Terça-Feira, 19 de novembro de 2024

Postado às 12h15 | 12 Fev 2023 | Marleide Cunha: ‘Não é natural um contrato de 13 milhões de reais com um buffet’

Crédito da foto: Jornal de Fato Vereadora Marleide Cunha no Cafezinho com César Santos

Como sempre faz em início de ano letivo, a vereadora Marleide Cunha (PT) está visitando todas as unidades da rede municipal e o que ela viu, até agora, foi um contraste da propaganda oficial do projeto “Mossoró Cidade Educação”.

Nas suas redes sociais, por meio de vídeos e fotos, a vereadora mostra o cenário caótico de dezenas de escolas da cidade e da zona rural. Mais do que isso, ela revela que, diferentemente do discurso do prefeito Allyson Bezerra (Solidariedade), a gestão municipal deixou de cumprir os percentuais mínimos constitucionais em Educação, que é de 25%.

“Em 2021, a gestão Allyson aplicou apenas 19%. Em 2022, ele fez compras de equipamentos às pressas, já no mês de novembro, para cumprir os percentuais obrigados por lei, temendo cometer crime de improbidade administrativa”, afirma Marleide Cunha durante longa conversa no Cafezinho com César Santos, na sede do Jornal de Fato. A vereadora responde perguntas, sem tergiversar, principalmente quando envolve a luta da educação. Leia:

A senhora está visitando as unidades da rede municipal de ensino nesse início de ano letivo. Qual é o cenário encontrado?

A situação das unidades de educação infantil é caótica. A estrutura é caótica, os equipamentos também, a parte pedagógica tem sérios problemas. Eu vou pontuar cada um: na parte estrutural, maioria das escolas está com as paredes caindo, com problemas na parte elétrica, os equipamentos enferrujados. Na parte pedagógica, nós encontramos salas de aulas superlotadas, muito quentes e isso prejudica absurdamente o processo de ensino-aprendizagem das crianças; e salas de aulas multisseriadas, que é um absurdo e coisa de uma educação atrasada. E é porque a propaganda oficial do município diz que passou a era do carbono e entrou agora na modernidade, na era do computador, da tecnologia, mas na prática isso não acontece. Eu estive, por exemplo, na escola Isabel Fernandes e lá tem sala de aula multisseriada, quarto e quinto anos numa turma só, com uma professora só, e cinco crianças com deficiência. Então, isso não é um detalhe. É algo muito preocupante e uma ofensa ao direito à educação. Tem ainda turmas de segundo e terceiro anos em sala multisseriada. Isso na zona urbana. Na zona rural, as unidades em sua maioria são com salas multisseriadas. Isso é um prejuízo muito grande para educação.

 

A senhora está apresentando um contraste à mídia oficial do Mossoró Cidade Educação?

A gente vê uma propaganda oficial muito grande, mas a realidade da educação municipal é outra. É um absurdo a educação ser tratada dessa forma, ela deixa de ser um princípio, um direito social, um direito constitucional e fundamental, e passa a ser um espetáculo. Temos em Mossoró a educação sendo tratada como um espetáculo. Isso é muito preocupante. Nós precisamos mostrar os problemas que têm as escolas. Precisamos conscientizar à população para a gravidade que é uma gestão gastar dinheiro público com autopromoção do prefeito (Allyson Bezerra), quando esses recursos da educação devem ser investidos em educação.

Mas, vereadora, o prefeito Allyson diz que está fazendo o maior investimento em educação na história de Mossoró...

Não é verdade. No ano passado, a Prefeitura de Mossoró fez aquisição de vários ar-condicionados e alguns equipamentos e promoveu um espetáculo para mostrar isso. Expôs os equipamentos no ginásio de esportes (Pedro Ciarlini), gastou dinheiro público para fazer a propaganda e anunciou que todas as escolas teriam esses equipamentos. Agora, no início do ano letivo de 2023, a maioria das escolas municipais não tem uma rede elétrica compatível para receber os ar-condiconados. Ou seja, as crianças estão nas salas de aula com muito calor, com dificuldade de aprender porque o calor atrapalha na concentração. Isso acontece porque a Prefeitura não fez um planejamento para as escolas receberem esses equipamentos. Até as unidades que foram reformadas recentemente não estão com ar-condicionados porque a rede elétrica não comporta. Isso expõe a falta de planejamento. E isso tem relação com os investimentos mínimos constitucionais em educação.

