Por Ullisses Campbell — Globo / SP
No fim do ano passado, Daiane dos Santos Farias, cozinheira de 34 anos, e Gilberto Nogueira de Oliveira, frentista de 39 anos, estavam se preparando para casar. Juntos, mobiliaram uma casa de sítio em Atibaia, interior de São Paulo. Ela tinha dois filhos de outro relacionamento; ele, um. Antes do Natal, Daiane descobriu que seu companheiro estava tendo um caso com sua sobrinha de 15 anos. Furiosa, decidiu se vingar. Comprou uma lingerie e preparou a suíte para uma noite de amor. Enquanto o noivo estava na cama sem roupa, Daiane apagou a luz e prendeu um elástico em torno de seu pênis. Em seguida, usou uma navalha para cortá-lo.
Para evitar um eventual reimplante, ela jogou o órgão sexual de Gilberto no vaso sanitário e acionou a descarga. Antes disso, tirou uma foto do membro do companheiro em suas mãos e postou no grupo da família de Gilberto no WhatsApp. Também atirou as chaves do carro dele pela janela para dificultar o socorro.
Na delegacia, ela confessou tudo e foi presa. Gilberto passou por uma série de cirurgias e ainda não está totalmente recuperado. Recentemente, precisou fazer um procedimento para a retirada de pedras nos rins, mas não foi possível devido a uma infecção decorrente do golpe no ventre. Por outro lado, recebeu de presente de um médico urologista uma prótese peniana, que deverá ser implantada quando seus ferimentos estiverem totalmente cicatrizados.
No calor da tragédia, Gilberto era taxativo. Falava que foi vítima de tentativa de homicídio e dizia que não perdoaria Daiane de jeito nenhum, "até porque quem perdoa é Deus". Há dois meses, em uma entrevista ao Canal Crime S/A, o frentista afirmou que sua ex-companheira, que segue atrás das grades, deveria pagar a sentença imposta pela lei dos homens, seja qual for. "Ela foi criminosa e omitiu socorro", disse na entrevista. Na época, a vítima sentia fortes dores e usava uma sonda para urinar.
Três meses após o incidente, porém, Gilberto mudou de opinião. No dia 15 de março, escreveu para Daiane. Queria saber como ela estava. O frentista achava que jamais receberia resposta. No entanto, para sua surpresa, duas semanas depois ele recebeu uma carta escrita de dentro da Penitenciária Feminina de Mogi Guaçu, onde a cozinheira aguarda julgamento.
Na correspondência, Daiane contou sentir “vergonha” de ter decepado o companheiro e relata as condições deploráveis do cárcere. “Estou usando duas calcinhas há dois meses. Não consegui um trabalho aqui na cadeia. Ainda bem, porque teria de tirar a roupa todos os dias para passar de uma ala para outra. A revista íntima é obrigatória. E não queria que as funcionárias do presídio soubessem que só tenho duas calcinhas”, relatou.
Diane disse que dorme no chão de uma cela de dois metros quadrados junto com outras duas detentas que não tomam banho. Na carta, revelou nunca ter recebido visitas e que sente “muitas saudades” dos filhos, da casa, dos cachorros, dos gatos e, principalmente, de Gilberto. Ela pediu perdão e perguntou se ele estaria disposto a reatar o relacionamento.
Em uma carta-resposta conferida em primeira mão pelo blog True crime, a ser enviada nos próximos dias, Gilberto afirma objetivamente que a perdoou completamente e se mostra disposto a voltar — confira a íntegra dos dois textos ao fim desta reportagem. Ele manifesta o desejo de visitá-la na cadeia assim que for possível e também se propõe a arcar com as despesas de sua defesa, estipulada em R$ 40 mil reais.
Sem hesitação, Gilberto revelou ao blog que decidiu voltar para Daiane porque a ama mais do que tudo. Ficou comovido com a precariedade da cadeia onde sua mulher está presa. Após “profunda reflexão”, ele concluiu que sua traição amorosa foi a origem de todas as calamidades enfrentadas pela família.
