Por Cahê Mota e Fred Gomes — Rio de Janeiro
A única dor que fica é a do adeus. Mas um adeus bem pensado, consensual e convicto de quem tem a certeza de que sempre terá agregado ao seu nome o complemento: Rodrigo Caio do Flamengo. É desta maneira que o zagueiro encerra no próximo domingo, diante do Cuiabá, uma passagem de cinco anos com a exposição no gramado do Maracanã de troféus que sobrepõem lesões que reduziram o número de jogos, mas não o carinho do torcedor.
A promessa é de homenagens diversas nas arquibancadas e no campo no pré e pós-jogo válido pela penúltima rodada do Brasileirão. Além de Rodrigo Caio, Filipe Luís também se despede do clube. O lateral-esquerdo se aposenta, o zagueiro seguirá a carreira em outra equipe, e juntos colocam um ponto final na histórica linha defensiva da geração campeã da Libertadores em 2019 que tinha ainda Diego Alves, Rafinha e Pablo Marí.
Rodrigo Caio pelo Flamengo
151 jogos
5 temporadas
6 gols marcados
11 títulos conquistados
Em longo bate-papo de mais de uma hora com o ge que vai ao ar no "Abre Aspas" da próxima terça-feira, Rodrigo Caio passou a limpo dores (físicas e emocionais), mas também sorriu muito ao lembrar a trajetória de 151 jogos, seis gols e 11 títulos com camisa do Flamengo. Memórias que conta com a serenidade como descreve a tomada de decisão de não seguir no clube em meio ao abandono de Jorge Sampaoli e antes mesmo de um posicionamento da diretoria sobre renovação:
"Ganhei, perdi, tive minhas tristezas, e no meio do ano tive a certeza de que era o momento de sair com o coração muito em paz. Tenho certeza de que o novo ciclo será maravilhoso. Creio que Deus vai abrir uma porta especial para seguir minha carreira, construir novos objetivos e será especial"
- Antes eu falava que nunca ia jogar em outro clube (que não o São Paulo), mas ali o ciclo tinha se encerrado e eu tinha que sair de lá. O Flamengo logo entrou em contato e eu senti no meu coração que tinha que ir, tinha que aceitar esse desafio. Construí a minha história aqui.
Rodrigo Caio e Filipe Luís estamparão ingresso de Flamengo x Cuiabá — Foto: Reprodução
A nostalgia em momentos de despedida é natural, e a festa preparada por torcida e clube para Rodrigo e Filipe evidencia a relevância da dupla na história do Flamengo. Placas, bandeiras, mensagens no uniforme e até um mosaico estão entre as homenagens que o clube corre para preparar a tempo das 16h (de Brasília) de domingo no Maracanã. Reverências por uma trajetória que o zagueiro começa a absorver de outra maneira:
- Até arrepia. Sou muito grato de ter tido a oportunidade de viver isso. Nunca imaginei e consegui me entregar ao máximo nesses cinco anos da melhor forma. Independentemente das circunstâncias, das dificuldades, das dores...
"Tudo o que vivi de alegria e tristeza, se eu colocar na balança as alegrias são muito maiores. O que eu vivi de dificuldade foi só uma página de um livro que a gente escreveu e sem dúvidas vou lembrar eternamente de tudo que vivi aqui no Flamengo com o maior carinho e gratidão,
Rodrigo Caio, do Flamengo, em entrevista ao "Abre Aspas" — Foto: André Durão / ge
Por mais que os momentos de alegria norteiem os pensamentos nos próximos dias, é difícil imaginar alguém que tenha passado por tantas provações nesse Flamengo dos últimos anos quanto o camisa 3. Entre cirurgias, traumas graves e até uma infecção que colocou a carreira em risco, Rodrigo Caio viu o protagonismo se tornar decrescente com o passar do tempo. Os 60 jogos de 2019 viraram 32 e 33 em 2020 e 2021, e apenas 12 em 2022 e em 2023.
O período no DM, por sua vez, não foi o mais sofrido. Entre abril e setembro, foram 34 partidas em que Rodrigo Caio estava à disposição, foi relacionado, mas não saiu do banco de reservas com Jorge Sampaoli. Condição que abalou o psicológico e tornou especial o elogio público do preparador físico de Tite, Fábio Mahseredjian, validando sua condição física.