 

Como assim?

O prefeito Allyson não estava cumprindo com os 25% em educação determinados pela Constituição. Então, ele correu para comprar os equipamentos, sem planejar a utilização desses equipamentos, sem preparar as escolas para receber os benefícios, e hoje nós estamos vendo os ar-condicionados dentro das caixas enquanto as crianças sofrem com o calor. Só agora um eletricista está passando nas unidades para saber se a estrutura elétrica das escolas tem ou não capacidade para receber os ar-condicionados. Mas, já sabemos que a maioria das escolas não tem.

O não cumprimento dos percentuais mínimos constitucionais, que são 25%, não se configura em crime de improbidade? O prefeito foi relapso com a própria lei?

Em 2021, o município de Mossoró só investiu em educação 19%, descumprindo os percentuais mínimos de 25%. Isso não sou eu que estou dizendo, é o SIOPE (Sistema de Informações de Orçamento Público em Educação) que está dizendo. O SIOPE é um órgão ligado ao Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), constata que o município de Mossoró não cumpriu os percentuais mínimos constitucionais e isso é crime de improbidade administrativa. A Constituição determina que devem ser investidos 25% dos impostos e transferências constitucionais. A gestão municipal pagou em educação, no ano de 2021, aproximadamente, 138 milhões de reais, quando teria que ter investido em educação cerca de 200 milhões de reais. Essa diferença de quase 60 milhões de reais, a gestão ficou devendo para o ano seguinte. Se não fosse a lei que flexibilizou a obrigação constitucional em 2021, em razão da pandemia da Covd-19, o prefeito já teria cometido improbidade administrativa. O grave, porém, é que a escola pública precisou de mais investimentos em 2021, exatamente para atenuar os prejuízos provocados pela pandemia, mas em Mossoró o prefeito simplesmente decidiu não fazer a aplicação correta dos recursos da educação.

 

O prefeito Allyson garante que em 2022 superou o percentual mínimo de 25% em educação. Isso não é verdade?

O município é obrigado a superar o percentual de 25%, porque se o prefeito não investir mais do que os 25% constitucionais, ele estará cometendo crime de improbidade administrativa, ele poderá se tornar inelegível. Veja: em 2021, a gestão municipal ficou devendo 6% à educação, porque só aplicou 19%. Isso é incompetência. Em 2022, até o mês de outubro, segundo consta no SIOPE, o município só tinha investido 21%, ainda estava distante dos 25%. Quando foi em novembro, alertado sobre o problema, o prefeito fez aquele show para lançar o Cidade Educação, exibiu os ar-condicionados e promoveu a propaganda oficial. Só que, na verdade, ele havia sido alertado sobre o crime de improbidade por não ter investido os percentuais mínimos constitucionais, por isso, comprou os equipamentos às pressas, sem planejamento, mostrando total falta de zelo com o dinheiro público. Portanto, o gasto com ar-condicionado não foi planejado, mas, sim, uma compra às pressas para o município cumprir os percentuais de investimento em educação. Agora, eu quero ver quanto tempo a prefeitura vai levar para colocar esses equipamentos em funcionamento, porque praticamente todas as escolas precisam de melhorar o sistema elétrico para receber os aparelhos.

Vereadores que defendem a gestão municipal dizem que a senhora não realiza o mesmo trabalho de fiscalização nas escolas da rede estadual porque é aliada da governadora Fátima Bezerra? Como a senhora recebe essa crítica?