"Se não tivesse tido relações sexuais com a minha sobrinha no dia do aniversário da minha companheira, nada disso teria acontecido. Daiane é uma mulher maravilhosa, amorosa, que me ama. Ela não merecia ser traída dessa forma. Foi exposta para todo país. (...) Não me importo com o que os outros pensam. O que realmente importa é o que sinto por ela", desabafou, emocionado.
Segundo a advogada de Daiane, Tassia Mafra, sua cliente sente muita falta do marido. No entanto, há um obstáculo a ser superado pelo casal. A irmã de Daiane, que é tia da adolescente que se envolveu com Gilberto, não apoia a reconciliação, pelo menos por ora. Ainda assim, ele está determinado a reconquistar a confiança da cunhada para se reintegrar harmoniosamente à família de sua esposa. Assumir as despesas da sua defesa foi o primeiro passo nesse caminho, uma responsabilidade que, até então, estava sendo custeada pelas irmãs de Daiane. “Para a minha cliente, o perdão do Gilberto é a demonstração de que ele confia nela. E a reconciliação do casal é fundamental para reduzir a sua pena no tribunal”, avaliou a advogada.
O perdão de Gilberto não será o único agente facilitador na vida da mulher que amputou seu órgão genital. Daiane foi indiciada por tentativa de homicídio, conforme o artigo 121 do Código Penal, e estava prestes a enfrentar o Tribunal do Júri, onde poderia receber uma sentença pesada de até 50 anos de prisão, em razão dos agravantes que incluem a premeditação do crime, motivo torpe, dissimulação, meio cruel empregado e falta de chance de defesa à vítima, além da omissão de socorro.
Para o Ministério Público, entretanto, Daiane não teve a intenção de assassinar Gilberto, mas tão somente de amputar seu órgão genital. “Fica claro que ela queria mutilá-lo para deixá-lo incapaz de manter relações sexuais com quem quer que fosse pelo resto da vida”, escreveu a promotora Fabiana Kondic Alves Lima Gomes na denúncia.
A Justiça acatou a tese. Com isso, Daiane será julgada apenas pela juíza Roberta Layaun Chiappeta de Moraes Barros na Primeira Vara Criminal de Atibaia por lesão corporal grave (artigo 129 do Código Penal). Poderá receber uma pena de até 12 anos de prisão, já levando em conta os agravantes. O julgamento está agendado para o dia 24 de abril.
O caso também chama a atenção por Gilberto ser o único homem entre todos os personagens do rito processual: vítima, advogadas, promotora e juíza. “Mas isso não representa uma vantagem para a minha cliente, pois as mulheres não costumam aliviar na hora de julgar e proferir sentenças”, ponderou a advogada de Daiane.
No intuito de aliviar ainda mais a barra da sua parceira, Gilberto pediu para depor como testemunha de defesa. No entanto, devido à sua condição de vítima, isso não é permitido pelo procedimento legal. “Tudo que desejo é que minha princesa saia da prisão totalmente livre e retorne para casa. Quando os portões da penitenciária se abrirem, estarei lá de braços abertos para recebê-la”, prometeu o frentista, profundamente apaixonado.
A carta enviada por Daiane para Gilberto
"Oi, minha vida!
Nem acredito que recebi uma carta sua. Fiquei muito feliz e sem reação, pois imaginei que nunca mais teria qualquer tipo de contato contigo. Não estou bem, obviamente. Tanto pelo o que aconteceu, quanto pela saudade dos meus filhos. Você sabe a mãe que sou para os meninos. Até mesmo para a Lolô [filha de Gilberto com outra mulher]. Sinto muita falta deles todos.
Sobre o que aconteceu, garanto a você: tinha que acontecer. Nada é por acaso. Tudo tem a permissão de Deus. A palavra 'resiliência' tem vários significados. Um deles é que, em meio a um turbilhão de coisas ruins, temos que tentar tirar algo de bom e de positivo. Então, tudo o que aconteceu foi para o nosso aprendizado.
