O professor doutor Sueldo Câmara, dos quadros da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN), acaba de lançar o livro “Competitividade Empresarial – Influência da estratégia de inovação”. Trata-se de um estudo multicaso no setor supermercadista de Mossoró, a partir da entrada no mercado local de poderosos players internacionais. Ele mergulhou na pesquisa desde o fenômeno que ocorrera em Natal, no início da década de 90, com forte impacto no segmento de supermercados. O conteúdo – quantiqualitativo – é ancorado na teoria do desenvolvimento econômico de Schumpeter e no modelo porteriano de análise da estrutura da indústria, e discorre sobre as estratégias das redes locais para enfrentamento das gigantes estrangeiras.
José Sueldo Câmara Ferreira, graduado em Ciências Contábeis pela Uern, mestre e doutor em Administração pela Universidade Católica do Paraná, tomou o “Cafezinho com César Santos” na redação do Jornal de Fato, quando apresentou profundo conhecimento do fenômeno que fortaleceu o segmento supermercadista de Mossoró, sem fechar portas para a chegada de poderosos players. Leia a entrevista:
O senhor relata no seu livro que 2008 foi um divisor de águas no universo empresarial de Mossoró com a chegada de gigantes do atacarejo. Como esse fenômeno impactou a economia local e regional?
O setor supermercadista é fundamental para a economia nacional, faturou em 2022 quase 700 bilhões de reais, é responsável por 7% do Produto Interno Bruto (PIB) e gera mais de 3 milhões de postos de trabalho. O setor é considerado um dos termômetros da economia; se esse segmento emite sinais de crescimento pode ser um indicador que a economia como um todo também cresce. Esses números por inferência, respeitando as devidas proporções, não será um equívoco deduzir que são semelhantes quando se trata de estados e municípios. Em 2008, o setor de supermercados de Mossoró apresentou um incremento substancial com a chegada das redes internacionais, foi um divisor de águas no sentido que alterou totalmente os padrões de competitividade vigentes, exigindo das redes locais a implantação de novos modelos de negócios e novas formas de competir.
É possível traçar um paralelo entre o antes e depois da chegada das novas redes?
A tese defendida na nossa pesquisa é que as organizações inseridas em setores de concorrência crescente se utilizam da estratégia da inovação para ganhar competitividade, ou seja, permanecer na arena competitiva e lutar por suas fatias de mercado. Apesar de uma rede local inaugurar o primeiro hipermercado da cidade em 2005, os movimentos inovativos pelas redes locais ainda eram incipientes e tímidos, esses movimentos se intensificaram com a chegada de novos entrantes e permanecem até hoje. Costumo dizer que o maior aprendizado das redes locais com o aumento da concorrência externa foi a implementação de uma cultura voltada para a inovação, e essa cultura será também o principal vetor de estratégias inovadoras para enfrentar outros desafios que certamente virão.
Quais foram os maiores impactos que os poderosos players causaram na economia e no comportamento da cidade?
No livro "Competitividade Empresarial", encontramos todas as reportagens e matérias sobre a inserção das marcas internacionais no mercado local. O momento era de euforia com a geração de novos empregos e renda para o município, mas também de apreensão a partir do momento que se questionava se as redes locais suportariam o impacto causado, principalmente, pelo poder de escala e vasto mix de produtos que atacarejos e hipermercados são capazes de dominar e, assim, oferecer mais alternativas de compras aos clientes com preços bem mais competitivos.
As redes gigantes têm muito poder de escala, principalmente quando vem no formato atacarejo, e isso impacta os preços. Como os grupos locais sobreviveram a esse fenômeno?
