Segunda-Feira, 03 de fevereiro de 2025

Postado às 08h45 | 07 Jun 2021 | Patrício Lobo: “O principal desafio é decidir com justiça e celeridade”

Crédito da foto: Cedida/Assessoria Juiz Patrício Lobo está no Cafezinho com César Santos

Por Maricelio Almeida/Repórter do JORNAL DE FATO

Após 12 anos atuando em Mossoró, o juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Patrício Jorge Lobo Vieira, foi transferido para a capital potiguar, Natal. A mudança, a pedido, foi motivada por questões de cunho pessoal. Ao longo do período em que exerceu a magistratura na região Oeste, Dr. Patrício Lobo sempre teve o seu trabalho muito bem avaliado. Discreto, optou pela dedicação à atividade jurisdicional sem que os holofotes ofuscassem a sua destacada atuação.

Dr. Patrício Lobo é o entrevistado da semana da seção “Cafezinho com César Santos”. Na conversa a seguir, ele aborda a sua transferência para Natal, fala com carinho sobre o período em que permaneceu em Mossoró e revela as expectativas na nova Comarca. O magistrado, que também exerceu a função de juiz eleitoral, comenta as peculiaridades do pleito em cidades do interior, defende a urna eletrônica e opina sobre o cenário de polarização vivenciado no país atualmente. Acompanhe.

 

Após 12 anos atuando em Mossoró, o senhor foi transferido para Natal. Como o senhor avalia esse período em que desempenhou suas funções de magistrado na segunda maior cidade do Estado?

Inicialmente, eu gostaria de agradecer a você Maricelio, e ao Jornal de Fato, pelo diretor César Santos e demais integrantes, pela gentileza e cordialidade em relação à nossa entrevista e conversa, já que é uma honra poder partilhar um pouco da minha jornada em Mossoró, nesses 12 anos de trabalho aqui na querida região Oeste potiguar. A permanência pelo longo período na região foi de uma riqueza em todos os sentidos, e não apenas profissional. De fato, um aprendizado também no âmbito pessoal e cultural. Mossoró é uma cidade de riquíssima cultura e tradição. É a nossa terra de Santa Luzia e da liberdade. Quem conhece a história de Mossoró e passa a incorporá-la na sua vida, aos seus valores, seguramente, não pode permanecer a mesma pessoa, tampouco esquecê-la. A minha gratidão a Deus, a Mossoró e às boas pessoas que conheci e que me acolheram em mais de uma década de morada. A minha remoção/transferência para a Comarca da Capital efetivou-se a pedido. Os motivos principais foram de cunho familiar, após muita reflexão, e não foi uma decisão fácil, já que, realmente, tornei-me não apenas um mossoroense, mas um tibauense nato.

Quais as expectativas do senhor em relação a esse novo momento da carreira, agora na capital potiguar?

É um novo ciclo que se inicia. Uma verdadeira reconfiguração funcional, um nítido recomeço, com novos desafios. Sinto-me com a sensação do dever cumprido em relação a missão jurisdicional que desempenhei nesta região, notadamente, Baraúna, Apodi e Mossoró. Mas o ser humano também necessita de desafios para enfrentar, e isso gera um novo estímulo de vida. O novo, a saída da zona de conforto, gera uma inquietação salutar e rompe eventual tendência à acomodação de qualquer profissional. A região metropolitana de Natal concentra a maior parte dos processos judiciais do Estado, é uma demanda processual enorme e, ao mesmo tempo, riquíssima, no sentido de aprendizado do Direito e da busca de soluções para que os mais diversos conflitos entre as partes no processo sejam resolvidas. As expectativas são positivas e desafiadoras.

 

Que ações, projetos, serviços o senhor destacaria desse período atuando na Comarca de Mossoró?

