Sexta-Feira, 09 de maio de 2025

Postado às 06h01 | 05 Fev 2017 | Fortaleza inexpugnável II

(*) David Leite Anos oitenta. A conversa rolava solta no “senadinho” da Praça Felipe Guerra. Política, economia, amenidades, entre outros temas. Lá pelas tantas, como estávamos em dezembro, um dos circunstantes fez apologia ao gesto de se mandar cartões de boas festas. Argumentava que, com o simples envio, poderíamos reafirmar amizades e fazer alguém feliz. Foi além: em tom meio severo, passou a censurar quem não se dispunha a tão singela – porém, cativante – iniciativa. Assis Amorim – que ainda militava nas lides políticas –, com extremo cuidado, coçou a bem penteada cabeleira, ajustou os óculos, conferiu as unhas, sempre bem polidas, e disparou: – De minha parte, estou tranquilo, pois já os enviei aos amigos mais próximos. Incisivo, direcionou o olhar para Paulo Lúcio, perguntando-lhe de chofre: – Você recebeu; não foi, Paulo? Paulo Lúcio não demonstrou susto algum e devolveu com naturalidade: – E já mandei o de retribuição. Claro que não tinha havido aquela troca de cartões. Contudo, a sintonia para saírem da “saia justa” fluiu naturalmente. Quem teve a oportunidade de conviver com ambos, sabe que esses “duelos” se davam com espontaneidade. O raciocínio rápido e a prontidão da verve os caracterizavam. Poderíamos desfiar um rosário de exímias saídas para situações embaraçosas. Aqui ou acolá, amigos comuns relembram algumas delas. Porém, o que desejo neste texto é realçar um pouco da trajetória de Assis Amorim. Coisa que, em poucas linhas, se torna deveras complicado. Multifacetado, inteligente e inquieto, Assis atuou em várias áreas e sempre galgou posições de destaque. Foi aprovado em todos os concursos públicos que se inscreveu. Nos concursos vestibulares, idem: de medicina à arquitetura, de direito à economia. Concluiu estas duas graduações e, quanto aos outros cursos iniciados, deixava-os quando lhe dava na telha. Na política, teve significativa carreira. Foi vereador e deputado estadual. Candidatou-se a prefeito de Mossoró e, dentre os relatos gostosos de se ouvir, o dessa campanha eleitoral merece destaque. Já o escutei algumas vezes e gostaria de ouvi-lo outras tantas. Detalhes, marchas e contramarchas. Conversas de bastidores e discursos inflamados. Tudo reproduzido ipsis litteris. A referida eleição, que não lhe foi exitosa, rendeu episódios emblemáticos, como o do “fura pneu” (cujo significado e dimensões só os mossoroenses entendem) e outros tantos imbróglios, como um envolvendo o sumiço da caminhonete de som de Assis. Tudo transformado em relatos que são pérolas. Quando encerrava essa fase da vida partidária, resolveu prestar concurso para a magistratura. Não deu outra: aprovado. Trilhou uma espécie de caminho inverso, ou seja, é comum magistrados se aposentarem da toga e enveredarem pela política. Mas, Assis Amorim nunca optou pelo caminho convencional. Dessa jornada de magistrado pelas comarcas interioranas, há outras tantas histórias dignas de se relatar. Perfeccionista, o Juiz se deparava com operadores de direito assassinando a “última flor do Lácio inculta e bela” e não deixava por menos, corrigia-os com uma ênfase que beirava a “ira santa”. Das inquirições, audiências e júris, pululam situações que, relatadas em sua voz tonitruante e com seus gestos quase teatrais, ganham contornos teatrais. Fernando Pessoa predica: “Para ser grande, sê inteiro”. Não tenho dúvida que Assis Amorim sempre teve consigo esta assertiva como leitmotiv. Em quaisquer das circunstâncias ele se doava em plenitude: fosse prolatando uma sentença ou preparando uma deliciosa iguaria; fosse bailando nos salões da Snob Boite ou discursando nos arrabaldes dos Paredões/Barrocas. Registre-se: uso o verbo no passado, considerando que, nos dias atuais, Assis faz questão de propalar o quieto ritmo de vida que leva em companhia de Marilene, após a aposentadoria. E qual o significado do título destas mal traçadas? Ah, também nos anos oitenta, Rafael Bruno Fernandes de Negreiros, escrevendo sobre Assis Amorim, intitulou o seu texto de “Fortaleza Inexpugnável”. Verdadeira peça. Lamento não tê-la em meus arquivos. Portanto, pretensiosamente (considerando a pena singular de Seu Rafael), achei que seria de bom alvitre utilizar o mesmo título. Isso, de certa forma, homenageia Seu Rafael, como, também, ratifica a ideia de que o título traduz muito bem o perfil de Francisco de Assis Freitas Amorim. (*) David de Medeiros Leite é professor da Universidade do Estado do RN (UERN) e doutor em Direito pela Universidade de Salamanca – Espanha. NOTA DO BLOG: Homenagem ao político e juiz aposentado mossoroense Assis Amorim, que morreu neste sábado (4). O artigo do professor David Leite foi publicado no dia 29 de março de 2015  no "Blog do Carlos Santos (Veja AQUI).

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AUTOR

César Santos é jornalista desde 1982. Nasceu em Janduís (RN), em 1964. Trabalhou nas rádios AM Difusora e Libertadora (repórter esportivo e de economia), jornais O Mossoroense (editor de política no final dos anos 1980) e Gazeta do Oeste (editor-chefe e diretor de redação entre os anos 1991 e 2000) e Jornal de Fato (apartir dos anos 2000), além de comentarista da Rádio FM Santa Clara - 105,1 (de 2003 a 2011). É fundador e diretor presidente da Santos Editora de Jornais Ltda., do Jornal de Fato, Revista Contexto e do portal www.defato.com.

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