Segunda-Feira, 18 de novembro de 2024

Postado às 10h15 | 26 Nov 2023 | Dom Mariano: 'Deus, às vezes, fala de tantas maneiras; aqui ele nos abençoou”

Crédito da foto: Jornal de Fato Dom Mariano Manzana, na Cúria Diocesana de Mossoró

Dom Mariano Manzana chegou à Diocese Santa Luzia de Mossoró em 1977, como missionário, assumiu a Paróquia Sagrado Coração de Jesus, em Umarizal, na região do Alto Oeste. Ficou até 1993, quando retornou para Itália, onde assumiu a Casa Diocesana do Clero da Diocese de Trento. Em 2004, ele foi nomeado o sexto bispo de Mossoró pelo papa João Paulo II.

Em 17 de outubro de 2004, dom Mariano começa o serviço episcopal na maior Diocese do interior do RN, com o lema: ‘Christus ad Gentes’, que em latim significa ‘Cristo para todos’. Quase duas décadas depois, em 13 de outubro de 2022, o religioso apresentou a carta de renúncia ao completar 75 anos de vida. Esta é idade limite para um bispo seguir no cargo.

A carta renúncia foi acatada pelo Papa Francisco, que elegeu o sucessor há dez dias: Dom Francisco de Sales Alencar Batista, que era bispo da cidade de Cajazeiras, no sertão da Paraíba.

Dom Mariano Manzana nos recebeu na Cúria Diocesana para o “Cafezinho com César Santos”. Conversa longa, nem seria diferente. É a nossa primeira entrevista com o religioso desde que ele assumiu a Diocese de Mossoró há quase 20 anos. Ele abriu o seu coração nessa entrevista. Vamos apresentar a primeira parte dela, com destaque para três objetivos que nortearam o seu serviço episcopal. A segunda parte da entrevista será publicada na Revista de Santa Luzia, que o Jornal de Fato lança todos os anos durante a festa da padroeira de Mossoró.

O Senhor assumiu a Diocese de Mossoró com o lema “Cristo para Todos”. Quase vinte anos depois, pode-se afirmar que essa missão está cumprida?

Eu penso que a única coisa que eu posso dizer é que Deus realmente abençoou esse projeto, esse lema, fez com que eu conseguisse realmente realizar e vou explicar: eu vim porque a Diocese de Mossoró estava passando uma grande crise. O meu bispo lá de Trento, logo depois do Concílio, visitou os missionários da nossa Diocese no mundo inteiro; dedicou dois anos, claro, no período de férias dele, um mês e meio cada ano, no Verão, julho e agosto, visitou a África Francófona e depois a África Anglófona. Depois, veio para a América do Sul, visitou um ano todo o Brasil; no segundo ano, visitou a parte espanhola e quando ele, por exemplo, passou em Cajazeiras que tinha cinco, seis padres da minha Diocese lá de Trento, quem ajudava naquela época era Dom Zacarias, um padre nosso acompanhou ele para Recife e do aeroporto deixou-lhe esperando, foi no lar sacerdotal de Conte Boa Vista para tomar banho, fazer a refeição e voltar para Cajazeiras. Ele encontrou Dom Gentil e Dom Gentil perguntou: ‘o que você faz aqui?’ Ah, bispo, acompanhei o bispo de Trento no aeroporto e agora volto para Cajazeiras. Dom Gentil se mandou; lá, foi ao bispo, encontrou logo esses dois urubus (rsrs). Esse de preto que ali perguntou: pediu padres – Na Itália, as coisas são pequeninas, numa hora, duas passa três dioceses pelas estradas bonitas – E disse: ‘eu poderia visitar a sua diocese? Aí Dom Gentil disse: a minha diocese é a 800 km daqui’. Aí ele botou na cabeça, eu era seminarista de teologia, chegou lá e disse: ‘um bispo do Brasil fez 800 km para me pedir padres; se eu não mando padres eu vou para o inferno. Vão. Para vocês é sinal verde. Se alguém quer ir ao Brasil pode pedir que é sinal verde.

