A advogada mossoroense Mariana Bezerra é Conselheira Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), eleita a mais jovem, entre homens e mulheres, da história da instituição fundada na década de 1930. Para ela, essa conquista não é apenas individual, mas fruto da luta coletiva por paridade de gênero e cota de raça, estabelecidas pela Ordem.
Mariana é mestra em Direito pela Universidade Federal Rural do Semi-Árido (UFERSA); especialista em Direito Penal, Constitucional e Administrativo; e pesquisadora na área do Direito Público e direito antidiscriminatório, com ênfase em Políticas Públicas.
Nesta sexta-feira, 31, a jovem advogada lançou o livro “Direito Administrativo Social: uma abordagem sobre Licitações e Políticas Públicas”, que propõe uma visão crítica do Direito Administrativo, defendendo que essa área do direito deve ser observada como um instrumento de transformação social.
A obra aborda especificamente a implementação de políticas públicas de inclusão de gênero nas compras públicas realizadas pelo Governo do Estado do Rio Grande do Norte.
Para falar sobre o importante tema, dissecado em sua obra, Mariana Bezerra tomou o “Cafezinho com César Santos” na sede do Jornal de Fato em Mossoró. Confira.
Como a experiência profissional correlacionada com a pesquisa acadêmica colaborou para a construção do seu livro?
A minha atuação profissional na advocacia é vinculada ao direito constitucional e ao direito administrativo. O tema da pesquisa, Licitações e Políticas Públicas, é de base constitucional e administrativa, então, nós temos a similaridade das áreas e, dessa forma, ajudando à condução da pesquisa durante o seu curso.
Como o livro pode contribuir para a melhor compreensão do papel do Estado na promoção de políticas públicas de gênero?
O livro é composto por uma pesquisa bibliográfica sobre os temas das políticas públicas, o conceito das políticas públicas em si, que muito se vincula ao papel do estado em sua intervenção na vida cidadã. Então, esse estudo pode colaborar a partir da percepção do estado de como melhor aplicar essas políticas públicas de igualdade de gênero na vida de seu público-alvo, seja ele as mulheres, como é o caso do livro, o gênero, ou outras políticas públicas relacionadas a nichos específicos como promoção à igualdade racial, políticas da LGBTQIA+, e outras, como nós temos, políticas públicas nichadas para grupos específicos. Então, esse estudo pode facilitar a aplicação das políticas públicas direcionadas a esses públicos.
Em seu livro, você aborda a necessidade de reconhecer uma obrigação de cunho social no Direito Administrativo. Como isso pode ser feito de forma eficaz nas licitações públicas?
Nós temos duas leis, aqui no Estado, que tratam de contratação pública, ou seja, de licitação pública que destina uma cota para gênero. Estamos falando da Lei 9.968 de 2015 e a Lei 10.171 de 2017, ambas destinam 5% de cota para mulheres vítimas de violência doméstica nas contratações públicas. Uma nas empresas que são destinadas à construção civil e outra nas empresas de serviços terceirizados. Como é que eu posso ter certeza que isso impacta, por exemplo, numa política de promoção de emprego e renda para mulheres? No período de contratação essas empresas comprovam a cota, que na minha percepção pessoal ela é muito baixa, mas não sabemos se ao longo da contratação essas empresas permanecem com aquele percentual contratado. Não adianta esse percentual existir só no ato da licitação.
Seria o caso, então, de o Estado investir na estrutura de fiscalização de cumprimento da lei?
Os dados do emprego e renda no Rio Grande do Norte demonstram se o vínculo empregatício da mulher é mais sensível que o vínculo empregatício do homem. É importante durante o período de licitação, que a empresa contratada comprovasse o cumprimento da cota para mulheres, mas que o Estado também tivesse uma estrutura para fiscalizar o período de execução dos serviços. Essa fiscalização não representaria um custo a mais, porque hoje nós temos fiscais de contratos, previstos na lei 14.133, então, sem dúvida, a ampliação da fiscalização impactaria positivamente na execução de política pública de igualdade de gênero.
Como as contribuições da sua pesquisa podem sair do plano acadêmico e adentrar as instituições públicas para promover a inclusão de mulheres vítimas de violência doméstica nas contratações públicas?
Ao longo da pesquisa, apesar de bibliográfica, eu fiz um estudo das contratações públicas do estado do Rio Grande do Norte, a partir dessas duas leis já citadas. Nós temos uma estrutura no Estado que processa as compras públicas, mas nós percebemos um déficit justamente nessa parte da execução e fiscalização do contrato. Na época da pesquisa, por exemplo, não havia uma fiscalização acerca da manutenção dessas mulheres vítimas de violência contratadas. Nesse mesmo trabalho eu consegui aplicar um estudo do organograma das compras públicas da AGU (Advocacia-Geral da União). Eles fizeram contato comigo, tendo ciência da minha pesquisa, para que a gente pudesse aplicar, a partir da nova lei da licitação, essa mesma lógica nas compras públicas da própria AGU, podendo ser replicado em todas as outras administrações públicas. Então, em sendo esse modelo aplicado tanto ao processo de contratação pública quanto a posterior à assinatura do contrato e execução, sem dúvidas nós teríamos um ganho considerável, tanto no ato de empregar mulheres quanto na permanência para o emprego.
A falta de conhecimento desses direitos e a cultura de distanciamento entre cidadão e a Justiça afetam o processo de consolidação da promoção de igualdade de gênero no mercado de trabalho?
Penso que a grande celeuma, nesse sentido, é a falta de aptidão de perceber o que é política pública de estado e o que política pública de governo. Eu falo sobre isso no livro. Muito se trata, por exemplo, a inclusão da mulher no mercado de trabalho como sendo uma pauta ideológica, quando na verdade não é. A inclusão da mulher é uma questão de equidade, uma questão constitucional, uma base de nosso estado democrático de direito. Talvez a grande chaga relacionada a isso seja a falta de compreensão da obrigação do estado em perceber essas mulheres como sendo objeto de direcionamento de política pública.
Atualmente, você é Conselheira Federal da OAB, eleita a mais jovem, entre homens e mulheres, da história de uma Instituição fundada na década de 1930, como você enxerga essa representatividade se correlacionando com a sua carreira acadêmica e profissional?
A OAB é um ambiente democrático, que vem caminhando positivamente e sendo exemplo em diversas pautas. Tivemos aprovada a paridade de gênero, inclusive eu sou fruto da luta da paridade de gênero, já chego ao Conselho Federal com a paridade de gênero e cota de raça estabelecidas. Temos outro exemplo que é a Súmula 9 em 2019, que torna inidônea qualquer pessoa que cometa ato de violência contra a mulher. Então, eu acho que a OAB tem sido uma célula que fomenta, dentro da sociedade, pautas importantes, não obstante de destacar que essas pautas, dentro da OAB, são frutos e consequências da luta popular. Temos toda essa construção em torno dos direitos das mulheres, por exemplo, como resultado da luta coletiva, então, a OAB é mais uma parte disso.
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César Santos é jornalista desde 1982. Nasceu em Janduís (RN), em 1964. Trabalhou nas rádios AM Difusora e Libertadora (repórter esportivo e de economia), jornais O Mossoroense (editor de política no final dos anos 1980) e Gazeta do Oeste (editor-chefe e diretor de redação entre os anos 1991 e 2000) e Jornal de Fato (apartir dos anos 2000), além de comentarista da Rádio FM Santa Clara - 105,1 (de 2003 a 2011). É fundador e diretor presidente da Santos Editora de Jornais Ltda., do Jornal de Fato, Revista Contexto e do portal www.defato.com.