Por Rodrigo Capelo — Barcelona, Espanha
A venda da Sociedade Anônima do Futebol (SAF) do Cruzeiro para Ronaldo passa por seus dias mais difíceis. De um lado, o empresário apresentou novas condições para concluir a aquisição. Do outro, conselheiros estão insatisfeitos com termos do acordo.
Três meses após o ex-jogador assinar pré-acordo pela compra de 90% da SAF, as circunstâncias da negociação começam a ser esclarecidas agora.
O ge obteve cópia do contrato assinado por Cruzeiro e Ronaldo em 18 de dezembro, um documento de dez páginas, no qual estão descritos deveres e obrigações de ambas as partes.
Em resumo, o contrato assinado em 18 de dezembro diz que:
Esses termos foram negociados por Pedro Mesquita, diretor da XP Investimentos, assessoria técnica contratada para auxiliar o Cruzeiro na busca por novo proprietário para o futebol celeste. A empresa atuou no que o mercado chama de "sell side" (lado de quem vende).
Na associação civil cruzeirense, o responsável pelo acordo é Sérgio Rodrigues, presidente eleito para o período entre 2021 e 2023.
A seguir, o ge passa pelos principais pontos do contrato assinado em dezembro. Eles são anteriores à negociação que está avançando neste momento, na qual Ronaldo faz novas demandas. O empresário exige que a associação passe por um processo de Recuperação Judicial ou Extrajudicial, além de transferir a propriedade das Tocas da Raposa I e II, centros de treinamento, em troca do pagamento da dívida tributária.
Promessa de investimentos
Quando o Cruzeiro anunciou Ronaldo como futuro comprador de sua SAF, a XP comunicou ao mercado, por meio de nota, que o empresário investiria R$ 400 milhões na empresa ao longo dos próximos anos.
Apesar de a companhia reiterar, em novo comunicado, que esse valor será aportado pelo ex-jogador, o contrato mostra outros termos.
Trecho de contrato entre Ronaldo e Cruzeiro — Foto: Reprodução
Ronaldo está obrigado a aportar R$ 50 milhões na SAF, na data em que os documentos definitivos forem assinados – à vista e mediante a transferência de 90% do capital da empresa para sua propriedade.
Os R$ 350 milhões restantes estão atrelados a "receitas incrementais". Primeiro, será calculada a média das receitas contabilizadas pela associação entre 2017 e 2021. Caso a SAF não alcance esse número pré-determinado, a partir de 2022, Ronaldo precisaria fazer investimentos.
A mecânica acima foi tornada pública na semana passada, quando um grupo de conselheiros cruzeirenses quebrou cláusula de confidencialidade e expôs alguns termos do contrato. Agora, com o contrato na íntegra, o ge atesta que esses R$ 350 milhões não serão obrigatoriamente investidos, nem mesmo em caso de receitas baixas.
O acordo prevê a seguinte opção, caso a meta contratual para receitas não seja batida. Em vez de tirar dinheiro do bolso para injetá-lo na SAF, Ronaldo poderá devolver percentual da empresa para a associação.
Trecho de contrato entre Ronaldo e Cruzeiro — Foto: Reprodução
O contrato possui fórmula pré-determinada para essa situação – na qual Ronaldo não estaria disposto a desembolsar nenhum centavo além dos R$ 50 milhões. A equação considera a quantia que o dono precisaria investir e, a partir dela, estabelece qual seria a quantidade de ações que ele precisaria devolver para a associação.
Esse dinheiro tem relação direta com a capacidade financeira que terá a SAF do Cruzeiro. A promessa de investimentos foi um meio que as associações encontraram para vender o futebol a um terceiro, mas estimular que ele aporte recursos para tornar o futebol competitivo.
O Botafogo tem previsão de R$ 400 milhões de John Textor, enquanto o Vasco aguarda R$ 700 milhões da 777 Partners. Nesses clubes, não há mecanismo similar ao do Cruzeiro, segundo apurou o ge com todas as partes envolvidas em cada negociação. Trata-se de dinheiro de fato.
Obrigação de recompra
Uma das questões mais sensíveis para a recuperação do Cruzeiro é a reestruturação de seu passivo. O clube acumulou R$ 1 bilhão em dívidas e precisa formular um plano de pagamento factível, para que elas não prejudiquem o futebol. Foi neste ponto que entrou a proposta da SAF.
Ronaldo concordou em se responsabilizar pelas dívidas no limite da Lei da SAF. Ou seja: o Cruzeiro SAF terá de repassar 20% de suas receitas mensais e 50% de dividendos (lucros distribuídos a sócios), para que a associação aplique esses recursos no pagamento das dívidas.
No contrato assinado em dezembro, está disposto que a associação assume a responsabilidade de "envidar seus melhores esforços para promover a reestruturação de seu passivo".
Além dos recursos que a SAF repassará, nos termos da lei, o Cruzeiro concordou em regularizar e alienar (vender) três imóveis: a sede social do Barro Preto, a sede administrativa, no mesmo bairro, e a Sede Campestre.
Uma cláusula foi inserida para proteger Ronaldo dessas dívidas. Caso a associação não adote "providências concretas para promover a reestruturação de seu passivo", o empresário poderá obrigá-la a recomprar dele todas as ações da SAF, pelo mesmo preço pago por ele.
Não existe nenhum trecho que proteja a associação dessa mesma maneira. Em outras palavras, o contrato não prevê condições que o novo proprietário precisará cumprir, sob pena de a associação poder recomprar dele o futebol pela mesma quantia que tenha vendido.
Trecho de contrato entre Ronaldo e Cruzeiro — Foto: Reprodução
O contrato entre Cruzeiro e Ronaldo prevê uma série de condições, que, se não cumpridas, permitem ao comprador interromper a operação.
São elas:
Segundo cláusula desse trecho, as condições suspensivas só valem para Ronaldo. O empresário tem a possibilidade de ignorar qualquer deslize, total ou parcialmente, mas a opção pertence apenas a ele. Não há condições suspensivas que protejam interesses da associação.
Uso da marca
Em uma das partes mais importantes do acordo, a associação civil se compromete com as "premissas da operação". Elas incluem a transferência de bens, direitos e obrigações relacionados ao futebol profissional para a SAF, bem como a exploração econômica dos direitos de propriedade intelectual associados ao Cruzeiro.
Esses foram os itens exigidos:
A exploração comercial da marca do Cruzeiro logicamente tem valor, mas não foi incluída, na negociação, nenhuma remuneração à associação por essa propriedade intelectual. Outros clubes, como o Vasco, estão incluindo pagamento de royalties por uso da marca.
Friamente, o documento permite constatar que a negociação foi amarrada em termos melhores para quem compra (o ex-jogador) do que para quem vende (a associação). O ativo que está à venda, nessa negociação, é o futebol profissional e de base celeste.
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