Não teria como apresentar um projeto ou serviço específico. Na realidade, as minhas duas maiores preocupações em relação à minha atividade jurisdicional em Mossoró foram a celeridade no andamento das ações judiciais e a qualidade das decisões, buscando decidir os casos com serenidade, presteza e justiça. Sem dúvida, a maior vitória não apenas minha, mas de toda a minha equipe com quem sempre trabalhei e sem a qual nada alcançaria, foi quando conseguimos superar as metas do próprio Conselho Nacional de Justiça, zerando os processos para decisão no gabinete e atualizando os processos antigos. Outro motivo de muita satisfação foi em relação à excelente parceria com as Faculdades de Direito de Mossoró, que permitiram a organização de eventos interdisciplinares envolvendo a problemática da saúde mental, ocasião em que conseguimos reunir estudantes, profissionais do Direito, da Psiquiatria, da Enfermagem, Psicologia e Serviço Social, representantes da classe política e professores universitários, debatendo assuntos extremamente delicados e que, seguramente, trouxeram algo positivo para a comunidade mossoroense.

 

O senhor sempre teve uma atuação destacada, com um trabalho muito bem avaliado. A que o senhor atribuiria esse reconhecimento?

Eu fico muito grato pelo reconhecimento, recebo-o com humildade e alegria, mas partilho-o com a minha equipe de trabalho com quem passei mais de uma década nessa missão. Sempre busquei um tratamento respeitoso com as partes, os profissionais do Direito que atuavam na Vara, servidores e terceirizados, e sempre estimulei a equipe para o mesmo mister, implementando ações integralmente voltadas à eficiência do serviço público, tantas vezes, tachado injustamente de ineficiente. Sempre buscamos combater isso, mostrando que é possível, mesmo com uma estrutura pequena, respeitando nossas limitações, prestar um serviço com celeridade, firmeza e qualidade. Somos limitados, certamente, como profissionais e seres humanos, além das limitações estruturais, mas sempre buscamos trabalhar muito, no mais das vezes, a um custo elevado, já que tempos preciosos a serem dedicados a família foram direcionados, muitas vezes, à apreciação de processos, para que as partes recebessem a justiça que entendiam devidas em um tempo razoável.

 

O senhor atuou também como juiz eleitoral na cidade. Como o senhor avalia essa experiência?

Exatamente. Coordenei eleições estaduais em Mossoró e Baraúna, e ainda recebi para processo e julgamento inúmeras ações de eleições municipais na época. Foi um período muito rico, em todos os sentidos. Toda a minha formação é originária da Justiça Eleitoral, já que, antes da Magistratura, fui servidor dos Tribunais Regionais Eleitorais de Pernambuco e da Paraíba, o que me rendeu uma experiência muito importante no trabalho em terras potiguares. As eleições no interior são singulares, diferente das capitais e dos grandes centros urbanos. As paixões geram brigas, ofensas, intrigas, disputas ardentes e alguns conflitos sérios, exigindo uma atuação firme, mas, ao mesmo tempo, extremamente equilibrada do juiz.

 

O que exige muita capacidade de diálogo com os envolvidos no pleito...

No período em que atuei nesta região, sempre procurei o diálogo prévio entre candidatos, partidos, representantes de coligações, advogados, promotoria, fazendo inclusive audiências públicas com a participação da sociedade, da CDL e o apoio dos órgãos e profissionais da imprensa. A atuação sincronizada com a experiente equipe de servidores dos nossos Cartórios Eleitorais foi fundamental. Essa rede de cooperação, com campanhas educativas à população, fiscalizações, acordos para fiel cumprimento da legislação, além de algumas decisões judiciais mais firmes, entre tantos desafios, foram essenciais para que as eleições transcorressem na mais perfeita normalidade. Logicamente, houve casos pontuais que exigiram atuação mais forte da Justiça Eleitoral, com o apoio das forças policiais, mas, no geral, o desiderato foi atingido, permitindo-se eleições tranquilas para que os cidadãos e cidadãs pudessem exercer a liberdade de voto adequadamente.

