Maio de 2014, o médico Yoanis Infante Rodriguez desembarcava em Mossoró com outros 13 colegas cubanos para cuidar da saúde das pessoas, por meio do “Mais Médicos”. Ele pouco sabia que iria se apaixonar pela terra de clima quente e de povo hospitaleiro. Foi exatamente isso que ocorreu.
Encerrado o contrato com o programa do governo brasileiro, Dr. Cubano, como tornou-se popular, decidiu ficar. Mais do que isso: adotou Mossoró como a sua segunda terra e o Brasil, a sua segunda pátria.
Nascido na cidade de Bayamo, estado de Granma, na região oriental de Cuba, e com diploma de médico pela Universidade Filial Ciências Médicas de Bayamo, Yoanis foi abraçado por amigos mossoroenses, como Aldo Arraes e Cláudia Costa, e esta relação sólida o fez se naturalizar brasileiro.
Com os pés firmes na terra de Santa Luzia, Dr. Cubano decidiu fazer história e conseguiu: ele se tornou o primeiro estrangeiro eleito vereador em Mossoró e no Rio Grande do Norte. Ele recebeu 1.515 votos, sendo o único vereador eleito pelo PSDB. Ele trouxe a mãe, dona Madelina Rodriguez, para morar em Mossoró, enquanto o seu pai, William Infante, ficou em Cuba com os seus três irmãos.
“As pessoas de Mossoró abriram as suas portas para mim, abriram os seus braços para me abraçar, e agora eu posso retribuir com o mandato de vereador”, afirma Dr. Cubano durante o “Cafezinho com César Santos” na sede do Jornal de Fato.
Nesta entrevista, ele fala como chegou a Mossoró, conta como decidiu ficar e diz como pretende desempenhar o seu mandato na Câmara Municipal a partir de janeiro de 2025. Confira:
O que motivou o senhor trocar o seu país de origem pelo Brasil e se estabelecer em Mossoró para viver e fazer carreira?
Primeiro, quero agradecer a Deus por ter chegado a Mossoró, terra que me acolheu como um filho. Quando cheguei ouvi que quem bebia a água de Mossoró aqui ficava, então, acredito que fui até o fundo do poço e bebi toda a água desta cidade, porque me apaixonei por Mossoró. Eu vim para o Brasil trazido pelo programa Mais Médicos e o governo brasileiro me enviou para Mossoró, isso há dez anos, em 2014. O acolhimento das pessoas, o calor humano, essa forma como o mossoroense sabe receber e tratar, foi o que fez eu me apaixonar pela cidade. Desde que cheguei aqui fiz muito pelo povo que necessitava de tratamento médico e, com essa atividade, fui conhecendo famílias, pessoas, fazendo amizade e cada vez mais me senti envolvido por Mossoró. Aquelas pessoas que eu socorria com a minha atividade profissional, elas foram abrindo as suas casas, acolhendo-me e me tratando como amigo. Fiz amizades em toda Mossoró, inclusive, em municípios ao redor de Mossoró, porque eu sempre atendi a todas as pessoas que precisavam de ajuda médica. Daí, o meu nome ficou bastante popular e hoje eu faço parte de tudo isso como filho desta terra.
Qual foi o momento que o senhor decidiu ser cidadão brasileiro, ser mossoroense?
Repercutiu muito quando o programa Mais Médicos caiu. A gente foi liberado para voltar para Cuba. Eu fiquei muito preocupado porque não queria voltar. Daí, a família que me acolheu disse: ‘se você quiser ficar, fique, porque o pão que a gente come você vai comer também.’ Isso me deixou mais forte como pessoa e foi aí que decidi ficar em Mossoró. Juntei toda a documentação necessária e me naturalizei para ter todos os direitos que um brasileiro tem. Posso afirmar, foi a decisão acertada, a melhor decisão que tomei na vida.
O cenário político, econômico e social vivido em Cuba teve alguma influência na decisão de o senhor trocar o seu país pelo Brasil?
