomendações visando à melhoria dos serviços públicos e de relevância pública, bem como do efetivo respeito aos interesses, direitos e bens cuja defesa lhe cabe promover, fixando prazo razoável para a adoção das providências cabíveis;

IV. Considerando que a Resolução nº 164/2017 do Conselho Nacional do Ministério Público dispõe que “a recomendação é instrumento de atuação extrajudicial do Ministério Público por intermédio do qual este expõe, em ato formal, razões fáticas e jurídicas sobre determinada questão, com o objetivo de persuadir o destinatário a praticar ou deixar de praticar determinados atos em benefício da melhoria dos serviços públicos e de relevância pública ou do respeito aos interesses, direitos e bens defendidos pela instituição, atuando, assim, como instrumento de prevenção de responsabilidades ou correção de condutas” (art. 1º), podendo ser dirigida, de maneira preventiva, a qualquer pessoa, física ou jurídica, que tenha o poder, atribuição ou competência para a adoção das medidas recomendadas (art. 4º); V. Considerando que, nos termos do art. 129, inciso VII, da Constituição Federal, e art. 84, inciso VI, da Constituição do Estado do Rio Grande do Norte, é função institucional do Ministério Público exercer o controle externo da atividade policial, na forma de sua Lei Orgânica;

VI. Considerando que a segurança pública é dever do Estado e direito e responsabilidade de todos, previsto na Constituição da República, que a reconhece como direito fundamental social, devendo ser exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, conforme dispõe seu art. 144, caput, caracterizando-se como direito difuso da sociedade;

VII. Considerando que, consoante prevê o art. 144, § 5º, da Constituição Federal, “às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública e aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil”;

VIII. Considerando que “cabe ao Corpo de Bombeiros Militar, além das atribuições previstas em lei complementar, a coordenação, o controle e a execução das atividades de defesa civil e de atendimento pré-hospitalar”, nos termos do art. 90, §10, da Constituição do Estado do Rio Grande do Norte, com a alteração determinada pela Emenda Constitucional nº 8/2012;

IX. Considerando o conceito legal de defesa civil é o “conjunto de ações preventivas, de socorro, assistenciais e recuperativas destinadas a evitar desastres e minimizar seus impactos para a população e restabelecer a normalidade social”, conforme art. 2º, I, do Decreto nº 7.257, de 2010, que dispõe sobre o Sistema Nacional de Defesa Civil – SINDEC;

X. Considerando que a Administração Pública de qualquer dos poderes do Estado deve, necessariamente, obedecer aos princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência e do concurso público, nos termos do art. 37, caput e inciso II, da Constituição Federal;

XI. Considerando a Mensagem nº 138/2017-GE, encaminhada pelo Governador do Estado à Assembleia Legislativa no dia 08 de agosto de 2017, trata de projeto de lei cujo teor dispõe sobre a contratação de agentes públicos, por prazo determinado, para o atendimento de suposta necessidade temporária de excepcional interesse público, no âmbito do Corpo de Bombeiros Militar do Estado do Rio Grande do Norte (CBM/RN), e dá outras providências, a fim de amparar a futura contratação precária de profissionais cujas competências contemplem as atividades de salvamento aquático e de análises de processos de combate a incêndio;

XII. Considerando que a Lei Complementar Estadual nº 601, de 07 de agosto de 2017, instituiu o Código Estadual de Segurança Contra Incêndio e Pânico (CESIP) do Rio Grande do Norte, alterando a Lei Complementar nº 247/2002 e revogando a Lei Estadual nº 4.436/1974, criou competências que somente podem ser exercidas por integrantes do Corpo de Bombeiro Militar;

XIII. Considerando que os Militares do Estado são exclusivamente os membros da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros Militar regularmente incorporados às respectivas instituições militares, nos termos do art. 31 da Constituição do Estado do Rio Grande do Norte, com a alteração determinada pela Emenda Constitucional nº 8/2012, não se lhes aplicando o disposto no art. 26, IX, da mesma Constituição Estadual (alterado pela Emenda Constitucional nº 7/2012);

