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Postado às 13h15 | 10 Mar 2019 | Redação Estudo aponta alternativa para a indústria salineira do Rio Grande do Norte

O conflito dos produtores de sal do Rio Grande do Norte com os órgãos de proteção ambiental é o tema da tese de doutoramento do professor Rogério Taygra Vasconcelos , da Ufersa. Ele garante que conflito entre salineiros e meio ambiente tem solução

Crédito da foto: Cedida Extração e produção do sal marinho no Rio Grande do Norte

JORNAL DE FATO

O conflito dos produtores de sal do Rio Grande do Norte com os órgãos de proteção ambiental é o tema da tese de doutoramento do professor Rogério Taygra Vasconcelos Fernandes, da Universidade Federal Rural do Semiárido (UFERSA). A tese “Atividade salineira em manguezais: impactos ambientais e reflexos econômicos da recuperação ou compensação ambiental das áreas degradadas” foi defendida junto ao Programa de Pós-Graduação em Ciência Animal, da Ufersa, com a orientação do professor José Luís Costa Novaes.

A pesquisa do jovem doutor traz à tona um problema antigo que vem atormentando os produtores de sal da Costa Branca do Rio Grande do Norte, conhecida também como território salineiro onde se concentra as principais indústrias salineiras do país, englobando os municípios de Grossos, Areia Branca, Mossoró, Porto do Mangue, Macau e Galinhos.

Mesmo sendo uma das principais atividades econômicas da região, a atividade salineira atravessa uma crise nunca vista. “É consenso entre os produtores que a atividade enfrenta hoje a pior crise, sendo de extrema urgência a adoção de novas práticas produtivas e comerciais”, afirma Rogério Taygra. São dois os principais problemas enfrentados pelo setor. Um, do ponto de vista econômico, ocasionado pela baixa no preço do sal decorrente da seca e da concorrência com o sal chileno; e o outro, ligado à questão ambiental.

A principal questão envolve a ocupação das chamadas áreas de preservação permanente (APPs), que são áreas que, na sua grande maioria, foram ocupadas antes da existência da legislação ambiental e hoje são proibidas de exploração. Para o professor Rogério Taygra, é esse o principal conflito vivenciado pelo setor. De um lado, a legislação ambiental, que proíbe a exploração do sal pela relevância ecológica e social dos manguezais; e do outro, as salinas que ocupam esses espaços há séculos.

“Nós vivemos uma situação de escalada de conflito, conflito que foi iniciado em 2013, com a operação Ouro Branco do Ibama, posteriormente houve a entrada do Ministério Público Federal, e a priori o MPF tinha um discurso de conciliar, exatamente tentar entender os dois lados envolvidos, para buscar uma alternativa para solucionar. Nesse meio tempo, na verdade houve um acirramento desse conflito, um dos lados, o MPF, passou a exigir a total desocupação das áreas de preservação permanente, e do outro lado o setor salineiro se posicionou, dizendo que não era viável recuar nenhuma dessas áreas”, disse Rogério Taygra.

“Nós conseguimos identificar claramente que os discursos são diametralmente opostos, eles não se encaixam. E qual a perspectiva que a gente tenta dar? É a ideia que se pode encontrar um caminho comum, esse é o ponto, a gente tenta mostrar essa alternativa. Não simplesmente baseado no discurso, mas em dados, cientificamente, a gente tem uma alternativa, que não seja nem o total recuo, nem a total permanência; precisa encontrar um caminho intermediário, de forma que a sociedade, como um todo, seja beneficiada”, acrescentou o docente.

Diante dessa questão polêmica, o professor decidiu aprofundar os estudos da questão na sua pesquisa de doutorado. Segundo ele, o interesse pelo tema começou ainda na graduação, em 2008. “Nos últimos anos, pude conhecer as dificuldades e potencialidades que o setor possui e, mais recentemente, acompanho a escalada do conflito envolvendo as questões ambientais do setor salineiro”, considerou. O professor acredita que a universidade pode contribuir para a solução desse problema ao justificar a escolha dele na pesquisa de doutorado.