Primeiro, eu digo para os vereadores da base governista que eu, igual a eles, somos representantes da sociedade. Eu sou vereadora e a minha primeira função é fiscalizar os recursos públicos de Mossoró e os atos do Poder Executivo municipal. Eu vou continuar fiscalizando e denunciando aquilo que está sendo mal usado com dinheiro público. Quanto à questão de fiscalizar os órgãos do Governo do Estado, eu também faço isso. Eu estive na rodoviária cobrando que aquele equipamento importante precisava de melhor atenção, fiz vídeo e tornei a minha ação de conhecimento público. Eu já estive em escolas estaduais para fiscalizar o início do ano letivo. Como vereadora, participo das reuniões da Direc (Diretoria Regional de Educação), visito as casas das pessoas, escuto as reclamações e trabalho para que as soluções sejam dadas. Já disse que o Programa do Leite, que é do Governo do Estado, precisa atender melhor à população, que a distribuição precisa ser feita em equipamento público e não na casa de pessoas escolhidas pelo governo, para melhor atender às pessoas. Então, eu faço, sim, essa fiscalização em órgãos e ações do governo estadual. Agora, eu tenho obrigação, como vereadora, de fiscalizar as contas do município de Mossoró, os atos Poder Público municipal. Se o senhor prefeito comete atos que não são corretos, eu vou fiscalizar e denunciar. Essa obrigação é minha e de todos os vereadores e vereadoras. Agora, os vereadores da base aliada de Allyson se contentam a ficar feito papagaios, repetindo o discurso que é do prefeito.

 

Outro ponto em discussão e que pode provocar paralisação na rede pública de ensino é a questão do novo piso salarial do magistério. Como a senhora se posiciona nessa luta dos professores?

A minha posição é muita clara e histórica, que é do lado da educação, do lado dos professores. Posiciono-me com base no princípio de que não existe qualidade na educação sem valorização dos profissionais. Não existe qualidade na educação com direitos dos professores e professoras sendo desrespeitados. A categoria em Mossoró tem carga horária sendo desrespeitada, com salas de aulas superlotadas, com crianças com deficiência em sala de aula, sem o município oferecer as condições de o professor desenvolver o seu trabalho. Então, posiciono-me junto aos professores porque eu sou militante em defesa da educação e da valorização da profissão docente. Digo isso não é porque eu sou vereadora de oposição, é porque a educação é muito maior do que uma posição política partidária. A luta em defesa da educação faz parte da minha história de vida. Sou professora desde muito jovem, aos 17 anos de idade, e sempre estive nessa luta. Compreendo que a educação não pode ser tratada como sobra, por isso, nós temos que nos preocupar com a estrutura da escola, com o ambiente educativo adequado, temos que nos preocupar com as condições pedagógicas, para que as crianças possam estudar e aprender. Agora, para isso, precisamos ter uma gestão que trabalhe políticas públicas na educação. Entendemos que para se chegar ao bom resultado, é preciso ter todo cuidado com as condições que são dadas; que todos possam ter condições de ensino e aprendizagem.

 Qual é a perspectiva da luta dos professores pela implantação do piso salarial do magistério de 2023?

Eu tenho visitado as escolas, conversado com professores e professoras, e vejo que a categoria está bem consciente de que vai ter que tomar uma decisão difícil, que é a deflagração de uma greve. Nenhum profissional de educação gosta de fazer greve, é uma decisão difícil porque a gente sabe que vai ter conflito e suas consequências. Porém, a gente não pode permitir que um piso salarial seja desrespeitado, porque se a categoria permite isso colabora para criar corpo um discurso do município que diz que já paga o piso salarial do magistério. Quando o município diz isso, ele estabelece o discurso que o profissional da educação não pode ganhar acima do piso, porque os professores e professoras têm que ficar no chão, rastejando, no piso. Nós não podemos concordar com isso, nós defendemos que tem que ser valorizada a profissão docente. Uma sociedade que não valoriza seus professores e professoras tem prejudicado o desenvolvimento dos seus cidadãos e cidadãs. Então, nós vamos estar juntos na luta. Nesta segunda-feira (13), tem uma parada de advertência e vai ser votado o indicativo de greve. Esperamos que o município cumpra o seu dever. Eu, inclusive, fiz um apelo ao prefeito Allyson e à secretária de Educação (Hubeônia Alencar) para que eles recebam o sindicato para negociar a pauta da educação, no sentido que a gente possa resolver essa situação, porque é inadmissível que a Prefeitura gaste com propaganda do Mossoró Cidade Educação, e não respeite o direito dos professores e professoras. O piso do magistério é lei nacional, tem que ser cumprido.

