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Postado às 14h00 | 25 Nov 2017 | Redação Celina Guimarães: 90 anos do registro em Mossoró da 1ª eleitora da América Latina

Crédito da foto: Reprodução 90 anos do registro em Mossoró da 1ª eleitora da América Latina

O desejo das mulheres brasileiras de participar da vida política do país é muito antigo. Alguns preceitos do Código Civil Brasileiro de 1916, no entanto, sacramentavam a inferioridade da mulher casada em relação ao marido. A nova ordem jurídica incorporava e legalizava o modelo que concebia a mulher como dependente do homem. A esposa foi declarada relativamente incapaz do exercício de determinados atos civis, limitações só comparáveis às que eram impostas aos menores e aos índios.

O mundo privado discriminava as funções conjugais, mas o direito da mulher ao trabalho iria depender da autorização de seu marido ou, em certos casos, de uma decisão judicial.

Com o desenvolvimento industrial e urbano, o acesso a uma melhor escolaridade, o avanço do feminismo e as frequentes reivindicações das mulheres por maiores oportunidades acabaram por abrir, fora do lar, algumas novas profissões para as brasileiras. Mas a aspiração da mulher era limitada. Precisava da autorização do seu marido para desempenhar qualquer profissão fora do lar. Mesmo assim, a inclusão da mulher na produção criou as origens de sua luta pela libertação, o que possibilitava uma independência econômica que quebraria os laços da dominação do homem e da família.

De fato, desde o início, essa questão provocava discussões e debates, fazendo emergir posições contraditórias, inclusive quando o tema abordado era o sufrágio feminino. Era motivo de zombaria ou utopia só o fato de imaginar mulheres adquirindo por completo a sua cidadania.

No final da década de 1920, as mulheres aspiravam o direito político e objetivavam a conquista de sua cidadania através da participação política. O primeiro dos projetos que visava dar direito de voto à mulher foi de Maurício de Lacerda (1917), depois Justo Chermont (1920), representante do estado do Pará, e em seguida Moniz Sodré (1925). Todos eles redundaram no fracasso devido à timidez dos políticos.

Contudo, o voto se impôs e aconteceu no Rio Grande do Norte, precisamente na cidade de Mossoró. Em 1926, José Augusto, então governador do Rio Grande do Norte, promoveu a reforma da Constituição do Estado, tentando adaptá-la à Constituição Federal. Elaborou nesse mesmo ano uma nova Constituição política pelo Congresso Estadual Constituinte.

E, assim, feita a revisão da Constituição do Rio Grande do Norte, por exigência do senador Juvenal Lamartine, junto ao governador José Augusto, foi nela incluído um dispositivo “consagrando a igualdade de direitos dos cidadãos de ambos os sexos”. Nas suas disposições transitórias, lá estava o artigo 77, que dizia: - “No Rio Grande do Norte, poderão votar e ser votados sem distinção de sexos, todos os cidadãos que reunirem as condições exigidas por esta lei.” Esse dispositivo foi apresentado pelo deputado e líder do governo, o mossoroense Adauto Câmara, por solicitação de Juvenal Lamartine.

Em 25 de outubro de 1927, quando da aprovação da lei 660, ficou clara a permissão de direitos dados à mulher de interferir na política norte-rio-grandense.

Foi com base nessa lei que, a 25 de novembro do mesmo ano, a professora Celina Guimarães Viana requereu sua inclusão no alistamento eleitoral. Seu requerimento preencheu todas as exigências da lei e nesse mesmo dia, verificados os documentos que o acompanhavam, exarou o juiz Israel Ferreira Nunes, então juiz eleitoral de Mossoró, em substituição ao dr. Eufrásio de Oliveira, seu jurídico despacho, mandando incluir o nome da requerente na lista geral de eleitores. Esse despacho, hoje um documento de imenso valor histórico, encontra-se no Museu Histórico “Lauro da Escóssia”, em Mossoró.

Decidido o seu caso, Celina enviou um telegrama de apelo ao presidente do Senado Federal, para que as compatriotas obtivessem o mesmo direito: “Peço nome mulher brasileira seja aprovado projeto instituindo voto feminino amparando seus direitos políticos reconhecidos Constituição Federal.”

