Dom Francisco de Sales, sétimo bispo da Diocese de Santa Luzia de Mossoró, tem imprimido um ritmo forte nesse começo de serviço episcopal. A sua agenda, priorizada pelo religioso, imprime um ritmo forte de visita às instituições da cidade para aproximar ainda mais a Igreja da sociedade. “A Igreja ocupa um lugar entre os atores que constroem a comunidade, até porque nesse nosso sertão a fé, a cultura e a sociedade estão juntas. Então, temos visitado as instituições para que a gente possa estar mais próximos”, justifica.
O bispo visitou a sede do Jornal de Fato, acompanhado dos padres Heriberto Carneiro e Ricardo Rubens e da jornalista Valéria Bulcão, da comunicação social da Diocese. No "Cafezinho com César Santos", rendeu uma entrevista bem interessante em que dom Francisco fala sobre mudanças na Diocese, do legado deixado pelo padre Sátiro Cavalcanti Dantas, de política e outros temas. Confira:
O senhor assumiu a Diocese de Mossoró no momento de dor na comunidade católica em razão da partida do padre Sátiro Cavalcanti Dantas, uma das maiores referências religiosas da cidade. Como tem sido esse começo de serviço episcopal sob esse cenário de luto e dor?
Padre Sátiro faleceu depois da minha nomeação. No dia da nomeação ele se orgulhava de ter conhecido todos os bispos da Diocese. Em duas festas de Santa Luzia nós nos encontramos no adro da Catedral e pudemos conversar. Antes de chegar aqui, padre Sátiro nos deixa e, logo após a minha chegada, o padre Philipe também nos deixa. Estamos falando do mais idoso sacerdote da Diocese e o mais jovem, então, a gente busca se inserir na dor da ausência dessas figuras importantes na vida da Igreja. Mas ao mesmo tempo, compreendendo que a nossa caminhada humana eclesial ela também é uma sucessão, não só de acontecimentos, mas uma sucessão de legados, de pessoas que constroem e que passam. A gente recebe, digamos, o bastão desses nossos irmãos como legado que a gente precisa cuidar e custodiar essa realidade com muito carinho. Então, diante de realidade como essa, eu penso que é um desafio a partir do legado que esses nossos irmãos deixaram. É nessa perspectiva que nós temos caminhado.
O padre Sátiro era uma referência na sociedade e, também, um líder inquestionável dentro da Igreja Católica. A partir de agora, um novo líder surgirá naturalmente ou a Igreja vai trabalhar, digamos, um sucessor do padre Sátiro?
Eu diria que existe uma dimensão carismática da vida pessoal de cada um. A gente pode oferecer os instrumentos, mas penso que de um lado é graça na vida da pessoa e, do outro lado, é investimento do próprio talento. Esses processos acontecem naturalmente respondendo aos desafios do tempo. Padre Sátiro soube ler a história enquanto ele viveu, não estacionou no começo da história, soube ser dinâmico, soube se recriar, reinventar-se, abrir-se também às novas possibilidades.
Mas, é um grande desafio dar continuidade ao legado do padre Sátiro...
A gente nunca pode se pensar substituto 100% de alguém, mas, aquilo que eu dizia, a gente recebe um legado importante do padre Sátiro e vamos cuidar dele. Agora, a gente pergunta: como a gente pode servir continuando essa inserção tão positiva na vida da sociedade que teve o padre Sátiro? Eu diria, com os pés no chão, a partir dos desafios da realidade do nosso tempo. O que é que a sociedade, a história e o mundo desse tempo pedem de nós como homens de Igreja, da nossa incidência que deve ser sempre positiva na construção da sociedade. Padre Sátiro soube ler e, pela longevidade dele, não se cristalizou, e acho que esse é o grande desafio nosso. A gente vive um momento de grandes cristalizações, inclusive, de pessoas muito mais jovens, que são capazes de ler a realidade de forma dinâmica. Eu diria que o talento surgirá, cabe ao talento responder positivamente. Cabe à Igreja investir nos talentos e a Diocese tem feito isso de forma muita positiva. Nós temos um corpo de padres muito bem formados, uns em processo de formação, e acho que nessa dimensão a gente pode dizer que valeu a pena o legado de padre Sátiro e nós iremos continuar essa história com olhar muito atento ao que Deus pede de nós.
O senhor chega no momento que a vocação educacional da Igreja em Mossoró ganha um capítulo importante, que é a elevação da faculdade em universidade católica, a primeira do Rio Grande do Norte. Como o senhor observa essa nova realidade?