Estou aprendendo muitas coisas que um dia queria um dia poder compartilhar contigo. No dia 22 de dezembro, peguei folga para comprar as coisas para o Natal das crianças. Um dia antes, estávamos muito bem. Mas, logo depois, nosso castelo desmoronou. Tudo o que conquistei sozinha e que estávamos conquistando juntos ruiu. Mas enfim, já foi. Não tem como voltar atrás.
Vivíamos muito felizes. Estávamos reformando a casa, compramos um carro novo. Nossa casa ia ficar linda, toda planejadinha. Nossos filhos estavam felizes. Eu ia ter o meu jardim. No dia 10 de janeiro, íamos fazer a mudança, lembra? Você disse que íamos trocar alianças. Não vou dizer que a nossa vida era perfeita porque perfeito só Deus. Mas nossa vida era maravilhosa. Mas olha no que deu, né? Lembra quando dizíamos que seria só nós dois? Que teríamos um dia diferente? Lembro disso todos os dias. Era tudo como nós sonhamos.
Hoje, não tenho nada. Só um uniforme de presidiária e duas calcinhas para usar. Você sabe como sou com a minha higiene. Estou há 60 dias usando só essas duas roupas íntimas. Não tenho um creme nem shampoo. Não tenho um aparelho decente para me depilar. Não tenho literalmente nada. Mas tenho a minha fé, que é tudo.
Você sabe melhor do que ninguém o que sinto por você. Tudo o que aconteceu foi num momento de cegueira. Foi uma parte emocional que tomou conta de mim. Você sabe o quanto me dedicava a você. Jamais teria capacidade de te fazer algo ruim. Demonstrava em pequenos gestos todo o amor que sentia por você. Às vezes, deixava um bombom na sua gaveta. Fazia questão de lavar as suas meias para você nunca usar no dia seguinte o mesmo par. Eram muitos beijinhos antes de você dormir. Tudo isso era demonstração de amor.
Sempre te falei que os melhores momentos do meu dia eram quando você chegava do trabalho à noite e me dava um abraço. Tudo isso era maravilhoso, pelo menos para mim. Uma pena que você não percebeu a mulher que tinha ao seu lado. Eu não mereci nada disso. Agora estou presa. Logo eu que era livre e independente. Trabalhava duro de dia e de noite. Estou ficando desesperada nesse lugar. Sem nenhum conforto e com banho gelado.
Você perguntou se eu estava trabalhando. Ainda não. Me ofereceram serviço aqui. Mas não aceitei porque quem trabalha passa pela revista íntima e tem que tirar toda a roupa. Já imaginou a vergonha que vou passar se as funcionárias descobrirem que eu só uso duas calcinhas?
Ninguém veio me visitar porque a cadeia onde estou é longe. Para mim, está sendo uma tortura ficar sem trabalhar e com saudades dos meus filhos, dos bichos e de você! Estou péssima. Emagreci bastante. Tenho que compartilhar a cela com duas garotas que, às vezes, nem banho tomam.
Já chorei muito por tudo, principalmente por estar longe de você, meu alicerce. Sinto muito a sua falta. Temos muito o que conversar. Olha, não sei o que será de nós quando sair daqui. Porém, o amor não acaba do dia para noite.
Quero que saiba que te perdoo e peço também perdão para você e para a sua família. Obrigada por querer me ajudar. Mas o que realmente preciso é sair daqui. Faça alguma coisa para isso, por favor. Teria como você vir me visitar? Continua escrevendo cartas. Manda toda semana fotos suas e das crianças. Estou escrevendo essa carta de madrugada, com pouca iluminação. Desconsidere, por favor, os erros de português.
Coloquei a nossa vida nas mãos de Deus. Se for da vontade Dele, e da sua, claro, vamos reconstruir as nossas vidas quando sair daqui. Eu te amo, eu te amo, eu te amo!"
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