"Não tinha nenhuma perspectiva. Teve treinamento que eu sabia que independentemente do que eu fizesse, eu não ia jogar. E falava: "Pessoal, estou aqui por vocês, pelo respeito que temos um pelo outro, por aproveitar o que construímos e é difícil viver novamente"
Rodrigo Caio Libertadores 2019 — Foto: Reprodução/CONMEBOL
- Mas você fica na expectativa depois do preparador físico te elogiar, te mostrar. No dia seguinte, eu fui dar um abraço e falei com ele: "Obrigado". Ele disse que só falou a verdade, mas as pessoas não têm coragem de falar a verdade no mundo que a gente vive, de assumir e falar: "É isso". Foram oito meses com o Sampaoli, alguém teve coragem de falar a verdade que eu estava bem?
Confira abaixo alguns trechos da longa entrevista de Rodrigo Caio que vai ao ar na próxima terça-feira no "Abre Aspas" do ge, onde conta com detalhes de meia década em provações e realizações que o colocaram na história do Flamengo. A despedida está marcada para domingo, às 16h (de Brasília), diante do Cuiabá, no Maracanã, pela 37ª rodada do Brasileirão. Com 63 pontos, três a menos que o líder Palmeiras, a equipe ocupa a quarta colocação.
Antes mesmo do clube se posicionar sobre uma não renovação, você já tinha decidido que era hora de ir embora. Como foi esse processo, essa decisão de encerrar a passagem pelo Flamengo?
No meio do ano, tive uma conversa bem franca com a minha esposa sobre como seria o nosso futuro e foi uma decisão em conjunto. Muita oração, pedindo uma direção, mas ali tivemos uma certeza de que precisava de um novo ciclo. Eu entendi pelo dia a dia, por tudo que eu estava vivendo dentro do clube, e entendi que minha história ali precisava ter um fim. Logo em seguida, passou um tempo e numa conversa com a diretoria me passaram (que não iam renovar), eu passei que pensava da mesma forma. Foi uma decisão em comum acordo. Tudo tem um início, um meio e um fim. Minha história aqui é maravilhosa, só tenho a agradecer por tudo que construí dentro do Flamengo. Pelas conquistas, pelas amizades, pelo carinho e respeito de toda nação, que é muito grande.
Me sinto muito lisonjeado com isso. Eu nunca imaginei jogar em outro clube no Brasil, que sairia do São Paulo e jogaria em outro clube. Todo mundo sabe que sempre fui são-paulino desde pequenininho e eu falava isso para minha família, que ia sair do São Paulo para ir para Europa e retornaria. Mas em 2018 aconteceu todo um cenário onde eu duas semanas antes da Copa do Mundo tive uma lesão surreal no pé que me impossibilitou de brigar até o último minuto com o Geromel quem seria a quarta opção. Disputar uma Copa era um sonho, sofri uma lesão no pé no jogo com o Ceará no último minuto e perdi essa oportunidade. Não terminei a temporada da forma que gostaria e foi uma decisão minha.
Antes eu falava que nunca ia jogar em outro clube, mas ali o ciclo tinha se encerrado e eu tinha que sair de lá. O Flamengo logo entrou em contato e eu senti no meu coração que tinha que ir, tinha que aceitar esse desafio. Construí a minha história aqui. Ganhei, perdi, tive minhas tristezas, e no meio do ano tive a certeza de que era o momento de sair com o coração muito em paz. Tenho certeza que o novo ciclo será maravilhoso. Creio que Deus vai abrir uma porta especial para seguir minha carreira, construir novos objetivos e será especial.
Você se despede junto com o Filipe, há um ano se despediram os Diegos... Vocês têm noção do tamanho do feito dessa geração na história do clube? Que vocês vão ser lembrados para sempre?
Até arrepia. Por mais que a gente sonhasse com tanta coisa, quando a gente vive fala: "Caramba! Será que eu mereço tudo isso?". Foi algo surreal tudo que eu vivi aqui nesses quase cinco anos. Foram títulos e mais títulos, e nunca imaginei. Só vai cair a ficha mesmo quando a gente sair daqui, passarem os anos. Como as coisas são tão reais aqui, a gente não consegue imaginar o que fez. Tive a mesma sensação nas Olimpíadas, quando conquistamos a primeira medalha de ouro. Hoje que eu paro para pensar. Com o passar dos anos, a nossa história vai continuar e vamos pensar: "Caramba, o que a gente fez foi algo espetacular".