 

Enquanto ex-juiz eleitoral, como o senhor enxerga a possibilidade de implantação do voto impresso nas eleições 2022?

Eu sou um defensor da urna eletrônica. Inclusive, tive o prazer de, quando então servidor da Justiça Eleitoral de Pernambuco, ter ministrado treinamentos a mesários, época da primeira utilização das UEs no Brasil. Todos os procedimentos realizados até a hora da totalização são implementados com extrema transparência e segurança. Logicamente, vivemos em um Estado Democrático de Direito. O Brasil é um país que deve valorizar o pluralismo em todos os seus matizes, inclusive no âmbito das opiniões divergentes, sem que tudo seja polarizado. É direito de cada eleitor ou eleitora defender uma posição que entende cabível em relação à questão do voto impresso ou não. Isso é debate entre o parlamento e a sociedade. Uns defendem que seria um retrocesso, ao passo que outras pessoas sustentam que permitirá uma maior fiscalização, diante dos riscos de potencial fraude em relação à impossibilidade de recontagem de votos. É um tema delicado. A princípio, entendo pela permanência do sistema atual, mas estou estudando e lendo mais sobre o tema para que possa opinar adequadamente. O importante é que tenhamos um sistema cada vez mais seguro e que permita a fidelidade e segurança do voto do eleitor e da eleitora brasileiros.

 

Como o senhor enxerga esse cenário de polarização que se desenha para as próximas eleições?

É indiscutível que hoje, sem dúvidas, vive-se no Brasil uma polarização, não apenas na seara política, mas no âmbito moral, cultural, comportamental e, até mesmo, a título de saúde pública, envolvendo digladiações no que tange a medicamentos, tratamentos, vacinas, etc. Há pessoas conservadores, há pessoas liberais. Há pessoas de direita, há pessoas de esquerda, como também de centro, e isso é positivo, devendo-se respeitar a formação e opinião de cada um e cada uma. As redes sociais permitem esse acesso rápido à informação e a própria instantaneidade concernente ao repasse e encaminhamento de ideias e opiniões, situação que, muitas vezes, conduz a um acirramento de ânimos e uma verdadeira guerra virtual entre lados opostos, com casos de cancelamentos virtuais. As pessoas estão opinando sobre tudo e cada qual com uma convicção tão própria que impede a própria dialética, a construção de pontes na busca de soluções conjuntas.

 

Que consequências essa polarização poderá acarretar, na visão do senhor?

A princípio, encaro essa polarização como parte integrante do sistema de liberdades que se possui no Brasil, inclusive no âmbito de expressão de cada cidadão no contexto das suas preferências pessoais e políticas, uma vez que o nosso aís é uma república e se constitui um Estado democrático de Direito, que deve preservar e proteger a liberdade de expressão e manifestação de pensamento. Tudo é construção, inclusive no âmbito democrático, mesmo porque podemos também estar equivocados em relação a algo. A alternância de poder é parte integrante do sistema republicado e as divergências de opiniões fundamentais à democracia. Certamente, todo excesso gera preocupação, como atribuir-se a pecha de inimigo para a pessoa que pensa diferente em nítida conduta maniqueísta, partindo-se para atitudes desrespeitosas e agressivas. Isso deve ser combatido. A tolerância e o respeito ao diferente devem imperar, mas acredito que o Brasil já possui instituições públicas sólidas o suficiente para a manutenção da normalidade no País. Se a construção de pontes é ou não uma quimera, certo é que o respeito e a tolerância devem ser uma realidade, independente do grupo político, cultural ou moral do qual se faz parte.

 

Quais são, na visão do senhor, os principais desafios do Poder Judiciário atualmente?