Mesmo não sendo um feminista, José Augusto ingressou na história do desse movimento, tornando-se o primeiro a receber o voto feminino no Brasil com satisfação, o que não aconteceu com a Comissão de Poderes do Senado, que excluiu dos 10.612 votos considerados válidos, 15 votos femininos dados a José Augusto para senador da República.

José Augusto foi candidato a senador da República na vaga aberta pela renúncia de Juvenal Lamartine de Faria, que saiu candidato a governador do Estado. A não aceitação dos votos das mulheres norte-rio-grandense nesse pleito deveu-se ao fato da lei 660 ter abrangência apenas no âmbito do Rio Grande do Norte, sendo o voto feminino válido apenas para eleições no estado.

Esse fato, de maneira alguma, diminui o mérito de d. Celina Guimarães Viana. Afinal, só 5 anos depois, em 24 de fevereiro de 1932, é que as mulheres dos demais estados brasileiros viriam a conquistar esse direito. E nem eram todas as mulheres que podiam votar; somente as casadas (com permissão dos maridos), as viúvas e as solteiras que tivessem seu próprio dinheiro. Em 1934, após grande pressão popular, o presidente Getúlio Vargas tirou essas restrições do Código Eleitoral.

 

O PRIMEIRO VOTO

A atitude de Celina Guimarães incentivou outras mulheres de Mossoró e do Rio Grande do Norte a requer o direito de votar. E todos os pedidos feitos, mediante comprovação de documentos exigidos por lei, foram deferidos pelo juiz eleitoral. Tanto que quando Celina foi votar, pela primeira vez, em 5 de abril de 1928, teve a companhia das senhoras Beatriz Leite Morais e d. Elisa da Rocha Gurgel, que também obtiveram o registro eleitoral. Nas eleições daquele dia, o dr. José Augusto Bezerra de Medeiros concorria à vaga aberta no Senado por Juvenal Lamartine, que havia sido eleito para o Governo do Estado do Rio Grande do Norte.

No momento de exercer o voto, no antigo prédio onde funciona a Biblioteca Municipal Ney Pontes, as três eleitoras foram recepcionadas na mesa eleitoral pelos senhores José Ribeiro Dantas, Augusto da Escóssia, Bonifácio Queiroz, além da presença do deputado federal Rafael Fernandes Gurjão e do dr. João Marcelino de Oliveira, delegados de partido.

 

Em 1928, realizavam-se no estado as eleições gerais. A eleitora Celina Guimarães fazia distribuir, pela cidade de Mossoró, a seguinte proclamação:

“O voto feminino – Alistai-vos, mulheres mossoroenses! Hoje é um dia de hosanas para o Rio Grande do Norte. As urnas eleitorais recebem das mãos puras e cândidas da mulher deste pedaço querido do Brasil a oferenda sagrada do seu civismo. O voto feminino – conquista magnífica dos povos cultos e progressistas – passa para o terreno da realidade em nosso estado.

A mulher norte-rio-grandense ingressa, aureolada de patriotismo, pelo pórtico dos direitos políticos, indo sufragar nas eleições de hoje os nomes dos candidatos aos Governos Municipais e a deputados à Assembleia Legislativa e vai receber, igualmente, os votos de seus concidadãos para detentora de cargos políticos e administrativos. Lajes, Natal, Caicó, São José, Nova Cruz, Pau dos Ferros e outros municípios mandam sagrar nas urnas nomes de mulheres eleitoras em suas circunscrições para os postos de prefeitas e intendentes.

Belo exemplo do Rio Grande do Norte aos demais Estados da Federação.

O sol anuncia que o dia 2 de setembro vai levar a todos os recantos da Pátria, num rebate de alvorada gloriosa, a notícia desse evento feliz que o patriotismo do presidente Juvenal Lamartine fez elevar bem alto o nome da Terra Potiguar. E o eco vitorioso dessa conquista há de repercutir mais altaneiro ainda pelas plagas de além-oceano, de além-fronteiras.

Mulher mossoroense, centelha ardente da mulher norte-rio-grandense, da mulher brasileira, alistai-vos eleitoras! Formai uma legião nobre e aguerrida ao lado do exmo. sr. dr. Juvenal Lamartine – o maior dos brasileiros na defesa dos direitos políticos da mulher em nosso país.

