Terça-Feira, 29 de abril de 2025

Postado às 20h30 | 09 Jul 2017 | Arrubacão pombalense

(*) José Romero Araújo Cardoso

Arrubacão ou baião-de-dois é um prato típico da culinária regional de boa parte do sertão nordestino adusto e desafiador, pois transformado em um dos símbolos da cultura alimentar criada pela Civilização da Seca, revela o esforço de um povo a fim de buscar a subsistência perante tantos desafios impostos pelo meio inóspito, consolidado de forma trágica em diversos momentos ao longo da história do processo de produção coletiva através do trabalho e das lutas de uma gente brava, a exemplo dos efeitos das calamidades cíclicas personificados em estiagens de conseqüências dantescas que supliciaram o semiárido em várias cronologias.

O arrubacão pombalense segue quase a mesma receita prescrita na maioria da região, levando arroz vermelho da terra, feijão verde, creme do sertão, queijo de coalho e um pouco de leite, para deixá-lo um pouco “ligado”. Algumas cozinheiras adicionam, além de outros ingredientes, como pimenta-de-cheiro, pitada(s) de cominho,  para dar mais gosto ao prato regional.

Maria de Lourdes Araújo Cardoso era expert no preparo do arrubacão pombalense, pois se especializara na elaboração desse prato regional, em razão que a antiga bolandeira de descaroçar algodão, propriedade dos velhos Tavares de Araújo, localizada na rua “Coronel” João Leite, município paraibano de Pombal, serviu de pouso para eleitores do PSD dos Carneiro em diversas oportunidades, tendo o popular arrubacão como a comida quase que do dia-a-dia, quando das eleições, não esquecendo que as residências pombalenses se transformam em verdadeiras pousadas para família e amigos no período da tradicional festa do Rosário.

Vingt-un Rosado e Dona América freqüentaram assiduamente nossa residência, localizada na rua Raimundo Guilherme, Conjunto Vingt Rosado, em visitas amigáveis, familiares, ou para deliberar sobre encaminhamentos de projetos da Coleção Mossoroense, a exemplo da Série Sesmarias do Rio Grande do Norte, cujo encaminhamento foi efetivado no espaço supramencionado.

Acompanhando o preparo do inigualável prato típico da culinária sertaneja, os mecenas não hesitaram em reconhecer o mesmo produto final que resultavam do trabalho das dedicadas cozinheiras pombalenses estabelecidas com a família na saudosa comunidade das vossorocas da Espadilha, ou pedreira de gesso, o qual definiam recordações impossíveis de não acontecer, quando paraibanos, conterrâneos do velho Rosado, passavam a contar histórias dos banhos no rio Piancó, nas quais o arrubacão nas ingazeiras era presença garantida nos dias de sábados e domingo.

Vingt-un comentava que o prato regional artesanalmente elaborado por Dona Lia era idêntico ao que preparava a prima Dondon, filha da tia Herculana, paraibana de Pombal, assim como Jerônimo Rosado, pois o arrubacão pombalense também se tornou símbolo culinário na antiga pedreira de gesso, a qual foi a maior área de extração da rocha sedimentar gipsita em toda América Latina durante considerável período de tempo que foi de 1913 a 1963.

Vingt-un e América Rosado moraram na pedreira de gesso durante muitos anos, ocasião em que beberam água do rio Apodi-Mossoró, moraram em uma casinha de taipa e desfrutaram das coisas belas que a natureza dispunha, hoje bastante transformada pela ação antrópica implacável, mas, conforme me revelaram, consideraram que foi um dos momentos mais inesquecíveis da vida dos saudosos intelectuais que deixaram marcas indeléveis na sociologia, na história, na geografia, etc.

(*) José Romero Araújo Cardoso – Geógrafo (UFPB). Escritor. Professor-adjunto do Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. Especialista em Geografia e Gestão Territorial (UFPB) e em Organização de Arquivos (UFPB). Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente (UERN). Membro do Instituto Cultural do Oeste Potiguar (ICOP), da Sociedade Brasileira de Estudos do Cangaço (SBEC) e da Associação dos Escritores Mossoroenses (ASCRIM).

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AUTOR

César Santos é jornalista desde 1982. Nasceu em Janduís (RN), em 1964. Trabalhou nas rádios AM Difusora e Libertadora (repórter esportivo e de economia), jornais O Mossoroense (editor de política no final dos anos 1980) e Gazeta do Oeste (editor-chefe e diretor de redação entre os anos 1991 e 2000) e Jornal de Fato (apartir dos anos 2000), além de comentarista da Rádio FM Santa Clara - 105,1 (de 2003 a 2011). É fundador e diretor presidente da Santos Editora de Jornais Ltda., do Jornal de Fato, Revista Contexto e do portal www.defato.com.

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