Sábado, 23 de novembro de 2024

Postado às 11h30 | 19 Mai 2024 | redação Rio Grande do Sul registra 130 prisões por crimes relacionados às cheias

Crédito da foto: Agência Brasil Desabrigados no Rio Grande do Sul

Por Gustavo Chagas, Maurício Paz, g1 RS e RBS TV

As cheias que afetaram 2,3 milhões de gaúchos despertaram a solidariedade de muitos brasileiros, mas também deixaram à mostra o cenário de insegurança comum em boa parte do país. Desde o início da tragédia, que deixou 155 mortos, as polícias do Rio Grande do Sul prenderam 130 pessoas por crimes em meio ao contexto das enchentes.

Do total de presos, 48 foram por crimes patrimoniais, como roubos e furtos de pessoas afetadas pelos temporais, afirma a Secretaria da Segurança Pública (SSP). Outras 49 pessoas foram detidas em abrigos. Não há o detalhamento das demais prisões.

No Vale do Taquari, uma das regiões mais castigadas pela tragédia, uma família sofreu tanto com a cheia quanto com a criminalidade. O roubo em uma loja em Arroio do Meio foi relatado pela empresária Marinez Silva Hauenstein em um vídeo que viralizou nas redes sociais.

"Olha só o que eles fizeram com a nossa loja de Arroio do Meio. Roubaram, entraram nela. Roubaram tudo. Porque, quando se encontra uma porta chaveada – e ela tá chaveada –, não é saque, é roubo", falou no vídeo.

Empresária mostra loja roubada em Arroio do Meio — Foto: Marinez Silva Hauenstein

Empresária mostra loja roubada em Arroio do Meio — Foto: Marinez Silva Hauenstein

Marinez e o marido têm cinco lojas de variedades (vendem alimentos, bebidas, itens de bazar, roupas, entre outros) em quatro cidades da região. Além de dois estabelecimentos em Arroio do Meio, eles também trabalham em Estrela, Cruzeiro do Sul e Lajeado.

"Quatro lojas foram praticamente consumidas pela água, onde a gente perdeu praticamente tudo. E uma loja, que seria a loja do nosso recomeço, a loja onde a gente poderia continuar, simplesmente a gente teve ela roubada por completo", diz a empresária ao g1.

A família estima que 20 mil itens foram levados, totalizando um prejuízo de R$ 2 milhões. Marinez só deparou com os estragos alguns dias depois, ao conseguir voltar para Arroio do Meio, depois que as águas baixaram.

"Isso é muito revoltante, é muito triste. Porque a gente é honesto, a gente é trabalhador", desabafa.

Loja roubada em Arroio do Meio — Foto: Marinez Silva Hauenstein

Loja roubada em Arroio do Meio — Foto: Marinez Silva Hauenstein

Marinez afirma que precisou dispensar parte dos funcionários e dar férias para outros, por não ter condições de reerguer as lojas.

"Isso pra gente é muito triste, porque eu sei que muitas dessas pessoas contavam com trabalho, contavam com emprego, e não puderam retornar pro seu trabalho por culpa de pessoas maldosas que fizeram o que fizeram dentro da nossa loja", lamenta a empresária.

A lojista afirma que registrou boletim de ocorrência sobre o caso. O g1 não conseguiu contato com a Delegacia de Polícia Civil de Arroio do Meio.

Vista aérea de casas destruídas por enchentes na cidade de Arroio do Meio, no Rio Grande do Sul, no dia 15 de maio de 2024 — Foto: Nelson Almeida/AFP

Vista aérea de casas destruídas por enchentes na cidade de Arroio do Meio, no Rio Grande do Sul, no dia 15 de maio de 2024 — Foto: Nelson Almeida/AFP

'Pior momento'

Os saques representaram "o pior momento na área da segurança pública", afirma o comandante-geral da Brigada Militar (BM), coronel Claudio dos Santos Feoli. Os crimes ocorreram no momento em que muitas cidades estavam alagadas e isoladas, impedindo o acesso rápido da polícia.

Para o comandante da polícia militar gaúcha, a situação foi mais complicada em Eldorado do Sul, na Região Metropolitana de Porto Alegre. Não era possível chegar na cidade nem pela BR-290, nem pelas águas do Rio Jacuí e do Lago Guaíba, nem por helicóptero.

"Nós não tínhamos condições de colocar o policiamento lá. O que foi subtraído, naquele primeiro momento, está sendo recuperado e as pessoas estão sendo presas", diz Feoli.

Até agora, a BM prendeu oito pessoas por crimes em Eldorado do Sul. A polícia recuperou eletrodomésticos como televisores, geladeiras e fogões furtados. Os agentes também devolveram, ao dono de uma revenda, 10 tratores que haviam sido furtados por criminosos no município.