Vós, mulheres conterrâneas, não deveis demorar a vossa gratidão mais intensa e convencida ao presidente do Estado do Rio Grande do Norte. Hoje, eleitoras que já sois, acorrei às urnas, com o vosso voto consciente. Amanhã, à porfia de um patriotismo sincero, alistai-vos a fim de contribuirdes para o progresso do vosso Município, do vosso Estado, do vosso Brasil.

Salve a mulher rio-grandense-do-norte! Salve o voto feminino! Viva o presidente Juvenal Lamartine!”

 

Celina de Amorim Guimarães nasceu em Natal, a 15 de novembro de 1890. Era filha de José Eustáquio de Amorim Guimarães e Eliza de Amorim Guimarães.

Estudou na Escola Normal de Natal, onde concluiu o curso de formação de professores. E foi nessa mesma escola que conheceu aquele que seria o seu companheiro por toda a vida: Elyseu de Oliveira Viana, um jovem estudante vindo de Pirpirituba/PB, com quem se casou em dezembro de 1911.

Em janeiro de 1912, foi designada para ensinar a cadeira de Ensino Misto Infantil do Grupo Escolar Tomás Araújo, em Acari, juntamente com o seu marido, onde permaneceram até 1913.

Em 13 de janeiro de 1914, atendendo convite do dr. Manuel Dantas, então diretor de Instrução Pública do Estado do Rio Grande do Norte, foi transferida para Mossoró, onde assumiu a cadeira infantil do Grupo Escolar 30 de Setembro. Como educadora, inovou as técnicas pedagógicas da época, abolindo métodos grosseiros, como o uso da palmatória para castigo físico dos alunos que não aprendiam a lição, buscando a participação do alunato. Era uma mulher muito dinâmica, inteligente e assídua no trabalho. Essas qualidades fizeram que ela fosse merecedora de elogio individual registrado no relatório elaborado em setembro de 1914 pelo inspetor de ensino, professor Anfilóquio Câmara, e inscrito no Livro de Registro Profissional.

Para ilustrar o perfil da mulher Celina Guimarães, pode-se citar um exemplo: certo dia, um grupo de rapazes, alunos do Grupo Escolar 30 de Setembro, no qual ela e o marido ensinavam, foram procurá-la querendo aprender como se praticava o esporte que se chamava futebol. E Celina aceitou o desafio. Foi assim que numa certa manhã dona Celina apareceu na Praça do Moinho, ou da Escola Normal, de livro na mão e apito na boca, cercada de meninos desejosos de aprender o novo esporte. Decidida, ela mandou que colocassem duas pedras, numa distância de quatro metros de cada lado, delimitando os goals, e passou a dividir a garotada: onze para cada lado. Por falta de uniformes, decidiu que um time jogaria com camisas e o outro sem camisas para diferenciar. A bola de couro havia sido comprada pelos pais da garotada.

Acontece que a regra de futebol daquela época era toda em inglês. Assim sendo, além de explicar como se jogava e como se marcava o gol, tinha ainda de explicar o que era off-side, corner-kick, foul, reefery, fire-kick e field. Mostrou as posições de cada jogador, o que era back, keeper, half, center-half, forwards, 1° half-team, 2° half-team, team etc., ensinou o que cabia ao goleiro fazer dentro de sua barra, a posição certa dos backs e o papel do centro-médio que teria de jogar no meio do campo acompanhando a linha dos dianteiros. Ensinou como os pontas (direito e esquerdo) deveriam atuar, os meias e o center-forward, que seria o homem-tanque da ofensiva, desbravando as defesas e marcando muitos gols.

Dadas as explicações iniciais, pôs a bola no centro do campo, colocou cada um na sua posição e acionou o apito. A princípio, a dificuldade era grande por parte da garotada, que teimava em botar a mão na bola. Foi preciso muita paciência da professora e muito sopro no apito para que os ensinamentos básicos fossem seguidos.

Essa pequena história serve para mostrar o dinamismo de Celina Guimarães Viana, uma mulher muito além do seu tempo. Provavelmente, foi ela a primeira mulher no mundo a entrar num campo de futebol como treinadora de rapazes. É esse, pois, o perfil da primeira eleitora da América do Sul.

