Por Thaís Herédia - CNN
A reforma tributária aprovada pelo Congresso Nacional pode promover uma mudança profunda no funcionamento da economia brasileira. Este prognóstico é consensual e se explica pelo simples fato de que o país vai se livrar do pior regime tributário do mundo.
A PEC 45, entretanto, conclui apenas a primeira etapa da transformação com a criação do novo modelo e a adoção do Imposto sobre Valor Agregado (IVA).
Já sabemos quem são os privilegiados, os especiais, aqueles que vão recolher menos impostos, até os que serão isentos. Sabemos também que a alíquota base dos dois impostos criados pela PEC 45, CBS e IBS, será muito alta, por volta de 27,5%, a mais alta do mundo.
Pelo menos por enquanto.
Importante ressaltar que o novo regime não cria um novo imposto. Os brasileiros já arcam com a carga tributária elevada que incide sobre o consumo.
O que vai mudar é a distribuição da cobrança, equilibrando a responsabilidade entre os setores produtivos e aumentando a transparência sobre quanto pagamos sobre produtos e serviços consumidos.
Agora começa a construção do sistema, ou seja, das regras e condições de funcionamento, cobrança, distribuição, definição das categorias de produtos e serviços.
As leis complementares vão definir, por exemplo, a composição dos produtos da cesta básica nacional, ou da lista dos produtos que serão tributados pelo Imposto Seletivo, que pretende inibir o consumo de produtos que fazem mal à saúde ou ao meio ambiente.
Se o modelo definido pela PEC 45 ficou longe do ideal e terminou formado por erros e excessos, é preciso redobrar a atenção com a próxima etapa.
Quanto mais eficiente, simples e direto for o regramento tributário, melhor o impacto na economia, na adaptação dos agentes econômicos e na arrecadação dos governos nas três esferas nacionais. O contrário disso terá o mesmo roteiro, só que na direção errada.
Durante a tramitação da legislação complementar em 2024 os grupos de interesse voltarão a atuar junto ao Congresso Nacional para defender seu quinhão e garantir benefícios.
O que faz parte do jogo democrático. Até porque, há espaço e atalhos para mais exceções e manutenção de distorções que a premissa da reforma tributária atacou. Desviar-se do objetivo de simplificação e ordenamento tributário do país pode custar caro.
O Brasil ocupa o primeiro lugar em quantidade de horas gastas para o cumprimento das obrigações com o fisco. E ainda assim falha, vide o tamanho do contencioso tributário do país, outro quesito que nos coloca no topo das listas globais.
A despesa das empresas com a estrutura necessária para lidar com o manicômio das leis também é recorde. A reforma aprovada agora lida com esse capítulo da história econômica do país.
A reforma já começou e não tem volta. O Brasil já passou tempo demais na contramão do mundo e perdeu a capacidade de inovar para escapar do caos.
A carga tributária vai seguir alta porque ela não é deste debate. Ela cabe na discussão sobre o custo do Estado brasileiro. Enquanto o setor público custar caro como é hoje, a carga de impostos terá que dar conta da fatura.
Entenda a reforma tributária em setepontos (por g1)
A proposta introduz o Imposto sobre o Valor Agregado (IVA) no sistema tributário nacional.
Segundo o texto, cinco impostos que existem hoje serão substituídos por dois IVAs:
▶️ Três tributos federais (PIS, Cofins e IPI) dão origem à Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), de competência federal;
▶️ ICMS (estadual) e o ISS (municipal) serão unificados no formato do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), com gestão compartilhada entre estados e municípios.
No modelo do IVA, os impostos não são cumulativos ao longo da cadeia de produção de um item.
Exemplo: quando o comerciante compra um sapato da fábrica, paga imposto somente sobre o valor que foi agregado na fábrica. Não paga, por exemplo, imposto sobre a matéria-prima que deu origem ao sapato – a fábrica já terá pagado quando adquiriu o material do produtor rural.
O valor do IVA ainda vai ser estipulado, em outra etapa, quando a PEC for regulamentada. A área econômica calcula que o percentual deverá ser algo em torno de 27,5% sobre o valor do produto, para manter a atual carga tributária do país -- nem aumentar nem diminuir.
Além disso, os impostos passarão a ser cobrados no destino final, onde o bem ou serviço será consumido, e não mais na origem.