Estamos falando de uma herança educacional da Diocese. Há pouco nós recebemos a aprovação do credenciamento de nossa faculdade para UniCatólica e olhamos para o futuro com muita esperança. Como Universidade, a gente quer se expandir, esse é o nosso desejo, mas lembrando que a nossa missão educacional está muito ligada à missão evangelizadora. Não podemos desvincular essas duas realidades, uma vez que a educação é uma das faces da presença da Igreja na sociedade, carrega também no bojo o anúncio do evangelho a partir da formação das novas gerações. Estamos muito confiantes com essa nova fase, com a possibilidade de expansão da estrutura educacional da Diocese.
A atmosfera política que Mossoró vive exige um olhar atento de todos os segmentos e a Igreja não é exceção dessa regra. O que o senhor já pode observar nesse primeiro momento na cidade?
Eu sou muito paciente e sou muito atento aos processos e defendo que com as instituições a relação da Igreja tem que ser institucional. A gente precisa saber dos espaços e dos limites das relações. A Igreja é a promotora da consciência política; a doutrina social da Igreja nos abre um horizonte muito amplo, de reflexão sobre a política como um lugar de construção do bem comum. O papa Paulo VI fala da mais sublime forma da caridade que o cristão pode exercer no serviço à comunidade. Então, a relação deve se dá em nível de absoluto respeito aos processos, sem nunca descer àqueles litígios que são próprios do ambiente político. Nós, institucionalmente, devemos estar tranquilamente e abertos e nos sentar com todos numa mesa institucional para conversar sobre a grande política, como espaço de promoção da dignidade humana e da sociedade sob todos os aspectos. Estamos sentindo pouco a pouco a realidade da cidade, e tem uma coisa que eu sempre disse antes de aqui chegar: a gente tem que ter muito cuidado porque o bispo não é de Mossoró, o bispo é da Diocese de Mossoró, que tem vasto território no Rio Grande do Norte e esse universo de relações institucionais deve promover as parcerias necessárias para o bem comum.
O senhor já definiu mudanças na Diocese? Ou este é um processo que deve ocorrer naturalmente?
“Ecclesia semper reformanda est”. A Igreja é uma realidade em contínuo movimento que se reforma, mas sempre fiel aos seus princípios irrenunciáveis. As mudanças ocorrerão em processo natural, ouvindo o Clero, as lideranças pastorais, de serviços e movimentos, e respeitarão a própria natureza da Igreja Católica, que é continuamente se reexaminar para manter sua pureza de doutrina e prática. A gente sabe que toda organização humana e todo dinamismo institucional exige mudanças. Tem as mudanças que são emergenciais, de repente você se depara com uma realidade que suscita processo de mudança. E existem outros grandes horizontes de uma Igreja que escuta a si mesma, mas também escuta os apelos onde ela está inserida. É mais ou menos esse processo que a gente tem começado.
Como esse processo se desenvolverá?
A Diocese está vivendo o momento que batizamos de escuta. Primeiro, escutamos o nosso Clero de forma muito concreta; escutamos as nossas lideranças nas paróquias, pastorais, serviços e movimentos, no sentido de ouvir de cada um as mudanças que são necessárias. Todas as paróquias realizaram as suas assembleias, enviaram a síntese das escutas, então, tem um volume grande de reflexões, ponderações, para que esse processo possa ocorrer e as mudanças necessárias adotadas. Essas escutas irão seguir a grande Assembleia Diocesana, que realizaremos em novembro. Nessa assembleia será aprovado o plano pastoral para a Diocese de Mossoró. O nosso sonho é que a gente pense a Diocese nesses próximos dez anos, não negligenciando, claro, as mudanças emergências. Existe uma dimensão de perenidade na vida da igreja que a gente não pode negligenciar.
Serão mudanças amplas, o que o senhor pode adiantar?
As mudanças necessárias serão feitas, também serão empreendidas as reformas estruturais, da própria geografia da Diocese, para que ela funcione melhor. Eu creio muito nos processos de descentralização. Nós temos uma diocese territorialmente muito vasta e a gente precisa permitir que os processos pensados e trabalhados cheguem aos quatro cantos da diocese. Isso demanda, naturalmente, mudança de paradigma, mudança da própria geografia da articulação, para que a circularidade das coisas aconteça. É um processo paciente, lento, mas muito firme. Eu penso que é esse caminho que a gente buscará. A gente percebe uma receptividade muito boa por parte do Clero, como também das lideranças das pastorais, serviços e movimentos.
Tags:
César Santos é jornalista desde 1982. Nasceu em Janduís (RN), em 1964. Trabalhou nas rádios AM Difusora e Libertadora (repórter esportivo e de economia), jornais O Mossoroense (editor de política no final dos anos 1980) e Gazeta do Oeste (editor-chefe e diretor de redação entre os anos 1991 e 2000) e Jornal de Fato (apartir dos anos 2000), além de comentarista da Rádio FM Santa Clara - 105,1 (de 2003 a 2011). É fundador e diretor presidente da Santos Editora de Jornais Ltda., do Jornal de Fato, Revista Contexto e do portal www.defato.com.