 

A conquista do voto feminino no Brasil, em 1932

Cinco anos após Celina Guimarães ter conquistado o seu título eleitoral, a luta das mulheres brasileiras pelo direito de votar obteve grande vitória. Em 24 de fevereiro de 1932, esse direito foi assegurado no Código Eleitoral Provisório (decreto 21.076), durante o governo de Getúlio Vargas, após longa campanha nacional que teve início antes mesmo da Proclamação da República.

Ressalta-se que o direito de voto da mulher foi aprovado parcialmente. Somente as mulheres casadas, viúvas e solteiras que tivessem renda própria poderiam exercer o direito básico para o pleno exercício da cidadania feminina.

Em 1934, as restrições ao voto feminino foram eliminadas do Código Eleitoral, embora a obrigatoriedade do voto fosse um dever masculino. Em 1946, a obrigatoriedade do voto foi estendida às mulheres. A partir daí, as mulheres puderam, além de votar, entrar no mundo político e se candidatar a cargos eletivos.

A antropóloga Maria Elisa Máximo, em uma entrevista ao jornalista Rafael Verch (site OCP on-line), disse que não há dúvidas que o voto feminino foi a primeira grande conquista da mulher brasileira no sentido da equidade social. “Isso levou cidadania às mulheres, para dizer o mínimo. E, nesse sentido, foi uma via importante de empoderamento”, ressaltou.

Elisa Máximo vai além, ao analisar que a conquista do voto feminino trouxe outras conquistas posteriores, como o fortalecimento dos movimentos sociais, a equiparação salarial e de jornada de trabalho, entre outros aspectos. Porém, ela ressalta que “se por um lado a sociedade se abriu para esses direitos da mulher, por outro lado ela parece ter se fechado ainda mais para outros direitos. A meu ver, o controle masculino sobre a mulher continua sendo exercido no domínio da sexualidade e dos direitos reprodutivos e, para mim, é nessa frente que ainda temos muito o que avançar”, afirmou.

 

Celina fez apelo ao Senado para que todas as mulheres tivessem o direito ao voto

Não há qualquer exagero em afirmar que o pioneirismo da professora Celina Guimarães em Mossoró, com a conquista do direito de votar, marcou a luta das mulheres pelo direito de exercer a sua cidadania. Celina, inclusive, tão logo recebeu o registro eleitoral, fez um apelo ao presidente do Senado Federal para que todas as mulheres tivessem o mesmo direito.

No telegrama enviado, lia-se: “Pelo nome mulher brasileira seja aprovado projeto institui voto feminino amparando seus direitos políticos reconhecidos Constituição Federal – Saudações Celina Guimarães Viana – professora da Escola Normal Mossoró.”

A luta das mulheres, entendia Celina, era de todos, inclusive, tinha no companheiro professor Elyseu Viana o maior incentivador, com quem dividia as vitórias. Fez isso publicamente ao transferir para o esposo o feito do seu registro eleitoral:

“Eu não fiz nada! Tudo foi obra de meu marido, que empolgou-se na campanha de participação da mulher na política brasileira e, para ser coerente, começou com a dele, levando meu nome de roldão. Jamais pude pensar que, assinando aquela inscrição eleitoral, o meu nome entraria para a história. E aí estão os livros e os jornais exaltando a minha atitude. O livro de João Batista Cascudo Rodrigues - A Mulher Brasileira - Direitos Políticos e Civis - colocou-me nas alturas. Até o cartório de Mossoró, onde me alistei, botou uma placa rememorando o acontecimento. Sou grata a tudo isso que devo exclusivamente ao meu saudoso marido.”

Após o despacho do juiz eleitoral Israel Ferreira Nunes, lhe concedendo o direito de votar, Celina Guimarães passou a conscientizar as mulheres sobre a importância do voto. Elaborou um texto, imprimiu-o em forma de panfleto e distribuiu junto às mulheres, solicitando a todas que fossem votar. No material, Celina reiterava que tal ação contribuía para o progresso de Mossoró.

 

BERTA LUTZ

A luta das mulheres pelo direito de votar começou a ganhar força no início do século XX. As pioneiras foram Myrthes de Campos, a primeira mulher e advogada a ter entrado para a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), e Leolinda Daltro, uma professora que, em 1910, fundou o Partido Republicano Feminino.

Myrthes e Leolinda requereram o registro eleitoral, tendo como base os artigos 69, 70 e 72 da Constituição Republicana do Brasil, em 1891, e no Código Eleitoral vigente desde 1904, que asseguravam a igualdade de direitos para todos, sem excluir as mulheres dos conceitos de cidadania e das condições de elegibilidade. Mesmo assim, elas tiveram pleito negado.