 

O senhor pediu o sinal verde?

Viemos eu, padre Valter, padre Dálio, padre Zezinho e viemos para ajudar. Agora veja, eu cheguei aqui 47 anos atrás, fiquei 15 anos em Umarizal. Depois, saí porque meu bispo me chamou de volta para a Itália, e Dom José Freire, com que eu tinha uma boa relação porque acompanhava-nos no tempo dele e os seminaristas, ele pediu ao Papa para que fosse o seu sucessor. Por isso eu vim, depois de 11 anos que estava na Itália, voltei e nunca pensava de voltar para o Brasil, voltei como bispo, sucedendo a Dom José. Eu acompanhava com Dom José os seminaristas naquela época. Esse fato me fez entender que eu, estrangeiro, vindo ajudar a Diocese de Mossoró a caminhar com os seus próprios passos, encontrei vocações e aqui realmente pude passar 50 anos, mas, claro, chega sempre o dia de sair.

Ao olhar para esse tempo que senhor viveu, é possível visualizar ação que fortaleceu o alicerce da Diocese de Mossoró?

Com Dom José Freire eu fiz algumas coisas. Inventei de abrir o seminário maior. Acho que foi um gesto que fez com que, para não ter padres pouco preparados, mandamos abrir um curso de Teologia, reconhecido pelo Ministério da Educação, que foi o início da nossa Faculdade Católica. Isso fez com que tivesse que mandar professores para o seminário, para a Faculdade de Teologia e despertou dentro da Diocese um movimento vocacional, despertou uma preparação, a presença dos seminaristas nas paróquias com estilo novo. Perguntavam aos jovens o que faz vestido de branco, por que ele foi? aí Deus, às vezes, fala de tantas maneiras. O fato é que o seminário realmente cresceu, ficou sério, ficou um seminário realmente até sustentado por uma boa teologia e hoje ordenei 56 padres. No terminar dos meus dias, a Diocese de Mossoró agora manda dois padres para o Amazonas. Por isso anunciei no 1º de outubro que dois dos nossos padres, padres bons, vão para ajudar a outra Diocese. Deus deu a graça, nesses anos, de modificar em certo sentido a Diocese, e hoje a Diocese se encontra preparada, com boas condições. Mas, muito recebemos de fora desde que aqui chegamos. Por exemplo, a Diocese de Caicó, em 15 anos, de 2004, quando eu cheguei, a 2018, mandou aqui no Alto Oeste nove padres e dois diáconos, que pegaram a Paróquia de São Miguel, formada por São Miguel, Doutor Coronel João Pessoa e Venha-Ver; a Paróquia de Encanto, com Encanto e Doutor Severiano; a Paróquia Marcelino Vieira com Marcelino e Tenente Ananias. Agora, depois em 2018, temos outra realidade. Como disse o Dom Freire, dar a volta por cima e podemos ajudar. Por isso, sinto que Deus realmente nos abençoou.

 

O senhor, ao apresentar a carta de renúncia em outubro do ano passado, apresentou três objetivos que nortearam o seu serviço episcopal. Vamos dissecar cada um deles: o primeiro foi impregnar com espírito pastoral, ordinário da diocese de Mossoró. O que significa?