Isso contribuiria para combater a chamada "guerra fiscal", nome dado à disputa entre os estados para que empresas se instalem em seus territórios, mediante a oferta de incentivo fiscais.
Cesta básica e 'cashback'
O texto mantém a criação de uma cesta básica nacional de alimentos isenta de tributos. Pela proposta, as alíquotas previstas para os IVAs federal e estadual e municipal serão reduzidas a zero para esses produtos.
Segundo a PEC, caberá a uma lei complementar definir quais serão os "produtos destinados à alimentação humana" que farão parte da cesta.
Durante a passagem pelo Senado, o relator na Casa, Eduardo Braga (MDB-AM), chegou a criar a possibilidade de uma "cesta básica estendida", com produtos que teriam tributação menor que a alíquota geral, mas não zero. O trecho, no entanto, foi removido quando a PEC voltou à Câmara.
O texto aprovado prevê a possibilidade de criação futura, por meio de lei complementar, do chamado “cashback”. O mecanismo prevê a devolução de impostos para um público determinado com o objetivo de reduzir as desigualdades de renda.
A Câmara manteve uma mudança do Senado que torna obrigatória a devolução no fornecimento de energia elétrica e compra do gás de cozinha a essa parcela da população.
Isenções
O parecer estabelece a possibilidade de isentar a cobrança dos IVAs sobre uma série de bens e tributos. As decisões serão tomadas em lei complementar e inclui alguns itens que já têm alíquota reduzida garantida (listados acima), mas podem vir a ficar isentos.
Poderão ficar isentos de cobrança:
Em seu parecer, Aguinaldo Ribeiro excluiu da possibilidade de isenção de tributos a aquisição de medicamentos e dispositivos médicos pela administração pública e entidades de assistência social. A previsão havia sido incluída pelo Senado.
De acordo com a proposta, a manutenção desses benefícios deverá ser reavaliada a cada 5 anos.
Maior eficiência e fim das distorções
Uma das distorções mais dispendiosas para a economia é o "passeio" de produtos pelo país, consequência das atuais regras tributárias.
Hoje, o ICMS, um imposto estadual, é cobrado na origem. Ou seja, onde os bens são produzidos.
Isso cria o chamado "crédito presumido" na saída de um produto de um estado para o outro, reduzindo o valor e ser pago em ICMS.
Por esse modelo, algumas empresas conseguem benefícios fiscais só pelo fato de os produtos passarem por determinados estados, mesmo que nenhuma entrega seja feita lá.
O resultado são caminhões circulando desnecessariamente pelas rodovias, desgastando o asfalto e poluindo o meio ambiente, encarecendo o custo total da economia brasileira.
Uma distorção maior ainda é quando as empresas apenas enviam as notas fiscais para obter o benefício fiscal, sem que os produtos sequer circulem pelos estados que concedem os benefícios.
"Para algumas empresas, a mercadoria vai para aquele estado e, de lá, vai para o destino final. Ou nem chega a ir, tem uma nota fiscal de saída daquele estado e daquele estado para outro. São operações triangulares, passa o produto por um determinado estado para ter algum benefício fiscal, que geralmente é um crédito presumido. Por isso chama passeio", explicou Melina Rocha, ex-consultora do Banco Mundial e especialista em IVA.
Além disso, cada estado pode definir sua alíquota, o que gera uma competição entre eles, a chamada guerra fiscal.
Com a reforma tributária, os impostos passarão a ser cobrados no destino final, onde o bem ou serviço será consumido, após um período de transição, e não mais na origem. Isso contribuiria para combater a chamada guerra fiscal.
Com o fim da guerra fiscal, a produção tende a ficar mais próxima dos locais de consumo com o passar do tempo. Entretanto, alguns bens ainda continuarão a ser feitos em locais mais distantes para manter, por exemplo, a Zona Franca de Manaus (ZFM). O local concentra a produção, por exemplo, de motos, smartphones, TVs, condicionadores de ar e notebooks.
No sistema atual, impostos são cobrados "por dentro" de outros tributos. Por exemplo, o ICMS estadual incide sobre o próprio ICMS e, também, sobre o PIS/Cofins.
Isso quer dizer que há impostos embutidos nos preços que servem de base para a cobrança outros tributos, o que aumenta o valor total dos bens e serviços e dificulta o cálculo do imposto que está sendo pago.