Para Rogério Taygra, o assunto é complexo, pois tanto os salineiros quanto os órgãos ambientais possuem razão em seus argumentos com motivações para seus posicionamentos. Para os salineiros, a desocupação dessas áreas poderá gerar impactos econômicos significantes, com reflexos na redução da arrecadação e da necessidade de trabalhadores, o que resultaria em sérios prejuízos socioeconômicos para as cidades onde as salinas se encontram.

Já os órgãos ambientais entendem que a lei deve ser aplicada independente da ocupação dessas áreas, uma vez que as áreas de preservação permanente são patrimônio natural e desempenham diversas funções ecológicas, como a redução da erosão costeira, captura e neutralização de poluentes, além de servir para a reprodução de múltiplas espécies marinhas, estuárias e dulcícolas (ambientes de água doce). Outro argumento dos ambientalistas se refere à importância econômica e social, visto que são áreas usadas para a pesca por populações da região.

Professor Rogério Taygra: solução é possível

Para o professor Rogério Taygra, a questão não se trata de mostrar quem tem razão ou quem perde ou ganha nesse conflito entre os salineiros e os órgãos de proteção ambiental, mas buscar alternativas para a conciliação. “Na minha pesquisa, estudamos os diversos cenários para a solução do conflito, que foram desde a desocupação total das APP, atualmente ocupadas pelas salinas, até a manutenção da situação atual, identificando qual seria o respectivo impacto econômico e quais os reflexos ambientais”, revelou o professor. O estudo mostrou que os dois cenários apontados resultam em impactos econômicos negativos.

Rogério Taygra aponta, em sua pesquisa, uma alternativa intermediária consistindo na “desocupação de algumas áreas de APP, que trariam menor prejuízo econômico para os produtores de sal, e se manteriam as áreas de maior capacidade produtiva”. Segundo o professor, neste cenário o estuário do rio Apodi/Mossoró quase triplicará as áreas conservadas, além de possibilitar aumento na geração de renda por meio da produtividade pesqueira. “Assim, teremos compensado os prejuízos econômicos provocados pela redução da área produtora do sal”, aponta ele.

A alternativa apontada pela pesquisa para as áreas de preservação permanente é a de optar por medidas de compensação ambiental, bem como na cobrança pelo uso da terra. “Esse recurso arrecadado seria revertido para a manutenção de unidades de conservação, pesquisas na área de conservação ambiental e desenvolvimento sustentável, bem como ações voltadas para as comunidades tradicionais da região”, disse Rogério Taygra.

Solução do conflito pode durar 20 anos, afirma professor

A resolução definitiva do conflito envolvendo órgãos ambientais, MPF e salineiros pode chegar em 20 anos. É o que aponta o professor Rogério Taygra. Segundo ele, a problemática deve ser solucionada de forma gradual.

“É um cronograma relativo. Mas, para que a gente tenha uma total resolução do problema, conhecendo as áreas de manguezal aqui da região, a gente tem que focar que o mais importante não é a velocidade; é a qualidade desse processo. Eu falaria em 20 anos. Parece um tempo longo, mas, você pensar em 20 anos para a resolução de um conflito, não é longo”, disse o docente ao JORNAL DE FATO.

Segundo Rogério Taygra, diversos fatores influenciam nesse processo, que deve ser feito de maneira gradual, para que ocorra de forma menos traumática para o setor empresarial e para a preservação ambiental. “Pode ser que seja resolvido antes? Pode. Digamos que a gente pegue bons anos de chuva aqui na região, e aí com esses bons anos de chuva o preço do sal melhore, a capacidade de recuperação das áreas também melhora, porque você reduz a salinidade do solo. Mas, se pegarmos mais seis anos de seca? Como fica? O prazo fica inviável de ser cumprido. Quando falamos de ambiente natural, não é a nossa vontade que prevalece. A gente se adapta às condições do meio”, pontua.

Os resultados da pesquisa de Rogério Taygra foram apresentados durante workshop realizado na última sexta-feira, 8, na Universidade Federal Rural do Semiárido (UFERSA). O evento contou com a presença de professores, alunos, empresários da indústria salineira, representantes de órgãos ambientais e autoridades políticas. “Não adianta nada o estudo ficar engavetado, daí a importância do evento que ocorreu, da divulgação, que é sensibilizar os atores envolvidos no conflito. Cada um cedendo em algumas partes se constrói um cenário em que ambos os lados ganhem”, conclui o professor.

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