Não, não tenho nada a falar sobre a situação em Cuba. Eu sempre tive o sonho de conhecer o Brasil. Quando cheguei aqui me apaixonei por Mossoró e essa é a maior razão de eu ter ficado. Nunca pensei viver em outro país que não fosse o Brasil e hoje digo que não me vejo morando em outra cidade que não seja Mossoró. Essa é uma paixão que carrego no coração e não vai sair nunca. Já recebi convite para ir trabalhar no Sul, mas sempre respondi que eu prefiro a terra quente de Mossoró, o calor humano desta terra e é aqui que eu vou viver e construir a minha família. Mossoró é uma terra ideal para se viver. As pessoas são amáveis, carinhosas, acolhedoras, e isso faz com que a gente se sinta em casa. A cultura aqui é muito parecida com a cultura do meu país de origem; o Cidade Junina é uma festa conhecida a nível nacional e até mundial, o Pingo da Mei Dia é espetacular. Então, são muitas coisas parecidas com a cultura de Cuba e isso também me faz gostar ainda mais de Mossoró.
Onde e como entra a atividade política?
No primeiro momento, eu ajudei ao meu amigo Aldo Arraes, que foi candidato a vereador em 2016 e 2020. Conheci de perto como é feita a política na cidade, como acontecem as campanhas eleitorais. Fui me interessando pela atividade, mesmo consciente que fazer política é bem difícil, conquistar um mandato eletivo é muito complicado. As pessoas ainda não têm consciência da importância que é fazer ou apoiar a política honesta. Mesmo sabendo disso, eu decidi fazer política, decidi lutar, decidi buscar um espaço para fazer mais por Mossoró. Comecei a ver que a política está presente em todo momento de nossas vidas. Sempre ouvi que a política é um ato nobre de fazer caridade, e se é uma atividade nobre de fazer caridade, então entendo que nós temos que fazer muito mais pelas pessoas. Até hoje, eu fiz muito pelas pessoas, e agora eu vou fazer mais pelas pessoas e pela cidade.
A sua eleição, para muitos, foi uma surpresa. E para o senhor, era uma certeza?
Eu sempre acreditei muito no serviço prestado, sempre confiei muito nos amigos que fiz em Mossoró e, principalmente, na minha área de atuação, concentrada na rua Manoel Cirilo, no bairro Boa Vista. Desde que cheguei a Mossoró sempre me dediquei as pessoas, a cuidar da saúde das pessoas. As famílias me abraçaram, os amigos me abraçaram, e isso foi fundamental para a minha eleição. Eu passei a acreditar mais quando o meu nome começou a aparecer em todas as pesquisas. Os amigos sabiam do meu trabalho prestado, por isso, também acreditaram no projeto. Eu me dediquei muito às pessoas e elas retribuíram confiando na nossa candidatura. Então, estava muito confiante. Primeiramente, em Deus, foi Ele que nos deu essa vitória, e depois no povo de Mossoró, que me abraçou mais uma vez.
O senhor tem a exatamente noção do tamanho de sua vitória nas urnas? Tem noção que está entrando para a história como o primeiro estrangeiro eleito vereador em Mossoró e no Rio Grande do Norte?
A ficha ainda não caiu, mas tenho a ideia do que isso representa diante da grande repercussão. A minha eleição repercutiu em Mossoró, no Rio Grande do Norte e está sendo comentada em várias partes do país. Já recebi mensagens até de fora do Brasil. É claro que o fato de ser um estrangeiro eleito pela primeira vez no Rio Grande do Norte chama a atenção e é histórico, mas hoje me sinto brasileiro. O que corre nas minhas veias, minhas artérias, é o sangue de mossoroense. Eu sou consciente do nosso feito. Uma pessoa de outro país chegar a Mossoró e construir uma vitória como esta, realmente é algo que ficará para sempre. O meu coração está cheio de alegria, cheio de gratidão. Agradeço a Deus, agradeço a cada pessoa que votou no nosso projeto e agradeço a toda cidade de Mossoró pelo que tem feito por mim, por ter me acolhido e, agora, colocando-me na Câmara Municipal.