Verdade, uma das principais vantagens dos ganhos de escala, além das questões logísticas é exatamente a capacidade de oferecer aos consumidores preços atrativos sem comprometer tanto as margens e a capacidade de reinvestir do negócio. Além disso, o setor de supermercados trabalha com gêneros de primeira necessidade que pesam no orçamento das famílias tornando o preço um importante fator chave de sucesso nessa indústria, mas o preço por si só, muitas vezes não é determinante para se ganhar competitividade; os consumidores também valorizam outros aspectos como ambientação de loja, atendimento e relacionamento, comodidade, mix de produtos de acordo com a realidade local, tecnologia que favoreça os processos de compras na loja, delivery, etc.
Como os chamados “pequenos” podem enfrentar essa concorrência?
Apesar dos atacarejos se apresentarem hoje como um forte modelo de negócios no setor supermercadista, paradoxalmente, existe uma tendência de valorização por parte dos clientes por conveniência, serviços e comodidade, aspectos que os supermercados convencionais e menores demonstram competência para atender. Assim, a vantagem competitiva oriunda dos preços competitivos dos grandes atacarejos se arrefece e perde intensidade.
No início da década de 90, esse fenômeno ocorreu em Natal com a chegada da rede Carrefour. Muitos grupos locais desapareceram. Isso, de alguma forma, preparou Mossoró?
O fenômeno ocorreu em um contexto econômico diferente, marcado por inflação galopante. Nessa época, era quase inexistente o uso de cartão de crédito, os supermercados vendiam muito com cheque pré-datado, o que facilitava a inadimplência. Além disso, as redes da capital nesse contexto não apresentavam uma estratégia robusta, limitavam-se a guerras de preço e publicitárias, o que minava as margens e o capital de giro. Esses fatores associados à economia brasileira combalida deixou a maioria dos supermercados natalenses da época sem capacidade de competir, e a chegada do Carrefour foi apenas a “Pá de Cal”, pois sem nenhuma proposta de valor aos clientes, além de preços reduzidos, muitas vezes sem margens, não conseguiram suportar o impacto da rede internacional que não foi, exatamente, a causa do fechamento desses supermercados, mas também colaborou. Em Mossoró, os novos entrantes chegaram em uma época de estabilidade e prosperidade econômica e não apresentavam os mesmos problemas internos das redes da capital no início dos anos 90; tiveram fôlego para investir em inovações que impulsionam a capacidade de reagir aos novos players que estavam surgindo.
Como o senhor investigou o processo implementado pelas redes locais para se manter no mercado?
O livro tem como base a pesquisa realizada em nossa tese de Doutorado, foi uma pesquisa quantiqualitativa. Mensuramos o grau de competitividade do setor antes e depois da chegada das novas redes por meio de uma escala fundamentada no modelo porteriano de análise da estrutura da indústria; na parte qualitativa aplicamos entrevistas semiestruturadas e análise de grupo focal com diversos profissionais com vasta vivência no setor, Diretores, Executivos, Consultores de Empresas, Representantes Comerciais, Acadêmicos e membros de equipe das redes de supermercado para analisar as ações implementadas e classificar ou não como inovações de acordo com a fundamentação teórica da pesquisa.
O surgimento de uma Rede de supermercados de menor porte localizada nos bairros foi uma forma de manter preços competitivos no mercado?
Para os pequenos a única estratégia viável era o associativismo. A vantagem dos grandes grupos internacionais oriundos do seu poder de barganha nas compras com os fornecedores é algo avassalador para os pequenos supermercados. Sem o vínculo com uma rede associativista, a empresa de supermercado de pequeno ou médio porte enfrenta problemas para competir. A rede associativista local inovou fortemente nos aspectos logísticos e na eficiência dos processos operacionais. Foi o cerne da sua estratégia competitiva, aliada a uma maior aproximação com o público-alvo.
Mossoró continua recebendo novas redes como o Assaí Atacarejo. Essa concorrência vai impactar outros setores da economia?