Vista aérea das enchentes em Eldorado do Sul, Rio Grande do Sul, tirada em 9 de maio — Foto: GETTY IMAGES

Vista aérea das enchentes em Eldorado do Sul, Rio Grande do Sul, tirada em 9 de maio — Foto: GETTY IMAGES

A BM conta com um efetivo de 17,8 mil policiais. Para reforçar a segurança, a corporação suspendeu as férias e reduziu os intervalos de escala dos agentes. Com um apoio de 700 soldados de outros estados, a polícia gaúcha consegue colocar em trabalho de 6,5 mil a 7 mil PMs por dia no estado. Além disso, a Brigada Militar está com 70 barcos nas ruas – alagadas – das cidades do RS.

"Nós tivemos que colocar tudo que tínhamos de embarcações, que eram do policiamento ambiental. Colocamos para o patrulhamento nas ruas, substituindo as viaturas", afirma o comandante Feoli.

Policiais militares fazem ronda de barco em área alagada em Porto Alegre — Foto: BM/Divulgação

Policiais militares fazem ronda de barco em área alagada em Porto Alegre — Foto: BM/Divulgação

Também na Região Metropolitana, a personal trainer Patrícia Atkinson de Souza foi uma das vítimas dos crimes de furto que ocorrem no estado. Moradora de Montenegro, ela revela que saiu da residência onde morava com o namorado no dia 30 de abril, por causa da cheia do Rio Caí, que invadiu a cidade.

No dia 4 de maio, eles voltaram à casa, com o nível da água mais baixo, e perceberam que o muro em frente ao imóvel estava derrubado, o que levantou dúvidas sobre uma suposta força da água. Ao entrar, além de encontrar um cenário caótico de sujeira, o casal percebeu a falta da geladeira e da máquina de lavar roupas.

"A gente já está afetado por toda a situação. Tu sabe que vai precisar dos outros para te reerguer e acontece isso, sabe, é uma perda de fé. Parece que está dando tudo errado e aquilo faz tu perder a fé completamente de que tu vai conseguir dar a volta por cima ou qualquer coisa do tipo", revela a mulher.

Rua alagada em Montenegro — Foto: Reprodução/RBS TV

Rua alagada em Montenegro — Foto: Reprodução/RBS TV

Crimes em abrigos

No dia 10 de maio, o governo do estado anunciou o reforço da segurança em abrigos, que hoje atendem 77 mil pessoas. Naquela ocasião, havia o registro de crimes – inclusive sexuais – dentro dos locais que recebiam quem estava longe de casa. Para a Brigada Militar, esse foi o segundo momento de maior atenção no trabalho durante a tragédia.

A diretora da Delegacia de Polícia Metropolitana, delegada Adriana Regina da Costa, explica que as equipes da Polícia Civil fazem rondas nos abrigos. Até agora, 49 pessoas foram presas por ocorrências nesses locais.

"A gente está focando nos abrigos, com tem equipes fixas e rondas diárias", diz.

O trabalho é discreto, para não atrapalhar a ação dos agentes. Por esse motivo, as autoridades também não detalham quais ocorrências foram identificadas nos abrigos.

Policial trabalhando em abrigo de afetados pela cheia no RS — Foto: Polícia Civil/Divulgação

Policial trabalhando em abrigo de afetados pela cheia no RS — Foto: Polícia Civil/Divulgação

Drogas em meio a doações

A Polícia Civil do RS também percebeu a atuação do crime organizado nas últimas semanas. Na sexta-feira (17), pai e filho foram presos em flagrante por tráfico de drogas, em uma situação que já era monitorada pela 1ª Delegacia de Investigação do Narcotráfico (DIN) do Departamento Estadual de Investigações do Narcotráfico (Denarc).

No entanto, os policiais descobriram que, além das drogas, os suspeitos estavam com diversas porções de alimento que seriam distribuídas para pessoas desabrigadas. Os itens estavam em uma residência no bairro Belém Velho, na Zona Sul de Porto Alegre.

"A apuração indica que os dois presos se aproveitaram da situação de calamidade para desviar itens que deveriam ser destinados a quem realmente necessita", afirma o delegado Gabriel Borges.

Polícia encontra marmitas destinadas a desabrigados pela cheia com pai e filho presos por tráfico de drogas em Porto Alegre — Foto: Polícia Civil/Divulgação

Polícia encontra marmitas destinadas a desabrigados pela cheia com pai e filho presos por tráfico de drogas em Porto Alegre — Foto: Polícia Civil/Divulgação

Em Santa Catarina, a Polícia Rodoviária Federal (PRF) apreendeu 1 kg de crack e 52 kg de cocaína em um caminhão que levava doações para o Rio Grande do Sul. O motorista, de 33 anos, disse que a droga, que estava no estepe reserva do veículo, seria entregue em um posto de combustíveis, antes de descarregar o veículo com as doações. O homem foi preso em flagrante.

A Defesa Civil de Cascavel (PR), cidade que arrecadou as doações, disse em nota que o caminhão é particular e foi disponibilizado pelo dono para transportar as doações.

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