Eu era missionário, eu vinha de fora e eu acho que a substância, o essencial da igreja é de ser missionária; afinal, a igreja existiu, Jesus a fundou para levar ao coração de todo homem a sua mensagem, sobretudo, o seu perdão porque, afinal, Jesus veio, salvou a humanidade, deu a graça da vida nova, perdida pelo pecado, deu o perdão e deu a alegria de ser filho, de viver como filho de Deus. Essa é a missão, por isso é uma missão missionária. O meu primeiro objetivo era querer que a Diocese sentisse esse espírito missionário. Eu tive a felicidade de chegar aqui quando a Diocese começava pensar nas santas missões populares. Eu abracei, tomei a sério e três momentos marcaram esses quase 20 anos de trabalho: as santas missões populares que fizeram com que as paróquias despertassem e não fossem só fechadas sem si, mas se abrissem aos outros; depois foi a visita pastoral que durou também três, quatro anos, eu visitei toda a Diocese, comunidade por comunidade onde até não tinha capelas, e como uma certa preparação da comunidade. A comunidade devia se reunir antes de receber o bispo, contar a própria história, dizer como está organizada, o que tinha dentro da comunidade, por isso foi uma visita em todos os cantos, não teve um lugar aonde o bispo não chegava. Chegava, às vezes reunia na pequena escola do município porque ali ainda não tinha capela, mas despertava a vontade de ter uma capelinha. O bispo começava com o sinal de Cruz, rezava 20 Espírito Santo, depois dizia um pouco a figura do pastor que conhece, que dá a vida, que procura até aquelas pessoas afastadas e depois pergunta: ‘como é que vocês vivem aqui?’. Aí começava o povo a contar a sua história: ‘essa Capelinha foi fulano de tal que deu o terreno, construímos em mutirão, um deu a estátua, outro deu já outra coisa’. Hoje como é que vocês estão organizados, tendo o terço dos homens, tendo a Catequese, tendo a liturgia todo domingo nos encontramos aqui, é uma festa quando a gente se encontra e, por isso, foi realmente um momento em que o bispo conheceu a diocese inteira, mas também o povo conheceu o pastor. Eu acho que se transformou um pouco o sentido missionário da Santa Luzia. Penso na pré-festa até de Santa Luzia da Catedral, a imagem sai em todo o canto, aonde chega é acolhida, o momento de oração, momento que todo mundo revive um pouco a fé, pede até, às vezes, a saúde dos olhos à Santa Luzia. Mas, penso, sobretudo, que é um pouco fácil organizar como Catedral. Agora, nas comunidades do interior, uma paróquia que faz como a de São Miguel, dois meses de pré-festa e a cada dia chega num sítio, não é tão fácil. São Miguel tem três padres hoje, pensa que abundância ter três padres! eles se revezam: um padre passa o dia inteiro naquele sítio, confessa os idosos, dá o óleo santo aos doentes, visita às casas, vai com uma equipe da paróquia, como isso aqui modificou realmente a Diocese nesse sentido missionário.

O segundo aspecto é união para formação presbiteral...