Mossoró apresenta como característica principal o fato de ser um polo econômico da região oeste do estado e ainda engloba cidades do Vale do Jaguaribe, do vizinho estado do Ceará, concentrando assim em seu entorno 62 municípios que formam a mesorregião do oeste potiguar com população estimada em mais de 800.000 habitantes. Assim, é um município que será sempre visado pela capilaridade típica dos grandes conglomerados empresariais independente do setor, ou seja, certamente grandes redes de outros segmentos setoriais mais cedo ou mais tarde vão se instalar na cidade, incluindo o próprio setor supermercadista. O caminho para enfrentá-las passa pela criação de uma estratégia única por cada rede local, é necessário que as empresas locais identifiquem suas potencialidades e competências e saiba com clareza quem é o seu público-alvo e como essas competências podem ser valorizadas pelo seu público a ponto de pensar duas vezes antes de migrar e aderir aos novos entrantes.
As principais redes locais de supermercados têm estrutura para enfrentar os grandes conglomerados?
A fatia do setor supermercadista de Mossoró formada por empresas de origem local demonstrou ao longo desses anos forte capacidade de competir e de se reinventar. Cada uma delas conseguiu implementar uma estratégia robusta capaz de se diferenciar e atender às necessidades do seu público e segmentos de mercados que atendem, isto é, elas possuem modelos de negócios próprios e demonstram competência para reforçar esses posicionamentos. O cerne da estratégia de cada rede local para enfrentar os novos entrantes foi explorar as lacunas deixadas pelas redes internacionais em diversos fatores chaves, como inovações em mix de produtos, novos serviços, inserção de novas tecnologias com impactos na logística, eficiência operacional na compra pelo cliente, exploração de novos mercados e nichos, melhorias significativas na ambientação de loja e, principalmente, no relacionamento com os consumidores, investindo em melhorar a experiência e conveniência ao cliente.
Pode afirmar, então, que as redes locais encontram um caminho próprio?
Como diria o autor Michael Porter: “Estratégia é uma forma ímpar e valiosa da empresa se posicionar no mercado com um conjunto diverso de atividades diferentes dos concorrentes”. É bom lembrar que quanto mais as empresas de um determinado setor conseguem se fortalecer em conjunto, mais blindado o setor fica das ameaças externas; as redes locais de supermercado perceberam isso e não concorrem entre si de forma feroz com guerras publicitárias e de preços intensas como fizeram alguns supermercados da capital no início dos anos 90. Elas perceberam que a melhor forma de competir seria encontrar um caminho próprio, encontrar e consolidar um posicionamento. Outras empresas de outros setores que podem sofrer ameaças de novos entrantes precisam seguir esse exemplo para fortalecer o setor e se blindar em relação à concorrência externa.
Por fim, como essa competitividade beneficia o consumidor final?
O aumento das alternativas, de certa forma, aumenta o poder de barganha dos clientes, que passam a ficar mais exigentes e com isso podem se beneficiar não somente com preços mais atrativos, mas, sobretudo, com mais serviços oferecidos pelas empresas do setor. É necessário que as empresas percebam que gerar conveniência, praticidade, comodidade, relacionamento e economia de tempo e trabalho para o cliente também pode gerar vantagens competitivas; sem isso, é aderir às guerras publicitárias e de preços o que já se provou serem estratégias contraproducentes. Estratégia são escolhas. É necessário identificar as competências da empresa e escolher os melhores caminhos e meios de competir e se fortalecer.
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César Santos é jornalista desde 1982. Nasceu em Janduís (RN), em 1964. Trabalhou nas rádios AM Difusora e Libertadora (repórter esportivo e de economia), jornais O Mossoroense (editor de política no final dos anos 1980) e Gazeta do Oeste (editor-chefe e diretor de redação entre os anos 1991 e 2000) e Jornal de Fato (apartir dos anos 2000), além de comentarista da Rádio FM Santa Clara - 105,1 (de 2003 a 2011). É fundador e diretor presidente da Santos Editora de Jornais Ltda., do Jornal de Fato, Revista Contexto e do portal www.defato.com.