Sou muito grato de ter tido a oportunidade de viver isso. Nunca imaginei e consegui me entregar ao máximo nesses cinco anos da melhor forma. Independentemente das circunstâncias, das dificuldades, das dores... Tudo o que vivi de alegria e tristeza, se eu colocar na balança as alegrias são muito maiores. O que eu vivi de dificuldade foi só uma página de um livro que a gente escreveu e sem dúvidas vou lembrar eternamente de tudo que vivi aqui no Flamengo com o maior carinho e gratidão.
Por tudo que foi conquistado, você acredita que daqui para frente será lembrado muito mais como o Rodrigo Caio do Flamengo do que o Rodrigo revelado pelo São Paulo?
Por mais que eu tenha o carinho e o respeito ao São Paulo, hoje eu vejo o Rodrigo Caio do Flamengo. A história que eu construí aqui vai ficar eternizada no meu coração e na minha memória. Meus filhos são flamenguistas. O Bernardo ama ir ao estádio e ficar cantando "Mengo! Mengo!". Minha esposa, meus pais, e eu. O amor que eu tenho pelo Flamengo é imenso. Hoje eu sou um flamenguista, um cara que vai torcer e vibrar pelas histórias e conquistas.
Quando o Fábio Mahseredjian vem a público e elogia sua condição física com tanta convicção, quando chega o Tite que tentou te levar para duas Copas do Mundo, isso mexe nessa decisão de saída ou em momento algum você repensou?
rodrigo caio gol flamengo — Foto: André Durão / GloboEsporte.com
A decisão já estava muito tomada no meu coração, mas que deu vontade de terminar minha passagem com chave de ouro, de jogar, de performar e mostrar novamente o Rodrigo Caio, sem dúvidas. Isso que sempre me manteve vivo. Todos os dias que eu ia para o CT, eu trabalhava acreditando em ter uma oportunidade, em jogar e em jogar muito. Em estar pronto e preparado. Era isso que me mantinha dentro do CT. Não vou dizer que foi fácil. Muitas vezes eu não queria estar lá e falo com os meus companheiros que era muito mais por eles, treinando por eles. Tudo o que eu vivi esse ano foi muito difícil. Não tinha nenhuma perspectiva.
Teve treinamento que eu sabia que independente do que eu fizesse, eu não ia jogar. E falava: "Pessoal, estou aqui por vocês, pelo respeito que temos um pelo outro, por aproveitar o que construímos e é difícil viver novamente". Mas você fica na expectativa depois do preparador físico te elogiar, te mostrar. No dia seguinte, eu fui dar um abraço e falei com ele: "Obrigado". Ele disse que só falou a verdade, mas as pessoas não têm coragem de falar a verdade no mundo que a gente vive, de assumir e falar: "É isso". Foram oito meses com o Sampaoli, alguém teve coragem de falar a verdade que eu estava bem? Que a minha oportunidade ia chegar? E teve a chance! Lembro de um jogo contra o Cuiabá que eu achei que ia jogar. O David tinha machucado e estava sendo preparado para o jogo com o Olimpia, a gente jogou com o Cuiabá 20h30 lá, o Fabrício suspenso, o Léo machucado, e ele botou o David que tinha acabado de voltar a treinar. Acabamos perdendo por 3 a 0. Você pensa: "Que bom que não jogou". Mas eu penso sempre diferente. Por mais que não seja, eu tenho que ter a confiança em mim de que faria algo diferente. Faz parte.
Mas a decisão estava tomada dentro do meu coração com uma paz muito grande para seguir minha vida com novos ciclos, mas com carinho e respeito de toda torcida. Eles criticam muitas vezes, xingam muitas vezes, mas a gente sabe o que é ser torcedor com paixão, com emoção. Não tenho um "a" para falar da torcida independente das circunstâncias. Só uma minoria que fica atrás de uma câmera (nas redes sociais) e faz brincadeiras, mas a torcida que vai ao estádio, que apoia e critica, eu não tenho um "a". E a admiração que eles têm por mim, é a admiração que eu tenho por eles.
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