Por César Santos – Jornal de Fato
Não poderia ter sido mais lamentável o discurso de despedida do vereador Naldo Feitosa (PSC) da Câmara Municipal de Mossoró, nesta quarta-feira, 24. Com o mandato cassado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), por uso de candidaturas “laranjas”, ele culpou as mulheres para se declarar inocente e defendeu mudança na lei que reserva 30% de cota gênero nas eleições proporcionais.
“Não é para ser obrigado mulher ser candidata; é se ela quer ser candidata, vai ser”, afirmou, para sequenciar: “Os homens estão pagando pelas mulheres”. Feitosa disse mais: “Estou pagando uma coisa que não é minha, a minha equipe, o meu povo, o meu sonho, o sonho de várias pessoas que estiveram com a gente. Se existe uma vítima nessa história, sou eu.”
A fala agressiva do vereador cassado não foi isolada e ganhou apoio do novo vereador Marrom Lanches (DC): “Se vocês quiserem, porque é mulher, eu vou vir de saia, vou botar um batonzinho, uma peruca e continuar trabalhando”, atacou, em um ambiente onde existem apenas duas mulheres entre os 23 mandatos que compõem a Câmara de Mossoró.
O discurso de Marrom foi surpreendente porque ele ganhou um mandato justamente beneficiado pela cota de gênero. É que o TSE anulou os votos da chapa do PSDB por uso de candidaturas fictícias de mulheres, inclusive, cassando o mandato da agora ex-vereadora Larissa Rosado. Esperava-se dele elogios à lei da cota de gênero, que o beneficiou com mandato.
Vereadora Marleide Cunha: "Falas preconceituosas não vão passar" (foto: Edilberto Barros / CMM)
A fala de Naldo e Marrom contra as mulheres provocou reações imediatas no plenário da Casa. A vereadora Marleide Cunha (PT) lamentou o que ela considerou “concepção rasa e limitada” e garantiu que “esse tipo de fala preconceituosa não vai passar”. Marleide afirmou que os partidos políticos vão ter que aceitar e respeitar a cota de gênero, porque ela é irreversível no processo de fortalecimento da luta da mulher na política.
“É inacreditável, nobre vereador, esse tipo de fala. Não cabe cultura machista, homofóbica, patriarcal, preconceituosa e racista. A política é um espaço de participação popular e de representação da sociedade. Não vamos aceitar a diminuição da condição de gênero, da importância da mulher”, reagiu Marleide.
A vereadora foi mais além ao usar as suas redes sociais: “No que depender do nosso mandato, das nossas vozes, sempre rebateremos estas falas e ações preconceituosas, seja vindo de quem for e no espaço que seja.”
Vereador Pablo Aires: "Somos um dos países que mais mata mulheres" (foto: Edilberto Barros / CMM)
O vereador Pablo Aires (PSB) também levantou voz contra a fala de Naldo Feitosa e Marrom Lanches: “Será que são as mulheres que não querem entrar na política ou será que nós precisamos aprofundar o debate para entendermos por que as mulheres não ocupam os seus espaços na política?”, questionou.
Pablo ressaltou os dados que envergonham a cultura da exceção no Brasil. “Somos um dos países que mais mata mulheres, que mais tem violência doméstica; somos um país onde a mulher é minoria no mercado de trabalho e tem os salários mais baixos mesmo ocupando a mesma função dos homens.”
O vereador também mostrou que os partidos políticos, os parlamentos, os tribunais de justiças são ocupados e comandados por homens, e ressaltou que é preciso debater, fazer o enfrentamento para mudar essa realidade.
Marrom Lanches: "Se vocês quiserem, porque é mulher, eu vou vir de saia"
Ao pedir mudança na cota de gênero, Naldo Feitosa questionou a eficácia da lei, fazendo referência ao caso da ex-vereadora Larissa Rosado, que perdeu o mandato por força da lei, mas que foi substituída por um homem, no caso, o vereador Marrom Lanches.
“Tiraram uma mulher e colocaram um homem, onde está a coerência, onde está a proteção das mulheres?”, questionou.
