A Professora Doutora Cicilia Raquel Maia Leite assume nesta terça-feira, 28, a Reitoria da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN), com uma missão desafiadora: consolidar o processo de autonomia da instituição e estabelecer um novo modelo de gestão voltado para todos e todas, como foi a sua promessa de campanha. A futura reitora chega ao cargo respaldada por mais de 66% da comunidade acadêmica, ao lado do vice-reitor eleito Francisco Dantas de Medeiros Neto, o que aumenta ainda mais a sua responsabilidade.
Cicilia sabe do tamanho do desafio, mas também é consciente que está preparada para enfrentar. Ela respira a Uern desde que sentou no banco acadêmico para se formar em Ciência da Computação, em 1999. Seguiu carreira dentro da própria instituição.
Professora do Departamento de Informática, com doutorado e pós-doutorado no MIT, ela ganhou a confiança do reitor Pedro Fernandes, que foi o seu professor na graduação, ocupou espaços importantes e circulação entre os segmentos da instituição. Cicilia fez parte da equipe de Fernandes na época em que ele era pró-reitor de Pesquisa e Pós-Graduação, na gestão do reitor Milton Marques de Medeiros (falecido). Depois foi pró-reitora de Recursos Humanos, na primeira gestão de Pedro Fernandes. Na atual gestão, chegou a ser assessora técnica e ocupou a Chefia de Gabinete da Reitoria.
Nesta entrevista ao “Cafezinho com César Santos”, Cicilia Maia apresenta o que pretender fazer pela Universidade do Estado do RN pelos próximos quatro anos.
O reitor Pedro Fernandes rompeu um modelo na Uern onde a política de fora para dentro tornava menor o processo de crescimento da Universidade. Essa mudança, talvez, tenha sido um dos maiores ou o maior feito da gestão que está se encerrando. E a sua gestão, reitora, qual é o projeto maior?
Tem razão, César. As gestões do professor Pedro Fernandes, ao lado do vice-reitor Aldo Gondim, e depois, da professora Fátima Raquel, deixam um legado muito importante quando falamos em reestruturação do quadro de pessoal, com realização de concurso público, inclusive para cargos que há muito a universidade precisava; fomento à capacitação de professores e técnicos-administrativos, com mais servidores com título de mestres e doutores; a qualificação dos cursos de graduação e pós-graduação, conquistando o reconhecimento dos cursos pelo Conselho Estadual de Educação e melhorando seus indicadores; o exponencial crescimento do investimento na assistência estudantil, inclusive sendo neste período a criação de uma pró-reitoria específica para os estudantes, a PRAE; e, como você bem pontuou, a aposta numa gestão acadêmica, com valorização dos quadros da própria universidade. Não temos cargos ocupados por pessoas externas à nossa instituição. Isso mostra o zelo que o professor Pedro Fernandes sempre teve e que vamos manter nessa nova gestão. A Uern é referência para a sociedade e nosso desafio é fortalecer ainda mais isso. Se há um projeto maior que possamos apontar é o de dotar a universidade de sua autonomia financeira plena e transformá-la numa instituição pautada pela defesa dos direitos humanos e sua aplicabilidade, valorizando as pessoas.
A senhora faz parte desse processo iniciado por Pedro Fernandes, inclusive, exercendo funções importantes. É possível, então, que a atual linha administrativa esteja presente na sua gestão?
Tenho muito orgulho de ter trabalhado nesta gestão, pois foi nela que aprendi muito sobre o funcionamento da universidade e também pude contribuir, exercendo algumas funções e liderando processos importantes, como a realização do maior concurso público que fizemos para a instituição, além de trabalhar junto com a comunidade ações importantes nos campos do ensino, pesquisa e extensão. Naquilo que avaliamos como positivo, vamos manter e fortalecer. E vamos imprimir também nossa marca, com base na carta programa construída com a comunidade no período pré-eleitoral, e depois debatida durante as eleições. É hora de trabalharmos juntos, e não falo isso de forma demagógica. É juntos mesmo. Discutindo nossos pontos de vista, divergências, mas tendo um foco só: o crescimento da universidade. Essa corrente tem que contar com todas as pessoas de dentro da Uern e de fora também. Precisamos construir um novo momento na história da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte e, para isso, vamos precisar de todos.
A senhora, durante a campanha pela Reitoria da Uern, destacou com ênfase que a Universidade forte se constrói com a participação de todos e todas. Como a senhora pretende colocar na prática esse discurso? Há um ambiente de união na Uern?