Vale ressaltar que o feito de Celina Guimarães em Mossoró, com ganho político relevante, resultou das reivindicações feministas por igualdade de direitos, lideradas pela bióloga paulista Bertha Lutz (1894-1976). Bertha foi uma das lideranças feministas mais expressivas na campanha pelo voto das mulheres e pela igualdade de direitos entre homens e mulheres.

Todo esse processo reivindicatório, em várias partes do Brasil, incentivou e acirrou as lutas em prol dos direitos. E foi através dessa luta que Bertha Lutz conheceu Celina Guimarães Viana e elas se tornaram muito amigas.

A pesquisadora Samira Adler Vainsencher, da Fundação Joaquim Nabuco, escreveu:

“Sem sombra de dúvida, Celina era uma mulher à frente de seu tempo. Como educadora, em uma época em que a disciplina dos alunos era regida por meio da palmatória, ela aboliu tal mecanismo e passou a utilizar o teatro, como forma de atrair a atenção dos jovens. Redigiu textos de peças, montou figurinos e realizou apresentações na escola. Por essa e outras iniciativas pedagógicas, Celina foi incluída no Livro de Honra da Instrução Pública, um reconhecimento pelos bons serviços prestados ao Estado.

 

Alzira Soriano, Maria do Céu, Lindalva, Wilma e Rosalba

A fazendeira Alzira Soriano de Souza é uma das personagens mais importantes do pioneirismo da mulher na política do Rio Grande do Norte. Cinco anos antes de aprovado o Código Eleitoral do Brasil, em 1932, no governo Getúlio Vargas, que estendia às mulheres o direito ao voto, ela se elegeu prefeita do município de Lajes, na região Central do estado.

O fato ocorreu em 1928. Alzira Soriano exerceu o direito de voto baseado na lei sancionada pelo governador José Augusto Bezerra de Medeiros, em 25 de outubro de 1927, a mesma que motivou a professora Celina Guimarães Viana a requerer e conseguir o registro eleitoral.

Mas Alzira Soriano não exerceu o mandato, pois a Comissão de Poderes do Senado a impediu que tomasse posse e anulou os votos de todas as mulheres da cidade, isso porque a participação de mulheres na eleições fora autorizada excepcionalmente graças a uma intervenção do candidato a presidente da província, Juvenal Lamartine.

A história de Alzira Soriano inspirou outras mulheres potiguares a exercer a política buscando o ambiente de igualdade aos políticos homens. Destaca-se Maria do Céu Fernandes Araújo (1910/2001), a primeira mulher eleita deputada estadual do Rio Grande do Norte e, por extensão, a primeira do Brasil. Natural de Currais Novos, na região do Seridó, Maria do Céu foi eleita com 12.058 votos, na primeira eleição após o movimento revolucionário de 1930, porém teve seu mandato cassado em 1937, por discordância das ideias getulistas durante o Estado Novo.

Em seguida vem Lindalva Torquato Fernandes (1923/1996), nascida em Luís Gomes, no Alto Oeste potiguar, a segunda mulher eleita para a Assembleia Legislativa do RN, cumprindo o mandato entre os anos de 1955/59 (19ª Legislatura).

Lindalva Torquato foi além ao ter sido a primeira mulher ministra do Tribunal de Contas do Estado (TCE-RN), nomeada pelo governador Dinarte Mariz, e depois presidiu a Corte de Contas. Era casada com José Fernandes de Melo, que exerceu mandato de deputado estadual por duas décadas; mãe do ex-deputado Elias Fernandes Neto e avó do atual deputado Gustavo Fernandes (PMDB).

Mais recentemente, duas mulheres mossoroenses foram elevadas a condições de destaque na política potiguar: a professora Wilma Maria de Faria (1945-2017), a primeira mulher eleita governadora do Rio Grande do Norte; e a pediatra Rosalba Ciarlini Rosado, a primeira mulher do RN eleita senadora da República.