É, o segundo aspecto acho que é a continuação de uma característica que sempre marcou a nossa Diocese. Fiz um estágio no Colégio Diocesano com padre Sátiro Cavalcanti Dantas, no auge do seu ministério e quando ele realmente viveu o sacerdócio como uma dedicação completa à educação. Por isso, e nesse sentido, que a gente não inventa nada, mas se coloca dentro de uma longa tradição e sensibilidade da Diocese de Mossoró para a educação. Por exemplo, eu senti que Diocese precisava ter padres. Por uma má interpretação do concílio a Diocese perdeu quase metade dos padres nos anos quando terminou o concílio, de 1965 a 1975 perdeu a metade dos padres. Muitos padres se casaram, saíram da Diocese e foram embora. Por isso, essa preocupação de Dom Gentil de ir buscar ajuda em outras Dioceses para não deixar as paróquias sem padres. Quando eu mesmo vim, podia escolher entre duas ou três paróquias que estavam sem padre. “Você quer ir lá, quer ir lá”...  é sinal, realmente, preocupante para uma igreja que não tem o seu pastor à frente. Nesse sentido, olhei muito o exemplo de Dom Heitor que quando foi nomeado bispo de Caicó, lá tinha apenas nove padres e se viu quase desesperado. Dom Eugênio, que era Cardeal do Rio de Janeiro, disse: ‘olhe, se tiver jovens que querem estudar mande para cá. Você paga a passagem, aqui estuda de graça, depois volta como padre’. Quando eu cheguei aqui, a Diocese de Caicó tinha o triplo de padres de Mossoró, aí eu que sempre olhei os exemplos dos outros aqui pertinho e disse: ‘eu não tenho um irmão bispo, não poderia abrir o seminário. Foi ali que nasceu a ideia de abrir um seminário aqui. Eu aproveitei a Faculdade de Filosofia na Uern (Universidade do Estado do Rio Grande do Norte), para abrir o caminho. Cada padre faz filosofia e teologia, e num certo sentido, a filosofia expressa o que ao longo de milênios a humanidade pensou sobre as grandes interrogações: ‘quem sou eu?’ ‘De onde venho?’, por onde vou?’, ‘que sentido tem na morte?’, ‘existe Deus?’. Afinal, a filosofia é o que o povo ao longo de três mil anos pensou sobre essas perguntas que entram no coração do homem. A teologia é o que Deus revelou. Nós entramos no Ministério da Educação por ter a necessidade de preparar professores; hoje nós temos nota 5 no curso de Teologia. Eu era preocupado de não fazer um seminário que depois dissesse: ‘nós somos padres de segunda categoria’. Os mais velhos foram estudar em Roma, foram a Recife (PE), foram a Fortaleza (CE), foram no Sul. Monsenhor Américo estudou em São Leopoldo do Sul, padre Sátiro também, depois foram para Roma. E a minha preocupação era que não fosse padre sem um alicerce, um fundamento filosófico, teológico, uma capacidade de pensar, de enfrentar, realmente, os problemas de hoje. Nesse sentido também eu tenho que agradecer a Deus. Abençoou demais.

 

O terceiro objetivo é autossustentabilidade econômica da diocese. Esse objetivo foi alcançado?

Eu penso que, às vezes, o povo diz: por que dinheiro para a igreja? Santo não come. É verdade. Quantas vezes essa frase eu escutei até em Umarizal, quando eu era vigário de lá. Agora é verdade, Santo não come, mas a igreja para levar à frente o seu trabalho precisa de estruturas, precisa de pessoal, precisa de coisas. Tudo isso necessita de dinheiro.  Por isso que sempre quando eu explico aos seminaristas, digo: os fins da igreja, a finalidade primária é espiritual, é anunciar a palavra de Deus, é transmitir o perdão de Deus, é aproximar os homens a uma experiência de Deus. A igreja existe para isso. Porém, para alcançar isso, precisa também de meios. A igreja precisa de um lugar para o povo rezar. Precisa de um salão para catequese, para encontro. Precisa de um carro para visitar as capelas que são longe, precisa o padre comer, precisa de um dinheirinho para ter um secretário ou sacristão para mantê-lo dentro dos padrões da lei, sem fazer injustiça, pois pagar o que é justo. Tudo isto que, além da finalidade primária tenha também atividade meio. Por isso que a igreja insiste em pouco no dízimo, nas festas do padroeiro que tem como também juntar alguma coisinha. Hoje, eu entendo a igreja como uma família: se o que entra não sustenta as despesas, cedo ou tarde a família acaba debaixo da ponte, aí no rio Mossoró. A mesma coisa é a igreja: se o que entra não sustenta, se começa somente a vender patrimônio, a alienar a coisa, se não se administra bem o que o pouco por vez os séculos deram na mão da igreja pela atuação, pela piedade, pela generosidade, aí acaba que um dia a igreja tem dificuldade.

 

Como foi construída a autossustentabilidade econômica da Diocese?

