Para permitir o pagamento de salários duplicado ao seu “braço direito” Kadson Eduardo, o prefeito Allyson Bezerra (União Brasil) promoveu mudança na legislação municipal, com apoio da bancada governista na Câmara, e afrontou claramente a Constituição Federal que, em seu artigo 37, veda acumulação remunerada de cargos públicos.
O caso veio a público quando setores da imprensa descobriram que Kadson Eduardo foi condenado à prisão por crime de falsificação de documentos públicos e que ele estava ilegalmente no cargo de secretário do Planejamento, Orçamento e Gestão. A condenação é de janeiro de 2023, com trânsito em julgado, mas o prefeito só o exonerou um ano depois, em 19 de abril de 2024. A partir daí, uma série de irregularidades veio à tona.
Uma delas diz respeito aos salários recebidos por Kadson. O Jornal de Fato noticiou que o ex-secretário recebeu de salários, durante o período em que estava ilegalmente no secretariado de Allyson, uma soma de R$ 210.380,00. Desse montante, ele recebeu salários duplicados em fevereiro e março deste ano, quando acumulou o cargo de secretário da Cultura.
O jornalista Magnos Alves, com dados do portal da transparência, mostrou como Kadson acumulou os mais de R$ 210 mil: o vencimento mensal de um secretário, que é de R$ 11.775,00 (valor bruto), valor acumulativo nos meses de fevereiro (R$ 20.410,00) março (R$ 25.120,00), além de um vencimento subsídio em março de R$ 1.570,00. Além disso, em 2023, Kadson Eduardo recebeu R$ 12.000,00 a título de diárias. A calculadora ainda não adicionou os valores que o agora ex-secretário receberá pelos 19 dias de abril.
A partir desses números, com claro desrespeito à Constituição Federal, o jornalista Bruno Barreto, em seu blog, mostrou que para beneficiar o seu “braço direito”, o prefeito Allyson fez a Câmara aprovar uma lei municipal que permitisse o pagamento de salários duplicados.
A lei criada por Allyson, que é inconstitucional, pois fere a Carta Magna do país, diz:
“Art. 45. O Prefeito do Município poderá designar servidor para responder, em substituição, por cargo em comissão por ele nomeado durante as ausências e impedimentos do titular do cargo, cabendo ao substituto todas as responsabilidades decorrentes do cargo. (Redação dada pela Lei Complementar nº 193 de 2023)
- 1º Nos casos em que o substituto do cargo em comissão vier a acumular atribuições e responsabilidades de ambos os cargos, ser-lhe-ão devidas as remunerações equivalentes, de forma cumulativa. (Incluído pela Lei Complementar nº 193, de 2023);
- 2º Nos casos em que o substituto do cargo em comissão não acumular atribuições e responsabilidades dos cargos, ser-lhe-á devida remuneração equivalente ao cargo em substituição. (Incluído pela Lei Complementar nº 193, de 2023);
- 3º Em qualquer das hipóteses de substituição, previstas nos parágrafos 1º e 2º, a remuneração do substituto pelo exercício do cargo substituído será proporcional aos dias em que este exercer as atribuições e se sujeitar às responsabilidades do cargo de que não é titular ordinariamente. (Incluído pela Lei Complementar nº 193, de 2023);
- 4º O ato administrativo que vier a prover a substituição de que trata este artigo deverá indicar, de forma expressa, quando a substituição for cumulativa, devendo os casos omissos serem enquadrados como substituição sem cumulação de atribuições e responsabilidades. (Incluído pela Lei Complementar nº 193, de 2023).”
A lei municipal não deveria existir perante a Constituição Federal, que diz:
“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (…)
XVI – é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto, quando houver compatibilidade de horários, observado em qualquer caso o disposto no inciso X.”
A exceção, prevista na lei, contempla apenas os profissionais de saúde e professores. Como se sabe, Kadson Eduardo, embora tenha colocado as suas digitais em seis pastas da gestão Allyson, ele não passou pela Saúde, nem em sala de sala.
Ação contra Allyson chegará esta semana ao TJRN e ao MPRN
A oposição vai acionar o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte (TJRN) para apurar suposto crime de responsabilidade do prefeito Allyson Bezerra (União Brasil), que manteve o advogado Kadson Eduardo no cargo de secretário do Planejamento, condenado à prisão por crime de falsificação de documento público. Também vai provocar o Ministério Público Estadual (MPRN) para entrar no caso.
A ação se sustentará no Decreto-lei 201/67, que dispõe sobre as motivações dos crimes de responsabilidade de prefeitos. Dentre as motivações, está a nomeação e/ou manutenção de servidor contra expressa disposição em lei.
O referido decreto diz no Art. 1º: “São crimes de responsabilidade dos Prefeitos Municipal, sujeitos ao julgamento do Poder Judiciário, independentemente do pronunciamento da Câmara dos Vereadores:
(…)
XIII - Nomear, admitir ou designar servidor, contra expressa disposição de lei;”
A oposição entende que Allyson desrespeitou os dois artigos do Decreto-lei ao não exonerar Kadson Eduardo quando ele foi condenado com trânsito em julgado, fato ocorrido em janeiro de 2023 e publicado no dia 17 de abril do mesmo ano. Ou seja, há um ano que o secretário era mantido no cargo ao arrepio da lei.
O prefeito tornou a situação ainda pior quando, em fevereiro último, nomeou Kadson para a Secretaria de Cultura e ele passou a acumular o cargo com a pasta da Administração. Kadson, inclusive, conduziu os contratos do Mossoró Cidade Junina 2024, o que é um agravante. Ele ficou na Cultura até o dia 11 último, quando foi substituído pelo secretário Frank Felisardo.
Ficha limpa
Segundo a oposição, ao manter Kadson no secretariado, por mais de um ano, o prefeito desrespeitou a Lei da Ficha Limpa Municipal, que veda a ocupação de cargos públicos por pessoas que têm condenação transitada em julgado.
A Lei da Ficha Limpa Municipal – 2880, de 12 de abril de 2012, diz:
“Art. 1º – Fica vedada a nomeação para cargos em comissão no âmbito dos órgãos dos Poderes Executivo e Legislativo do Município de Mossoró as pessoas inseridas nas seguintes hipóteses: I. Os que tenham contra sua pessoa representação julgadas procedentes pela Justiça Eleitoral, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado, em processo de apuração de abuso do poder econômico ou político, desde a decisão até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos; II. Os que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, desde a condenação até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena, pelos crimes: A Contra a economia popular, a fé pública, a administração pública e o patrimônio público;”.
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César Santos é jornalista desde 1982. Nasceu em Janduís (RN), em 1964. Trabalhou nas rádios AM Difusora e Libertadora (repórter esportivo e de economia), jornais O Mossoroense (editor de política no final dos anos 1980) e Gazeta do Oeste (editor-chefe e diretor de redação entre os anos 1991 e 2000) e Jornal de Fato (apartir dos anos 2000), além de comentarista da Rádio FM Santa Clara - 105,1 (de 2003 a 2011). É fundador e diretor presidente da Santos Editora de Jornais Ltda., do Jornal de Fato, Revista Contexto e do portal www.defato.com.