XIV. Considerando que o Supremo Tribunal Federal, ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.163/GO, assentou entendimento no sentido de que a Polícia Militar e o Corpo de Bombeiros Militar, conquanto instituições públicas, pressupõem o ingresso na carreira por meio de concurso público (CRFB/88, art. 37, II), ressalvadas as funções administrativas para trabalhos voluntários (Lei nº 10.029/2000), restando inconstitucional qualquer outra forma de provimento, sobretudo a contratação temporária;

XV. Considerando que, à luz do conteúdo jurídico do art. 37, inciso IX, da Constituição da República e da jurisprudência firmada pela Suprema Corte em sede de Repercussão Geral (RE 658.026, DJe 31.10.2014), a contratação temporária de servidor público deve atender as seguintes condições: a) previsão em lei dos cargos; b) tempo determinado; c) necessidade temporária de interesse público; d) interesse público excepcional;

XVI. Considerando que, embora seja possível, em tese, a contratação temporária de guarda-vidas pela administração pública (federal, estadual ou municipal), uma vez que não se trata, na essência, de atividade tipicamente militar, a lei que eventualmente disponha sobre essa contratação não pode vinculá-la às instituições militares, que possuem competências constitucionais próprias e indelegáveis;

XVII. Considerando que as atividades de competência do Corpo de Bombeiros Militar somente podem ser desenvolvidas por militares que legalmente ingressaram na referida instituição, e não por servidores civis contratados temporariamente para o exercício de atividades previsíveis, permanentes e ordinárias;

XVIII. Considerando que a Lei nº 10.029, de 2000, que estabelece normas gerais para a prestação voluntária de serviços administrativos e de serviços auxiliares de saúde e de defesa civil no âmbito das Polícias Militares e dos Corpos de Bombeiros Militares, não autoriza os Estados e o Distrito Federal a criarem a figura do bombeiro militar temporário, nem tampouco permite que normas estaduais ampliem a sua abrangência;

XIX. Considerando que já estão em andamento concursos públicos para o provimento de cargos de oficiais e praças do Corpo de Bombeiros Militar, que podem e devem ser priorizados, observando, todavia, as orientações e determinações do Tribunal de Contas do Estado – TCE/RN;

XX. Considerando que a eventual e futura aplicação da lei a que se refere a proposição, acaso aprovada pelo Poder Legislativo e sancionada pelo chefe do Poder Executivo, poderá ser questionada em ação civil pública ajuizada por esta Promotoria de Justiça, na qual pode ser suscitado, como causa de pedir, o controle jurisdicional difuso de constitucionalidade, sem prejuízo de eventuais representações ao Procurador-Geral da República e ao Procurador-Geral de Justiça para que, se entenderem cabível, provoquem o controle concentrado de constitucionalidade mediante ações diretas perante o Supremo Tribunal Federal e o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte, respectivamente;

XXI. Considerando, por fim, que o Regimento Interno da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte (Resolução nº 46/1990), ao tratar das disposições gerais das proposições, no seu art. 202, §7º, permite que o Governador do Estado, querendo, retire a proposição de sua autoria antes que seja iniciada a votação em uma Comissão ou no Plenário;

Resolve RECOMENDAR ao Excelentíssimo Senhor Governador do Estado que, no prazo de 10 (dez) dias úteis, consulte o seu órgão de assessoramento jurídico e, acaso se convença da apontada inconstitucionalidade do projeto de lei contido na Mensagem nº 138/2017-GE, de 08 de agosto de 2017, solicite à Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte a retirada da proposição, antes mesmo que ela seja apreciada em alguma Comissão ou no Plenário do Poder Legislativo, como forma de prevenir prejuízos às atividades do Corpo de Bombeiros Militar, permitir a adoção tempestiva de outras providências (lícitas) para a prestação de serviços de guarda-vidas nos lugares e pelo tempo que entenda conveniente e, ainda, para evitar expectativas por parte da sociedade em geral quanto à indevida contratação temporária de civis para o exercício de atividades que somente podem ser desempenhadas por militares estaduais legitimamente incorporados à referida instituição militar.

A autoridade a quem é dirigida a presente recomendação deverá, no prazo de 30 (trinta) dias, informar a esta Promotoria de Justiça as providências adotadas, inclusive se a acatou ou não, nos termos do art. 10 da Resolução CNMP nº 164/2017.

Natal, 17 de agosto de 2017.

Wendell Beetoven Ribeiro Agra - 70º PROMOTOR DE JUSTIÇA Em substituição

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