Ficamos muito felizes, eu e o professor Chico Dantas, ao saber da dimensão do resultado que nos colocou na situação de reitora e vice-reitor eleitos. Contar com mais de 65% dos votos e com maioria nos três segmentos nos revela também uma expectativa e confiança da comunidade conosco e com a proposta que apresentamos. Quem nos conhece sabe que somos profissionais com uma história de vida dedicada à Uern e que temos uma marca em nosso perfil: o bom diálogo com todas as pessoas. Uma universidade, naturalmente, é um campo de debates de ideias, discussões acaloradas, pensamentos diversos, e quem se coloca no desafio de liderar uma instituição desse porte tem que estar muito consciente disso e preparado. Nós estamos. Como havíamos nos comprometido, antes mesmo de nossa posse fizemos uma série de visitas aos campi da instituição, conversando com estudantes, docentes, técnicos e técnicas. Tivemos uma acolhida muito feliz em cada um desses espaços. Somos uma universidade madura, onde as divergências não se sobressaem ao respeito a cada um. É nesse sentido, do diálogo honesto e permanente, que acreditamos poder contribuir com uma universidade mais unida, consciente e forte.
A formação de sua equipe respeitou a equidade de gênero, com o mínimo 50% dos cargos de alto escalão sendo ocupados por mulheres. Também foi uma proposta de campanha. E isso é novo na Uern. De que forma a senhora entende que vai estabelecer uma nova realidade na instituição?
Nossa sociedade está em constante transformação. Naquilo que não está, temos a obrigação de atuar para que haja essa mudança. O protagonismo feminino em cargos de liderança não é uma questão menor ou protocolar, como algumas pessoas tentam dizer. É uma ação de reconhecer o potencial, esforço, trabalho e todas as condições que as mulheres enfrentam todos os dias e, mesmo assim, a estrutura da sociedade ainda cria barreiras para que possamos ocupar os espaços que são nossos por direito. Vivemos em uma sociedade que parece ser normal uma mulher, com os mesmos atributos profissionais - ou até mais - de um homem, ter uma remuneração mais baixa. Uma sociedade que invisibiliza o fato das mulheres terem que lidar com todas as obrigações familiares - com filhos, companheiros, companheiras -, com o trabalho. Não deve ser considerado normal uma mulher ter que escolher entre a família e o trabalho. Isso é desumano. Fora outros aspectos controversos que vemos todos os dias. Por isso, definir a equidade de gênero como base de nosso trabalho inicial é também uma postura política e social de visibilidade e consolidação de uma política institucional que coloque a mulher nos espaços de liderança. Mas nosso desafio não para aí. Sabemos que, da mesma forma, temos que lutar pela construção de políticas de acesso à universidade para profissionais negros, indígenas, LGBT, assim como entre os nossos estudantes. Por isso nossa carta programa está pautada fortemente na defesa dos direitos humanos, prevendo inclusive a criação de um setor específico para tratar do assunto. A universidade não escolheu uma mulher à toa para liderar os próximos quatros anos. Espero poder retribuir à altura a oportunidade que foi dada a mim e ao professor Chico Dantas.
A governadora Fátima Bezerra vai apresentar o projeto de autonomia financeira da Uern durante a celebração dos 53 anos da instituição, no próximo dia 28. A partir daí, a luta ganha um novo cenário, certamente o mais esperançoso até aqui. Como a senhora pretende conduzir esse processo?
Toda nossa comunidade acadêmica está ansiosa com a concretização desse compromisso feito pela governadora Fátima Bezerra. A entrega do projeto de lei que trata da autonomia financeira da Uern à Assembleia Legislativa, no dia 28 de setembro, tem tudo para ser um momento simbólico e histórico. A comissão formada pelo governo, com representantes do governo, da reitoria, da Aduern e do Sintauern, fechou seu estudo e já protocolou no SEI, com uma minuta do projeto de lei. Por essa proposta, construída com a participação do Gabinete Civil do governo e da Secretaria de Planejamento, a Uern passará a ter direito, anualmente, a um orçamento de 3,7% da Receita Corrente Líquida (RCL) do estado, entre os anos de 2022 a 2028. Essa foi uma porcentagem consensuada pelos integrantes da comissão, dentro da realidade financeira do estado do Rio Grande do Norte. Além disso, pelo projeto, a Uern passa a ter seu orçamento repassado por duodécimo, o que dá mais condições efetivas de trabalharmos com a solução das nossas necessidades. Sempre fomos firmes em dizer: só vale lutar por uma autonomia financeira que faça jus ao tamanho e ao valor social da Uern. Aprovar uma autonomia desconsiderando isso é retroceder na luta que a universidade tem travado desde sempre, com todos os seus segmentos. Temos muita confiança no compromisso assumido pela governadora, assim como na atenção e zelo dos nossos deputados com essa pauta, para que possamos comemorar a autonomia em breve como lei aprovada pela Assembleia Legislativa e sancionada pela governadora Fátima Bezerra.