Procuramos matar a sede com a água do próprio poço. Tinha um grande espaço no Palácio Episcopal, investimos para criar lojinhas; outro terreno nosso comecei a organizar as paróquias porque todas elas contribuem para a vida da Diocese. Hoje nós entregamos uma Diocese que vive dos próprios recursos, que investe no seminário. Quem tem um filho que faz faculdade, sabe o quanto gasta. Imagine o bispo com mais de 40 seminaristas, pagando faculdade, pagando despesas de comida, de tudo; o seminário é a maior despesa da diocese. Mas aí realmente eu entendo que, um pouco por vez, controlando as despesas, aumentando os investimentos nas coisas, hoje a igreja vive dos seus recursos, aproveita bem dos meios que tem, a festa do padroeiro, as coletas, tudo são bem controlados. A igreja de Mossoró se sustenta, que é uma coisa a meu ver muito positiva. A igreja é chamada também a ajudar aos outros. Eu sempre explico aos seminaristas, quando os últimos anos faço esse encontro com eles para se tornarem padres, que quatro motivos justificam a igreja possuir, ter bens e dinheiro. Primeiro, o culto a Deus. Quando nós gastamos na reforma da Catedral é para que seja acolhedora, para que seja lugar agradável para rezar. Precisamos para o sustento ao culto de Deus. Segundo, precisamos de dinheiro para sustentar as pessoas que trabalham para a igreja em tempo pleno e dentro das leis. Cada paróquia tem um sacristão, um secretário, uma cozinheira, e tudo isso deve ser sustentado de acordo com a lei, porque eu digo que uma boa administração não é aquela que faz enrolada ou dá um jeitinho de tudo, é aquela que respeita para viver tranquilamente as leis do país. Terceiro, a formação. Afinal, o seminário faz parte da formação. A formação contínua dos padres que mandamos para Roma. Imagine quanto custa um padre que vai para Roma três, quatro anos, fora colégios caros, faculdades caras, ambiente, viagem. E, quarto, não por último, o sustento aos pobres. A igreja é chamada a viver em primeira pessoa a caridade.

 

Dom Mariano, nós tivemos, certamente, a maior crise sanitária do último século, a Covid-19. Isso impactou todos os segmentos da sociedade, e na Igreja não foi diferente. Como a diocese de Mossoró enfrentou essa crise e como saiu dela?

Eu diria que as dificuldades nem sempre bloqueia, mas ela se torna oportunidade para crescer. Por isso a igreja entrou de cheio apoiando todas as medidas cautelares, as medidas determinadas pela Vigilância Sanitária e nós sempre obedecemos. Agora, ela deu à igreja, por exemplo, em algum campo, tipo a comunicação, a possibilidade de um pulo pra frente. Nunca as nossas igrejas eram preparadas para comunicar. Hoje todas transmitem a missa, até nas pequenas comunidades do interior, se chega lá para celebrar a crisma, e a crisma é transmitida da torre para a internet, às comunidades, às casas que não podem vir. Foi um pulo, em certo sentido, de investimento, de preparação, e também para a igreja de incluir. Muitos jovens se engajaram, entraram com entusiasmo na igreja, transformaram a comunicação da igreja, tornaram-se protagonistas em muitos cantos. Por isso, em certo sentido, a pandemia foi superada na comunicação, por exemplo, eu nunca celebrava na Catedral porque no início era Dom Freire que continuou, depois eu era sempre ocupado no interior visitando as paróquias. Foi um momento em que os padres disseram: ‘não, vamos fazer a voz do bispo que fala, que transmite. ’ As paróquias na mesma hora transmitem a missa que o bispo celebra. Foi uma experiência nova, de celebrar, de entrar nesse mundo da comunicação. Porém, eu acho que ali nós entendemos como as dificuldades quando são bem acolhidas na vida de cada um de nós, torna-se oportunidade para crescer. A igreja cresceu na comunicação, cresceu na importância de se fazer ouvir, de se tornar anunciadora que, afinal, é a essência da igreja. A igreja nasceu para comunicar. Aqui aprendeu a comunicar também por meio dos meios virtuais.

 

Dom Mariano, sobre o novo bispo, o senhor falou que quando foi eleito pelo Papa houve um pedido de Dom Freire ao nome do senhor. O senhor teve alguma participação, foi ouvido em relação ao novo bispo que está chegando à diocese de Mossoró?