O secretário especial de reforma tributária do Ministério da Fazenda, Bernard Appy, explicou que apenas o Brasil, junto com a Bolívia, cobra imposto sobre o preço dos produtos e serviços "por dentro".
Com a reforma tributária, ficou definido que não haverá mais possibilidade de os tributos incidirem sobre os tributos.
A única exceção será o imposto seletivo, cobrado sobre bebidas alcoólicas, cigarros e extração de petróleo e minerais (para não criar distorções no mercado).
'Imposto do pecado'
A reforma prevê a criação de um Imposto Seletivo, de competência federal, sobre bens e serviços prejudiciais à saúde e ao meio ambiente — como cigarros e bebidas alcoólicas, por exemplo. Por isso, é apelidado de "imposto do pecado".
O objetivo é desestimular, por meio da cobrança extra, o consumo desse tipo de produto.
Armas e munição também seriam taxadas pelo "imposto do pecado". Mas esse trecho foi barrado pelos deputados na votação dos destaques (sugestões de alteração do texto) no segundo turno.
O tributo será cobrado em uma única fase da cadeia e não incidirá sobre exportações e operações com energia elétrica e telecomunicações.
Os detalhes da cobrança e dos produtos que serão desestimulados pelo imposto serão definidos posteriormente, em uma lei complementar.
Além do Imposto Seletivo, a proposta estabelece ainda a manutenção de estímulos fiscais para biocombustíveis, a fim de assegurar “tributação inferior à incidente sobre os combustíveis fósseis”.
Tributação da renda e do patrimônio
O texto mantém as alterações propostas na Câmara a respeito da cobrança de impostos sobre renda e patrimônio.
▶️ IPVA para jatinhos, iates e lanchas
Pelo sistema atual, esses veículos não pagam o tributo. O texto permite a cobrança do imposto nos estados e prevê a possibilidade de o imposto ser progressivo em razão do impacto ambiental do veículo.
A PEC traz exceções. Uma delas impede a cobrança do IPVA sobre aeronaves utilizadas em serviços agrícolas.
▶️ Tributação progressiva sobre heranças
O texto também estabelece uma cobrança progressiva do ITCMD (Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação), em razão do valor da herança ou da doação.
Pela proposta, a cobrança será feita no domicílio da pessoa falecida. A medida tem o objetivo de impedir que os herdeiros busquem locais com tributações menores para processar o inventário.
O projeto cria regra que permite cobrança sobre heranças no exterior.
O ITCMD não será cobrado sobre doações para instituições sem fins lucrativos “com finalidade de relevância pública e social, inclusive as organizações assistenciais e beneficentes de entidades religiosas e institutos científicos e tecnológicos”.
Remuneração de auditores
Os deputados aprovaram uma regra dentro da reforma tributária que permite a auditores municipais e estaduais terem o mesmo salário de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).
A regra foi aprovada em um destaque — sugestão pontual de alteração no texto — apresentado pelo bloco MDB, PSD, Republicanos e Podemos.
A remuneração dos ministros do STF, de R$ 41.650,92, é o teto do funcionalismo público e serve de referência para os vencimentos de juízes e desembargadores. A partir de 1º de fevereiro de 2025, os vencimentos serão de R$ 46.366,19. Esse será o teto para os auditores locais, cuja regra passará a valer a partir de 2027
O dispositivo aprovado, incluído durante a tramitação da PEC no Senado, iguala o limite remuneratório dos servidores federais aos servidores de administrações tributárias (auditores) de estados e municípios.
As alterações, no entanto, não são automáticas e dependem de aprovação de leis locais.
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César Santos é jornalista desde 1982. Nasceu em Janduís (RN), em 1964. Trabalhou nas rádios AM Difusora e Libertadora (repórter esportivo e de economia), jornais O Mossoroense (editor de política no final dos anos 1980) e Gazeta do Oeste (editor-chefe e diretor de redação entre os anos 1991 e 2000) e Jornal de Fato (apartir dos anos 2000), além de comentarista da Rádio FM Santa Clara - 105,1 (de 2003 a 2011). É fundador e diretor presidente da Santos Editora de Jornais Ltda., do Jornal de Fato, Revista Contexto e do portal www.defato.com.