Wilma rompeu todas as barreiras e preconceitos contra a mulher na política, para fazer história. Foi a primeira mulher eleita e empossada na Prefeitura de Natal; a primeira mulher eleita deputada federal (1986, deputada constituinte); além, claro, da primeira governadora. Iniciou a carreira no tradicional agrupamento político-familiar Maia (foi casada com o ex-governador Lavoisier Maia) e rompeu no final da década de 90 para criar a sua própria liderança.

Wilma de Faria faleceu no dia 15 de junho deste ano, perdendo a luta contra um câncer, no exercício do mandato de vereadora de Natal. A sua filha Márcia Maia (PSDB), no quarto mandato de deputada estadual, mantém erguida a bandeira da “Guerreira”.

Rosalba Ciarlini construiu carreira com o mesmo sucesso e pioneirismo: primeira mulher eleita prefeita de Mossoró; primeira mulher reeleita prefeita de Mossoró; e primeira mulher eleita senadora no RN. Rosalba também foi eleita governadora do Estado (eleições de 2010), e hoje exerce o quarto mandato de prefeita de Mossoró, outro fato pioneiro.

 

Heloísa Leão, a primeira vereadora de Mossoró

A Câmara Municipal de Mossoró demorou para receber a ter a primeira mulher vereadora. O fato ocorreu somente três décadas depois de a professora Celina Guimarães ter se tornado a primeira eleitora de Mossoró, do Rio Grande do Norte, do Brasil e da América Latina.

Coube à professora Heloísa Leão Moura fazer história no Parlamento da cidade. Ela se elegeu nas eleições de 3 de outubro de 1958, desafiando o tempo e o ambiente de disputa dominado por políticos homens.

Heloísa Leão tomou posse como primeira vereadora de Mossoró no dia 31 de março de 1959, com destaque em ata: “...fazendo uso da palavra a vereadora Heloísa Leão de Moura, para dizer de sua imensa satisfação de ser a primeira vereadora mossoroense a integrar o Legislativo Municipal e destacar do pleito bem disputado alcançando uma vitória que considerava tão brilhante e honrosa, manifestando o seu propósito de empregar os maiores esforços dos trabalhos em prol do nosso município.”

Era a quarta legislatura do Parlamento de Mossoró, que contava com Heloísa Leão e 14 vereadores, a saber: o presidente Joaquim da Silveira Borges Filho, Expedito Mariano de Azevedo (Expedito Bolão), Manoel Mário de Oliveira, Lourenço da Cruz, Severino Ramos Vieira, Raimundo Andrade de Oliveira, Francisco Martins de Medeiros, João Manoel Filho, Francisco João de Oliveira, Joaquim Alexandrino Saraiva, José Inocêncio Neto, José Bernardo de Souza, Rômulo Negreiros e Leonardo Nogueira.

Heloisa Leão nasceu em Mossoró em 1924 (faleceu em 20 de maio de 2008), foi professora do Colégio Diocesano Santa Luzia e da União Caixeiral de Mossoró, tendo educado várias gerações. Após ter cumprido o mandato de vereadora, concluído em 1962, Heloísa continuou na Câmara Municipal, desempenhando a função de relatora de atas.

Heloísa era filha do comerciante Raimundo Leão Moura, que foi intendente na Legislatura de 1917 a 1919, um dos personagens da resistência dos mossoroenses ao bando do cangaceiro Lampião, feito ocorrido em 13 de junho de 1927, e de d. Francisca Melânia de Moura. Entre os seus irmãos, o professor Solon Moura (um dos fundadores da União Caixeiral) e o médico Evilásio Leão, que também se notabilizou pelo futebol, chegando a ter sido ídolo no futebol pernambucano.

Heloísa Leão só teve uma filha, a professora Vera Leão, falecida no dia 8 deste mês de novembro. A cidade de Mossoró lhe rende homenagem com o nome da Escola Municipal Heloísa Leão, localizada no bairro Bom Jesus, inaugurada no dia 13 de maio de 2009 pela então prefeita Fafá Rosado.

 

Maria Lúcia, a primeira mulher presidente da Câmara

A eleição de Heloísa Leão de Moura em 1958, como primeira vereadora de Mossoró, abriu as portas para a presença da mulher no Legislativo mossoroense. Na eleições seguintes, em 1962, foi eleita Maria Otto Kümmer, que exerceu o mandato até 1968.