A escolha de um bispo não é uma coisa que cai do céu. Na realidade, é um processo que eu acho muito democrático, é um processo que justifica, por exemplo, a presença da ancietura em cada país, porque, afinal, o maior trabalho do anúncio é procurar em nome do Papa alguém para colocar à frente das várias igrejas o Brasil. São 278 círculos eclesiásticas e que significa que dentro do arco de vinte anos todas são renovadas. E como começa esse processo? O bispo que termina o seu mandato ou que é mudado para outro canto, a primeira coisa que lhes pede é um quadro, uma foto em branco e preto da Diocese, como é feita fisicamente, quais são os seus habitantes, os seus limites, como são constituídas por seus padres, coisas, paróquias, tudo. E a pergunta mais importante: quais as potencialidades de uma igreja e também os limites da igreja? Diante desse quadro, quem seria o perfil do novo bispo? Como poderia ser o novo bispo? Depois de tudo isso, que já é um bom trabalho, sugiro o nome, em ordem, justificando por quê. Na minha justificativa, que é bem clara depois de toda essa conversa era: nós temos um seminário maior. Não são tantas dioceses, às vezes, é só na capital, por isso seria importante que o bispo tivesse um olhar de carinho por aqueles que serão amanhã seus maiores colaboradores, diretos colaboradores. Segundo, nós temos um curso de teologia, por isso um olhar para que a teologia continue um ensinamento da igreja, não se torne uma fantasia e distinguir bem claro o que é o ensinamento da igreja, o que é possibilidade de pensar, de rever ou de colocar e, com isso, saiba distinguir o que se transmite do que, às vezes, se pensa. Terceiro, nós temos particular sensibilidade para a educação: o Colégio Diocesano, o Colégio das Irmãs, o Colégio em Assú, em tanto canto. O fato é que por vir um bispo destaca que Mossoró tem uma diocese que começa a ficar em destaque. É o que o anúncio disse, apresentando o novo bispo: ‘olhe, espero que realmente Dom Francisco possa dar continuidade a um trabalho que veio sendo feito nesses últimos anos e que faz com que também outras dioceses olhem com olhar de simpatia para Mossoró.’

 

Dom Francisco que está chegando, vai ser o primeiro bispo de ordem religiosa que a diocese de Mossoró vai ter, a ordem dos Carmelitas, e os Carmelitas chegaram antes da capela em Santa Luzia, ou seja, é a primeira presença religiosa em Mossoró. Pode ser dito que a eleição de Dom Francisco é emblemática?

Eu acho que isso não foi o motivo da escolha, porque, às vezes, são outros elementos que pesa, porém, é uma boa oportunidade. Aqui nós temos em Melancias uma capela de Nossa Senhora do Carmo – a primeira, inclusive, a padroeira da Nova Mossoró, uma igreja que está começando a surgir em uma comunidade muito grande em que agora iremos colocar um padre, como área missionária da paróquia de São José. Não é ainda uma paróquia autônoma, mas é uma área missionária com um padre que reside lá; falam que tem mais de 2.070 casas, seguramente, pode ser um elemento de acolhida de festa e também de indicação. Lá na comunidade do Carmo foi a primeira capela de Mossoró. Hoje a capela é renovada, é nova, mas lá ainda existem aqueles resquícios, uns escombros ainda da moradia dos Carmelitas que vieram, obviamente, através do rio de Mossoró e não vieram pelo interior, porque, naquela época, as primeiras comunidades eram feitas através dos rios. Assú mesmo, que é a paróquia mais antiga, no frontispício da igreja, lá na frente da igreja tem 1726; daqui a três anos a paróquia será tricentenária e ela veio pelo rio Assú. Por isso aqui também entraram pelo Rio Upanema/Carmo. Claro que as comunidades indígenas mais antigas se referem ao lugar onde tinha água. De fato, são: 1756 em Pau dos Ferros; a bica de Portalegre em 1764, a lagoa de Apodi em 1766.