Naldo também procurou proteger os partidos, afirmando que as agremiações enfrentam dificuldades para preencher as vagas de mulheres nas chapas proporcionais. “Vai ficar difícil se a lei não for modificada”, afirmou.
Naldo Feitosa disse ser vítima no processo que levou à cassação do seu mandato. Em comparação, o vereador citou casos de corrupção de políticos no país que se beneficiam da impunidade. “Me mostrem a fraude que eu fiz, me mostrem as malas de dinheiro, mostrem o prejuízo que eu dei ao município, ao estado, ao país”, comentou.
Ozaniel Mesquita e Toni Cabelos serão confirmados nesta sexta-feira
A Justiça Eleitoral realiza nesta sexta-feira, 26, a retotalização dos votos que vai definir a nova formação da Câmara Municipal de Mossoró, em evento na 34ª Zona Eleitoral, no Fórum Celina Guimarães, às 10h.
A retotalização é consequência da anulação dos votos da chapa de vereador do PSC nas eleições municipais de 2020, que culminou com a cassação dos mandatos dos vereadores Lamarque Oliveira e Naldo Feitosa. As vagas serão preenchidas pelos ex-vereadores Ozaniel Mesquita (União Brasil) e Toni Cabelos (PP), que terminaram como suplentes nas últimas eleições municipais.
O PSC entrou com agravo regimental e pedido de efeito suspensivo da decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que cassou os mandatos dos vereadores Lamarque e Naldo. O relator do caso, ministro André Ramos Tavares, não acolheu o pedido de efeito suspensivo, com isso, mantendo o cumprimento da decisão monocrática de Carlos Horbach, que concluiu o seu mandato no TSE na semana passada.
Lamarque e Naldo não estão totalmente vencidos, uma vez que o julgamento do agravo ainda vai acontecer no plenário do TSE.
O caso
Em março de 2022, a juíza Giulliana Silveira de Souza, titular da 33ª Zona Eleitoral, cassou o mandato de Lamarque e Naldo, bem como de toda a chapa do PSC, e ainda determinou a anulação dos votos recebidos pela legenda nas eleições 2020. O motivo foi o uso de candidatas fictícias – “laranjas” – para burlar a cota mínima de gênero exigida por lei.
De acordo com os autos, o partido registrou 20 candidatos homens e 10 candidatas mulheres nas eleições de 2020. No entanto, pelo menos oito candidatas não teriam realizado atos de campanha, ou sequer pedido votos pelas redes sociais. Foram elas: Mariza Sousa da Silva Figueiredo, Lidiane Michele Pereira da Silva, Fernanda Dulce de Castro Caldas, Karolayne Inácio dos Santos Lima, Conceição Kaline Lima Silva, Nadja Micaelle Oliveira de Souza, Fabrícia Dantas da Silva e Jéssica Emanoele Vieira da Rocha.
Além disso, pelo menos seis delas apresentaram despesas de campanha padronizadas, com mesmos fornecedores e horários de pagamento. Duas das candidatas eram irmãs que moravam na mesma casa e outra é cunhada delas.
Em agosto de 2022, o TRE-RN reformou decisão de primeiro grau e manteve os mandatos dos vereadores Naldo Feitosa e Lamarque Oliveira. O placar foi apertado, 4 a 3, sendo necessário o “voto de minerva” do então presidente da Corte, desembargador Gilson Barbosa.
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César Santos é jornalista desde 1982. Nasceu em Janduís (RN), em 1964. Trabalhou nas rádios AM Difusora e Libertadora (repórter esportivo e de economia), jornais O Mossoroense (editor de política no final dos anos 1980) e Gazeta do Oeste (editor-chefe e diretor de redação entre os anos 1991 e 2000) e Jornal de Fato (apartir dos anos 2000), além de comentarista da Rádio FM Santa Clara - 105,1 (de 2003 a 2011). É fundador e diretor presidente da Santos Editora de Jornais Ltda., do Jornal de Fato, Revista Contexto e do portal www.defato.com.