Naquele ano, 1968, surgiu Raimunda Nogueira do Couto, que fez história na Câmara e na política de Mossoró. A “Vereadora Dodoca”, como era conhecida popularmente, foi vitoriosa nas urnas, se elegendo quatro vezes seguidas, nas eleições de 1968, 1972, 1976 e 1982. Cumpriu mandato até dezembro de 1988, ficando duas décadas na Casa do Povo.

Dodoca tinha uma atuação popular muito forte, principalmente na zona rural de Mossoró, onde a sua família fincou base na localidade de Camurupim. A sua representação na política foi herdada pelos filhos ex-vereador Nogueira de Dodoca e pelo atual vereador no quarto mandato Ricardo de Dodoca (Pros). A sua irmã Cícera Nogueira (PSD) também exerceu mandato na Câmara, quando saiu de suplente para titularidade na Legislatura 2012/2016.

A sequência de mulheres eleitas à Câmara Municipal de Mossoró foi mantida até hoje, no entanto o processo se deu de forma tímida, tanto que somente em 1995 é que o Legislativo teve a primeira mulher na sua presidência. A vereadora Maria Lúcia Ferreira, eleita no pleito de 1992, presidiu a Câmara entre os anos 1995/1996.

Maria Lúcia mostrou força política e empatia com o eleitor, tanto que foi eleita para três mandatos, nas eleições de 1992, 1996 e 2000. Hoje, ela é representada no Legislativo mossoroense pelo filho Emílio Ferreira (PSD), eleita em 2016, e exercendo o primeiro ano do seu mandato.

A vereadora Izabel Montenegro (PMDB), atual presidente e já reeleita para ficar no cargo até 2020, é a segunda mulher a presidir a Câmara. Izabel está no terceiro mandato. Ela conquistou a primeira eleição em 2004. No pleito seguinte, em 2008, não logrou êxito nas urnas, mas conseguiu voltar em 2012 e renovar o mandato nas eleições de 2016.

 

Além de ser presidida por uma vereadora – Izabel Montenegro (PMDB) –, a Câmara Municipal de Mossoró conta hoje cinco mulheres eleitas pelo voto popular: Sandra Rosado (PSD), Maria das Malhas (PSD), Aline Couto (PHS) e Isolda Dantas (PT). Esse número coloca o Legislativo mossoroense acima da média nacional.

Se elas ocupam 13,51% das vagas nas Câmaras Municipais do Brasil, segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), essa proporção é de 23,8% em Mossoró. Os números são ainda mais significantes quando em comparação com o Congresso Nacional: 10% de mulheres na Câmara dos Deputados e 14,8% no Senado Federal.

É inquestionável o avanço das mulheres na política de Mossoró. Desde a primeira eleição da pediatra Rosalba Ciarlini à Prefeitura, em 1988, apenas em dois pleitos o eleitor escolheu homens para o Executivo mossoroense: Jerônimo Dix-huit Rosado Maia (que tinha uma mulher como vice, Sandra Rosado) em 1992; e Francisco José Silveira Júnior, na disputa suplementar de 2014.

Em todas as outras disputas para a Prefeitura nessas quase três décadas, só mulheres foram eleitas: Rosalba em 1996/2000/2016; Fafá Rosado, com Cláudia Regina (DEM) vice em 2004 e com Ruth Ciarlini (PP) vice em 2008; e Cláudia Regina em 2012.

A atual prefeita, Rosalba Ciarlini, tem como vice a jovem Nayara Gadelha, que estreou em campanha eleitoral em 2016.

QUADRO

Em 72 anos da Câmara Municipal de Mossoró, alcançando hoje a 18ª Legislatura, 17 mulheres cumpriram ou cumprem mandato de vereadora. Veja a relação por ano de eleição:

Heloísa Leão de Moura – 1958

Marlene Otto Kümmer - 1966

Raimunda Nogueira Dodoca – 1968/1972/1976/1982

Francisca Gurgel (Titica) - 1982

Maria Lúcia – 1992/1996/2000

Telma Gurgel – 1992

Fátima Vale – 2000

Cícera Nogueira - suplente que assumiu 2008/2012

Arlene Souza – 2004

Gilvanda Peixoto - 2004

Izabel Montenegro – 2004/2012/2016

Maria das Malhas –2008/2016

Niná Rebouças - 2008

Cláudia Regina - 2008

Sandra Rosado - 2016

Aline Couto - 2016

Isolda Dantas - 2016

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