NAVEGAR EM SAUDADES
Bom, já que falei de lembranças e recordações, quero dizer que, passada essa pandemia, tenciono passar dois dias em Areia Branca. Quero andar minhas ruas antigas, à procura de saudades. Sei: não são mais como eram no meu tempo, e talvez nem mais referenciais existam, a começar pela mudança de nomes. Aí é que está.
Digo: não poderei chamá-las pelos nomes antigos, dados pelo povo antigo – é capaz (até) de pensarem, os moços, que se trata de um maluco. Rua do Cajueiro, rua da Água Doce, Volta da Tripa, rua do Alto. Haveriam de rir na minha cara. E seu perguntar pelo local onde era o Café de Tica? Aí é que me terão mesmo por miolo mole.
Mas tem um jeito. O professor Luiz Alves, que anda aí beirando os cem anos, e que talvez seja, hoje, o mais velho habitante da cidade, ainda está vivo, e em plena lucidez. O mesmo andar ligeiro da mocidade, e tem mais, ainda funcionando como mestre-escola. Aposentadoria, nem pensar. É teimoso por natureza.
É isto: antes do meu passeio sentimental pelas minhas ruas, primeiro devo ir me informar com Luiz, para não dar uma de amalucado. Luiz empalma a cidade velha, sem escapar nada. Desde coisas a pessoas e eventos. E só depois daí, é que partirei, seguro, para as minhas andanças, sem ter que pedir ajuda a ninguém.
Quanto ao ponto de partida, ainda estou em dúvida: talvez a rua do Alto. Era a rua dos pastoris. Daí, tomaria o rumo da Água Doce, em seguida a Volta da Tripa, indo completar o passeio, a descansar as pernas velhas, na rua do Cajueiro, matar saudade de suas tardes de vento ao som de banjos e cavaquinhos. Os Miranda.
Ia esquecendo. Também na minha tomada de informações com o professor Luiz Alves, consta da minha pauta essa velha, inarredável e curiosa inquietação de memória: onde ficava, mesmo, o Café de Tica na rua do Alto. Não é por outra coisa não. Ali nasceram algumas das modinhas que minha mãe cantava.
E Luiz, que foi do tempo, me contará mais coisas, para mim, interessantes do Café de Tica. Se pretendo escrever um livro a respeito? Até que gostaria, mas não terei mais tempo. Só a intenção de botar tudo em minhas crônicas de jornal, a título de subsídio para alguém mais moço, por acaso interessado. O Dr. Rogério Edmundo?
Que tal? Não sei de melhor nome. Pois então é isso: ando por demais carecido de passear minhas ruas antigas, em busca de saudades. Rua do Alto, rua da Água Doce, Volta da Tripa – ia esquecendo a rua dos Calafates, então dita travessa, e a rua da Quixambeta. Esta, das mais antigas da cidade primitiva, com suas histórias.
2020
Esse e o título do romance que vem de publicar o mossoroense David Leite, com o selo da Sarau, orelha de Humberto Hermenegildo. Boa apresentação gráfica. Fico muito agradecido pelo exemplar.
RELEITURA
Ando relendo o Jornal Literário do mestre paraibano Ascendino Leite, e com o propósito de ler tudo de uma tacada só. Vale a pena. Diverte e educa. Recomendaria a quantos apreciam a boa leitura.
VIANA
Ao mesmo tempo, releio os contos desse notável escritor sergipano, ninguém menos que Antônio Carlos Viana. Sabe escrever literariamente. Da melhor safra de escritores modernos. Um literato à altura do termo.
LINGUAGEM
“Não foram notadas as presenças do prefeito e dos vereadores.” Ouvi isso em noticiário da tevê. O repórter pisou a bola. Segundo a tradição da língua, no caso não há necessidade de fazer-se a concordância no plural. E por quê? Porque se trata de nome abstrato (presença). Diga-se, então, corretamente: Não foi notada a presença do prefeito e dos vereadores. A permanência de João e Pedro no recinto foi comentada. Se for concreto o substantivo, então a concordância se faz no plural: Os documentos de José e Luiz estão aqui. Os brincos de Maria e Isabel não foram notados. A língua, toda língua, possui sutilezas que devem ser observadas, na expressão lógica do pensamento. Falar e escrever corretamente fazem parte da boa educação do espírito, em toda parte do mundo. E bem assim da nacionalidade. É isso.
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César Santos é jornalista desde 1982. Nasceu em Janduís (RN), em 1964. Trabalhou nas rádios AM Difusora e Libertadora (repórter esportivo e de economia), jornais O Mossoroense (editor de política no final dos anos 1980) e Gazeta do Oeste (editor-chefe e diretor de redação entre os anos 1991 e 2000) e Jornal de Fato (apartir dos anos 2000), além de comentarista da Rádio FM Santa Clara - 105,1 (de 2003 a 2011). É fundador e diretor presidente da Santos Editora de Jornais Ltda., do Jornal de Fato, Revista Contexto e do portal www.defato.com.