O Globo
O dólar comercial encerrou esta quarta-feira em alta de 1,20%, cotado a R$ 5,51. Esse é o maior patamar para o câmbio desde o dia 18 de janeiro de 2022, quando a moeda fechou em R$ 5,55.
Ontem, a moeda fechou em R$ 5,45 e, nesta manhã, o câmbio bateu a marca de R$ 5,50 em menos de 30 minutos de negociação, em meio à valorização da moeda no exterior e a falas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao portal de notícias Uol que geraram desconforto no mercado. Ele disse que o governo realiza um pente-fino nos gastos da União, mas que é necessário saber se o "problema" é "cortar ou aumentar a arrecadação".
Ele descartou a desvinculação do Benefício de Prestação Continuada (BPC), concedido a idosos e deficientes de baixa renda, do salário mínimo e renovou as críticas ao Banco Central. As falas azedaram ainda mais o humor do mercado, preocupado também com o setor externo. A Bolsa recua.
— Gasto está sendo bem feito? Acho que está. Nós estamos fazendo uma análise de onde tem gasto exagerado, que não deveria ter, onde tem pessoas que não deveriam receber e estão recebendo. E com muita tranquilidade, sem levar em conta o nervosismo do mercado, levando em conta a necessidade de você manter política de investimento — disse o presidente.
Segundo Lula, a análise do governo considera se um possível corte de gastos no Orçamento do governo realmente é necessário.
— O problema não é que tem que cortar, o problema é saber se precisa efetivamente cortar, ou se a gente precisa aumentar a arrecadação. Temos que fazer essa discussão — explicou Lula, que completou — Problema no Brasil é que a gente diminuiu muito a arrecadação.
Nas últimas semanas, Lula tem dado declarações que foram interpretadas por analistas de que o ajuste nas contas públicas será por meio de aumento de arrecadação e não corte de despesas, levando tensão ao mercado.
— No Brasil, a alta do dólar foi impulsionada pelas declarações do presidente Lula, que sugeriu novamente que o equilíbrio nas contas públicas pode ser alcançado por meio de impostos, e não de cortes de gastos — comenta Diego Costa, gerente de câmbio para o norte e o nordeste da B&T Câmbio.
Ele continua:
— Sem uma revisão crítica das despesas, programas e projetos ineficazes podem continuar a receber recursos, enquanto áreas prioritárias, como investimentos em infraestrutura, educação e saúde, podem ficar subfinanciadas.
Críticas ao BC
Lula também voltou a criticar o Banco Central, questionou por que a taxa de juros está em 10,5% se a inflação em 12 meses está ao redor de 4% e disse que o mercado financeiro terá de se adaptar à sua indicação para a presidência da instituição.
— Eu não indico um presidente do BC para o mercado. Indico para o Brasil. O mercado, seja financeiro, empresarial ou produtivo, tem que se adaptar a isso. Temos em mente que o Brasil vá bem.
A taxa básica de juros, a Selic, foi mantida em 10,5% ao ano na semana passada, interrompendo um ciclo de sete quedas seguidas. Na terça-feira, a Ata do Comitê de Política Monetária (Copom) do BC indicou que os juros no país não devem recuar tão cedo.
Cenário externo adverso
Ontem, o dólar já havia subido mais de 1%, após declarações de diretoras do Federal Reserve (Fed, banco central americano) de que a inflação nos EUA não deve ceder neste ano, o que deve levar a instituição a manter o atual patamar de juros pelos próximos meses.
Juros elevados nos Estados Unidos acabam influenciando a decisão sobre a taxa aqui no Brasil o que pressiona o dólar.
Gustavo Okayuma, gerente de portfólio da Porto Asset Management, explica que o dólar já abriu em alta no Brasil devido ao mau humor no mercado externo e que as falas de Lula contribuíram para uma piora no desempenho da moeda:
— Com outros eventos de risco nessa semana, como inflação nos Estados Unidos e debate presidencial amanhã, o mercado está se protegendo. As falas de Lula foram em linha com seus últimos discursos, mas não ajudam no humor do mercado e só reforça as preocupações com o cenário fiscal.
Para ele, a aversão a risco no exterior e as falas de Lula ofuscaram os dados do IPCA-15, que saíram nesta manhã e, que na sua visão, foram positivos. O índice, que é uma espécie de prévia da inflação oficial, desacelerou em junho. Mas alimentos subiram o dobro do indicador.
Debate entre Trump e Biden
Amanhã, Donald Trump e Joe Biden se reúnem no primeiro debate das eleições presidenciais nos Estados Unidos. Na sexta-feira, sem os dados do PCE, o principal índice da inflação americana, acompanhada pelo Federal Reserve.
Luiz Roberto Monteiro, operador financeiro da Warren Renascença, destaca que o principal gatilho para a alta do dólar foi a valorização da moeda no cenário internacional, que tem pressionado as moedas de países emergentes.
— Com as falas de Lula, o dólar acabou ganhando ainda mais força. A grande preocupação do mercado hoje é o cenário fiscal, então quando Lula sinaliza que não quer cortar gastos, novamente o mercado fica tensionado — ele diz.
Monteiro também menciona que, com o dólar em um patamar elevado, outro fator que pode contribuir ainda mais para a disparada do câmbio é o stop loss, um mecanismo do mercado financeiro que aciona uma ordem automática de venda quando um ativo atinge um determinado limite de desvalorização.
Na prática, se o real atingir um determinado patamar de depreciação, a venda dos investidores que determinaram seu stop loss nesse valor será acionada e isso tende a pressionar ainda mais a moeda.
Para ele, as falas sobre as contas públicas foram o que mais incomodaram o mercado.
Monteiro avalia que a sucessão no Banco Central e a possibilidade de uma diretoria mais leniente no comando da instituição financeira a partir do ano que vem ainda preocupa os investidores, mas que a última reunião do Copom, que mostrou unanimidade entre os membros, foi bem recebida pelo mercado. E mostrou compromisso com a convergência da inflação para a meta, afastando parte das preocupações por ora.
Por volta das 10h30, o índice DXY (que mede o desempenho do dólar frente a uma cesta de moedas) operava em alta de 0,42%, aos 106,06 pontos. É o seu patamar mais elevado em quase dois meses.
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