Dom Mariano, da paróquia de São Pio X, em Trento na Itália, onde o senhor se tornou padre até os dias atuais como bispo diocesano, qual a construção humana espiritual se tornou Mariano Manzana?

Cada um de nós é fruto de uma longa caminhada. Acho que seria, seguramente, um grande erro não partir da família; na família é onde a pessoa nasce, cresce, respira, chupa com o leite materno o clima de fé e que se manifesta, no meu caso, também, na ida ao seminário e na primeira experiência pastoral em São Pio X, em Trento. Na periferia, quando eu fui lá, não tinha igreja, por isso o bispo mandou: “você quer ir ao mundo, comece aqui a ver o que o mundo necessita; o mundo necessita de espírito missionário a partir da própria casa”. Seguramente, aquela experiência me ajudou muito, porque não tendo igreja numa periferia de cidade na Europa significa encontrar aquilo que eu dizia, a força no relacionamento humano, a força em fazer com que as dificuldades se tornem motivo de encontro, em motivo positivo. E seguramente aqui no Brasil todos os caminhos só tiveram continuidade. Eu fiquei 17 anos em Umarizal, foi uma experiência muito bonita, inclusive, de comunidade com as irmãs lá. Eu vivia com três irmãs franciscanas dedicadas à paróquia e que me ajudou naqueles 11 anos que passei, quase sempre com uma mala na mão, visitando os missionários da minha diocese. Eu visitei 66 países, da China ao Peru, 25 países da África e lá aprendi o que é essencial para a igreja viver; lá me deu a percepção, foi quase uma escola para entender o que realmente é essencial para a igreja. Às vezes, nós nos apegamos a coisas secundárias. Hoje vejo também quanto posiciona o Papa por questões de um livro, de um rito, de uma coisa, de um vestido, de uma coisa que são periféricas, hoje o importante é ir ao essencial das coisas. E aí eu sempre me refiro ao que eu estudava na teologia, a espiritualidade de Santo Agostinho no que é essencial ao cuidado; no resto, a liberdade. Se eu quero tirar a camisa azul, que não é nem importante, se eu quero vestir a branca, visto a branca. Em tudo a caridade. Veja como é bonito Santo Agostinho: ‘no essencial, a unidade; no resto, a liberdade dos filhos de Deus. Em tudo a caridade. ’ O caminho foi de perceber o que na igreja é realmente essencial. A meu ver, algumas escolhas foram feitas para pegar o que é núcleo da igreja: uma boa preparação dos padres, que as comunidades sejam missionárias, que não sejam olhando para si, mas para o lugar. Eu acho que aquela imagem de Paulo, de Papa Francisco, uma igreja em saída quase estava no DNA da gente, através de todas essas etapas. Da Itália para cá, no momento de Trento para o mundo, naqueles 11 anos que passei na Itália, que foi se concretizar aqui algumas coisas: viver perto do povo, ter o contato. Ou a igreja é uma comunidade que caminha e o pastor está no meio, ou ela não é a igreja de Jesus. O exemplo de Jesus foi quem ajudou aos seus apóstolos caminhando no meio do mundo, ensinando o caminho. Por isso essa ideia de uma igreja em saída que não é voltada, mas que a serviço, também, dentro da comunidade em que vive. Veja quantas coisas a igreja de Mossoró desde tantos tempos vive na comunidade!

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César Santos é jornalista desde 1982. Nasceu em Janduís (RN), em 1964. Trabalhou nas rádios AM Difusora e Libertadora (repórter esportivo e de economia), jornais O Mossoroense (editor de política no final dos anos 1980) e Gazeta do Oeste (editor-chefe e diretor de redação entre os anos 1991 e 2000) e Jornal de Fato (apartir dos anos 2000), além de comentarista da Rádio FM Santa Clara - 105,1 (de 2003 a 2011). É fundador e diretor presidente da Santos Editora de Jornais Ltda., do Jornal de Fato, Revista Contexto e do portal www.defato.com.

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