Outra luta importante é o plano de cargos, carreiras e salários dos docentes e técnicos da Uern, que ganha força junto à autonomia financeira. Qual é a perspectiva que os servidores da instituição devem alimentar?
Essa é outra pauta que temos sempre levado ao governo do estado. Nossos servidores enfrentam um histórico de defasagem salarial, o que impactou de maneira muito forte na vida de cada um de nós. Entendemos a realidade financeira do estado - e inclusive a universidade também sofreu por isso - mas, no momento em que a situação ganha uma nova perspectiva, nada mais justo que pensar na reparação desses danos. Por isso temos, ao lado da professora Fátima Raquel, conversado com a governadora Fátima Bezerra no sentido de demonstrar a urgência dessas pautas: autonomia, plano de cargos dos servidores, e novo concurso público. E essa não é uma luta da reitoria. É de toda a universidade. Por isso vem sendo trabalhada há muito tempo pelos sindicatos das categorias docente e técnica, apoiada pela representação estudantil (DCE), e cobrado pela administração central junto ao Governo do Estado. Como resposta a esse trabalho tivemos a formação de uma comissão especial pelo governo e esperamos que, assim como a autonomia, essa seja outra conquista que a Uern possa comemorar em breve. Uma universidade pública forte se faz com servidores valorizados.
A senhora receberá desafios importantes, como, por exemplo, demandas represadas ao longo dos últimos anos. A reforma do clube Aceu e obras paradas no campus central são algumas delas. Como a senhora vai enfrentar esse desafio?
Em sua gestão, em um dos períodos políticos e financeiros mais difíceis do estado, o professor Pedro Fernandes entendeu que não podia gerir uma universidade somente com recursos do tesouro estadual. Era preciso qualificar nossos servidores para captar recursos externos também. Foi essa ousadia que possibilitou que a Uern amadurecesse uma política institucional de captação de recursos federais, por meio de emendas e convênios. Foram esses recursos que garantiram a sobrevivência da Uern em alguns anos onde o valor para investimento, pelo tesouro estadual, foi zero. Nessa forma de trabalho, o reitor Pedro Fernandes buscou governadores, deputados estaduais e federais, senadores, toda a classe política, para destinar recursos para a universidade. Em 2018, numa articulação com a bancada federal e com a então governadora eleita Fátima Bezerra, a Uern conquistou uma emenda impositiva de bancada no valor de R$ 20 milhões, exatamente pensando em um programa de reestruturação do Campus Central e dos campi avançados. Os projetos elaborados preveem, entre tantas obras, a reforma completa do Aceu, no valor inicial de R$ 1 milhão. Além dela, temos a construção de um amplo auditório, nova biblioteca, anfiteatro, espaço de convivência, cerca de proteção, pavimentação, e corredores de banheiros acessíveis, no Campus Central. Nos campi avançados, teremos construção de blocos de salas de aula, auditório, área de convivência, e aquisição de micro-ônibus.
Mas, por que essas ações demoram tanto?
Como todos os processos referentes a emendas federais, há uma demora. Para se ter ideia, agora é que devemos conseguir executar o primeiro dos convênios, que trata do micro-ônibus para a Uern Pau dos Ferros. Temos tido constantes reuniões com as equipes do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), buscando agilidade nos trâmites e na liberação dos recursos, para que possamos executar essas obras o mais rápido possível. Com isso, resolveríamos demandas históricas da nossa universidade. Além disso, apostamos na autonomia financeira e, por meio dela, termos maiores condições de investir, com recursos próprios, nos serviços e projetos que a Uern precisa.
A pandemia impôs uma inédita situação de enfrentamento e a educação está dentro deste contexto. Como a Uern conseguiu fazer esse enfrentamento e quais os desafios em curto prazo?