O grande desafio do Poder Judiciário é tentar julgar mais de 100 milhões de processos, mas também não poderia deixar de registrar que, no Brasil, existe uma litigiosidade nunca vista em nenhum país do mundo. Um em cada dois brasileiros possui um processo na Justiça, algumas vezes realmente possuem direito, e em outras situações, não possuem. Os números são preocupantes, e o Judiciário não tem estrutura de logística e de pessoal para uma resolução imediata desses conflitos. Entendo que devem ser buscados meios alternativos para solução dos conflitos, sobretudo no âmbito dos poderes públicos e dos grandes litigantes (bancos, financeiras, concessionárias de serviços públicos, etc). Sem dúvida, além de todo esse contexto, um dos maiores desafios surgiu com os nefastos efeitos pandemia, tanto no tocante à necessidade de resolução das demandas judiciais, quanto no que tange à judicialização de temas extremamente vinculados à política pública do Poder Executivo, nas esferas federal, estadual e municipal.

 

A pandemia inclusive acelerou o processo de avanço tecnológico, modificando a forma de trabalho de muitas pessoas, inclusive dos magistrados e demais servidores do Judiciário...

Felizmente, a virtualização dos processos e os avanços tecnológicos permitiram que as atividades do Poder Judiciário permanecessem ativas, inclusive com aumento da produtividade de magistrados e servidores. No âmbito das decisões judiciais em tempos de pandemia, os desafios ainda permanecem, sobretudo porque surgiram situações de descompasso entre decisões de esferas governamentais e problemas surgidos em relação a mensalidades escolares, convivência de filhos de pais separados, aluguéis, leitos hospitalares, saúde pública e privada, fechamento de comércios e atividades, restrições de circulação, enfim, casos extremamente delicados e que impuseram muita reflexão dos julgadores, diante da sensibilidade das inúmeras situações geradas. Nesse campo, decidir nunca foi tão difícil, à vista do estado de anormalidade, impondo-se, muitas vezes, neste momento trágico, decisões excepcionais e igualmente trágicas.

 

E qual o principal desafio que o senhor enfrentou na magistratura até aqui?

Na realidade, ainda hoje, o principal desafio na minha profissão é, de fato, decidir com justiça e celeridade, o que é difícil pelo excesso de ações judiciais e limites estruturais. É muita responsabilidade como órgão do Estado o processo de decisão judicial, independente do caso sob apreciação, seja uma ação de alimentos, guarda, patrimonial ou uma ação coletiva em prol de consumidores, seja uma improbidade administrativa promovida contra um gestor ou ex-gestor público ou uma ação criminal envolvendo organização criminosa. Todo processo judicial impõe ao julgador muito estudo, reflexão e coragem para decidir, e com um detalhe: sozinho, decidindo sobre a liberdade, sobre a família, sobre o patrimônio de pessoas e empresas, que, muitas vezes, levam para o lado pessoal algo decorrente do trabalho profissional. É um verdadeiro sacerdócio.

 

Caso queira acrescentar algo que não tenha sido perguntado, fique à vontade.

Apenas gostaria, mais uma vez, de agradecer a Deus, pedindo sabedoria para continuar exercendo a minha missão com justiça e equilíbrio, agradecendo a minha família, aos colegas magistrados de mossoró, servidores, terceirizados, advogados, defensores, promotores, profissionais da imprensa da região e todas as boas pessoas que participaram desta caminhada, que, agora, prossegue, em outra seara. Sou soldado, e sei que ainda há caminhos a percorrer e desafios a atingir, sabendo que o sentimento de saudade de Mossoró e das amizades construídas será grande. Paz e Bem!

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AUTOR

César Santos é jornalista desde 1982. Nasceu em Janduís (RN), em 1964. Trabalhou nas rádios AM Difusora e Libertadora (repórter esportivo e de economia), jornais O Mossoroense (editor de política no final dos anos 1980) e Gazeta do Oeste (editor-chefe e diretor de redação entre os anos 1991 e 2000) e Jornal de Fato (apartir dos anos 2000), além de comentarista da Rádio FM Santa Clara - 105,1 (de 2003 a 2011). É fundador e diretor presidente da Santos Editora de Jornais Ltda., do Jornal de Fato, Revista Contexto e do portal www.defato.com.

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