 

O próprio município tem uma lei que diz que o percentual mínimo investido em educação é de 30%. Essa lei está sendo desrespeitada?

O prefeito Allyson está dizendo que vai investir mais em educação, que aplicará o percentual de 30% no setor, mas, quero lembrar que ele vai ter que investir esse percentual porque é lei. A gestão municipal tem até este ano, 2023, para aplicar o que ele deixou de investir no ano de 2021, devido à pandemia. Eu vou repetir isso sempre porque a sociedade precisa saber. O prefeito está comprando mochilas, material escolar e ar-condicionados não é porque ele está fazendo diferente na educação; é porque ele não fez o dever de casa em 2021, por incompetência na gestão dos recursos da educação. Vai ter que compensar agora, porque o prazo limite é 2023.

A bancada de oposição na Câmara de Mossoró está melhor preparada para a segunda metade da Legislatura? É possível fazer um enfrentamento ao governo municipal, mesmo a oposição inferiorizada numericamente?

Temos uma bancada de oposição que está firme no propósito de fiscalizar a administração municipal. Precisamos fazer uma observação: a nossa bancada é formada, em quase a sua totalidade, por vereadores e vereadoras de primeiro mandato. Na primeira metade da legislatura, a gente cumpriu um processo de entendimento e aprendizagem do mandato de vereador. Aprendemos como fiscalizar os recursos públicos e acompanhar de perto as ações da gestão municipal. Nós já encontramos contratos absurdos que envolvem grande volume de recursos e passamos de forma mais atenta. O que eu já posso dizer é que a gente vai continuar firme, fiscalizando e cobrando do Poder Executivo. Também vamos cobrar as instituições responsáveis pela fiscalização do bem público, como é o caso do Ministério Público, Tribunal de Contas e da própria Câmara Municipal.

 

Esses órgãos que a senhora citou não estão fiscalizando ou investigando casos suspeitos da gestão municipal?

A gente fica se perguntando, por exemplo, como o Ministério Público não vê situações de contratos da Prefeitura de Mossoró que salta aos olhos da sociedade. A gente entende que tem alguma coisa errada ali. A gente precisa que esses órgãos de controle estejam mais atentos para o que está acontecendo em Mossoró. Nós estamos falando do dinheiro que pode ser usado para melhorar a vida das pessoas. Eu não posso achar que é natural a Prefeitura de Mossoró fazer um contrato de 13 milhões de reais com um buffet sem saber onde esse buffet vai prestar esse serviço. Os vereadores governistas disseram na Câmara Municipal que a alimentação vai para as Unidades Básicas de Saúde (UBSs), mas é mentira. As UBSs não fornecem alimentação. Tem também os contratos de obras que estão constantemente sendo aditivados. Praticamente, todos os contratos têm aditivos. Isso chama muito atenção. É muita coisa para se questionar e nós estamos buscando os meios para fazer isso. Não temos medo nenhum de fazer as denúncias que forem necessárias. Vamos denunciar o que tiver errado na gestão, porque é nosso dever defender o direito das pessoas. É para isso que eu sou vereadora, representando o povo. O prefeito pode continuar colocando o seu exército nas redes sociais para dizer que tudo está perfeito, mas eu vou continuar mostrando a realidade.

 

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AUTOR

César Santos é jornalista desde 1982. Nasceu em Janduís (RN), em 1964. Trabalhou nas rádios AM Difusora e Libertadora (repórter esportivo e de economia), jornais O Mossoroense (editor de política no final dos anos 1980) e Gazeta do Oeste (editor-chefe e diretor de redação entre os anos 1991 e 2000) e Jornal de Fato (apartir dos anos 2000), além de comentarista da Rádio FM Santa Clara - 105,1 (de 2003 a 2011). É fundador e diretor presidente da Santos Editora de Jornais Ltda., do Jornal de Fato, Revista Contexto e do portal www.defato.com.

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