A atuação no Mais Médicos, notadamente nos bairros periféricos, certamente lhe deu conhecimento da realidade preocupante da saúde pública de Mossoró. A saúde certamente será a sua principal bandeira de luta do seu mandato. O que o senhor planeja desenvolver quando chegar à Câmara?
Trabalhei quase seis anos no bairro Boa Vista e depois atuei com o Mais Médicos no antigo bairro Malvinas. São áreas da periferia da cidade, áreas carentes, principalmente no que diz respeito à assistência à saúde das pessoas. O nosso mandato será pautado por temas importantes e que são reivindicados pelas pessoas, mas a saúde, com certeza, terá um olhar especial. A saúde de Mossoró está precária, as pessoas mais carentes sofrem com a falta de assistência de qualidade. Por isso, vou lutar muito para mudar essa realidade. Vou lutar pela melhoria da qualidade das UBSs, das UPAs, pela distribuição eficaz de medicamentos, no sentido de que o povo de Mossoró possa ter um atendimento de qualidade. Tenho um projeto que vou apresentar em defesa da criança autista, que é uma pauta que nos comove bastante. Na campanha, visitei toda Mossoró, andei rua a rua, casa a casa, e todo mundo já conhecia o Dr. Cubano, sabia do nosso trabalho na época do Mais Médicos. E essas pessoas esperam do nosso mandato exatamente o olhar especial pela saúde. É isso que vamos fazer, pode ter certeza.
O senhor foi eleito pelo PSDB, um partido de oposição, que elegeu apenas seis vereadores. Será uma bancada pequena diante de 15 governistas eleitos. O senhor já definiu a sua linha de atuação? Fará oposição ou terá outra postura na Câmara?
Eu preciso conhecer primeiro a Câmara, assumir o mandato e ter uma noção maior de como funciona o nosso Legislativo. Depois, vou me posicionar. Hoje, confesso, não tenho uma posição firmada. Fui eleito por um partido de oposição, é verdade, mas preciso direcionar o meu mandato em defesa das pessoas. Portanto, o que temos de concreto é que fomos eleitos pelo PSDB e chegaremos à Câmara em 1º de janeiro de 2025 juntos com o PSDB.
O seu partido é um aliado político do governo Fátima Bezerra, do PT. Agora eleito, e partir do seu mandato, como o senhor pretende se relacionar politicamente com a gestão estadual?
Eu defendo o fortalecimento dessa aliança, mas mediante o tratamento do governo com Mossoró. Eu espero que o governo olhe mais para a cidade, atenda a nossa cidade respeitando a sua importância. Mossoró é a segunda maior cidade do Rio Grande do Norte, com quase 300 mil habitantes, e que precisa das políticas públicas do governo. Como vereador e como tenho a saúde como principal bandeira de luta, vou cobrar mais do estado para melhor a saúde pública em nossa cidade. Espero ser chamado pelo governo estadual, já que estamos na mesma aliança, e, assim, eu possa reivindicar e contribuir mais para melhorar a vida dos mossoroenses.
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César Santos é jornalista desde 1982. Nasceu em Janduís (RN), em 1964. Trabalhou nas rádios AM Difusora e Libertadora (repórter esportivo e de economia), jornais O Mossoroense (editor de política no final dos anos 1980) e Gazeta do Oeste (editor-chefe e diretor de redação entre os anos 1991 e 2000) e Jornal de Fato (apartir dos anos 2000), além de comentarista da Rádio FM Santa Clara - 105,1 (de 2003 a 2011). É fundador e diretor presidente da Santos Editora de Jornais Ltda., do Jornal de Fato, Revista Contexto e do portal www.defato.com.