Essa foi uma experiência que nenhuma universidade havia vivido. Está sendo ainda. E aqui, é preciso destacar o papel que a professora Fátima Raquel, na condição de reitora em exercício, teve na liderança da nossa comunidade. Com paciência, seriedade e zelo, conduziu os passos necessários, dialogando com a comunidade e tomando as decisões mais prudentes, em um cenário de total turbulência no mundo. Aprovamos o semestre em formato remoto, redefinimos nosso modelo de colação de grau - garantindo a todos os alunos a conclusão de seus cursos -; instituímos um comitê especial, o Comitê Covid-19, para assessorar a administração nas decisões; criamos e, em seguida, ampliamos o auxílio inclusão digital, numa ação de suporte tecnológico aos nossos alunos, colocamos a universidade a serviço da população na luta contra o coronavírus, com projetos de pesquisa, extensão e parcerias com instituições públicas e privadas; ampliamos o suporte de atendimento psicossocial on-line aos servidores e estudantes, e continuamos nossas atividades de ensino. Para isso, contamos com o apoio de toda a comunidade. Creio que a Uern tem sido exemplo e referência na postura adotada desde o início da pandemia, colocando a saúde da comunidade em primeiro lugar e atuando de forma a não deixar a sociedade prejudicada.
O ensino remoto para uma educação híbrida é uma realidade que impactará o futuro da educação brasileira? É possível imaginar o ensino na Uern em formato híbrido?
O ensino remoto nos mostrou potencialidades, mas por outro lado, analisando o contexto no qual fomos inseridos, revelou também a força e a imprescindibilidade da presença. Somos seres sociais por natureza e nosso processo educativo se constrói também pelo diálogo olho no olho, pela experiência de sociabilidade presencial. Temos sentido muita falta de tudo isso. Não apenas na sala de aula, mas em nossas relações familiares, nossas amizades, e assim por diante. Por isso entendo que vivenciamos uma experiência que vai nos ajudar a desenhar uma nova realidade para a educação. Um cenário onde as possibilidades de ensino remoto foram reveladas e serão muito necessárias, nesse processo de modernização e de encurtar distâncias. Mas ele também nos mostrou a potência que cada um de nós possui nesse intercâmbio de saberes, experiências e vivências. Estaremos juntos de novo, mas conscientes das possibilidades que antes não enxergávamos tanto.
Para finalizar, reitora, qual a mensagem que a senhora deixa para a comunidade acadêmica e toda a sociedade?
César, gosto muito de apostar, sempre, na esperança em dias melhores. Não uma aposta resumida em um desejo, mas baseada nas ações e na iniciativa que podemos ter diariamente. Estamos saindo de um período extremamente difícil, em que perdemos muita gente querida, amores, amigos, colegas de trabalho. E tudo isso provocou uma desesperança pelo mundo. Mas, por meio da educação e da ciência, encontramos a saída. Foi pela ciência que encontramos a vacina. Aquilo que nos trouxe a luz. E é nisso que acredito. Em uma educação que ilumina a sociedade, que traz luz à vida das pessoas. É por essa educação que milhares de educadores lutam todos os dias. E não estamos sozinhos. Mas precisamos que a sociedade esteja mais próxima deste processo, entendendo que a escola, a universidade pública pertence a ela. A universidade se constrói junto com a comunidade, pois é para ela que existimos. É esse espírito de cooperação, de energia e garra coletiva que vamos iniciar nossa gestão à frente da reitoria da Uern, numa construção que sabe o papel de cada sujeito nesse processo. Acreditamos numa gestão participativa, democrática e feita a muitas mãos, com responsabilidade, zelo pelo patrimônio público e comprometida com o fortalecimento da Uern. Por isso convidamos a todas e todos a estarem com a gente. Vamos fazer uma Uern maior, mais forte e ainda mais socialmente referenciada.
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César Santos é jornalista desde 1982. Nasceu em Janduís (RN), em 1964. Trabalhou nas rádios AM Difusora e Libertadora (repórter esportivo e de economia), jornais O Mossoroense (editor de política no final dos anos 1980) e Gazeta do Oeste (editor-chefe e diretor de redação entre os anos 1991 e 2000) e Jornal de Fato (apartir dos anos 2000), além de comentarista da Rádio FM Santa Clara - 105,1 (de 2003 a 2011). É fundador e diretor presidente da Santos Editora de Jornais Ltda., do Jornal de Fato, Revista Contexto e do portal www.defato.com.