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Postado às 08h15 | 07 Nov 2022 | redação Fraude em diplomas de medicina no RN tem ligação com universidade da Bolívia

Justiça Federal condenou um homem por exercício ilegal da medicina no Rio Grande do Norte, além de falsificação e ocultação de informações em documentos públicos. O caso chama atenção para a atuação de falsos médicos que vem aumentando no estado

Crédito da foto: llustração Diplomas são falsicados para atuação de falsos médicos

Por Jornal de Fato

Justiça Federal condenou um homem por exercício ilegal da medicina no Rio Grande do Norte, além de falsificação e ocultação de informações em documentos públicos. O caso chama atenção para a atuação de falsos médicos que vem aumentando no estado e no país, conforme vai mostrar essa reportagem que segue na página seguinte.

No caso da condenação no RN, trata-se de Victor Bomfim Alessi, que foi denunciado pelo Ministério Público Federal (MPF-RN). Ele utilizou documento falso de aprovação no Exame Nacional de Revalidação de Diplomas Médicos Expedidos por Instituições de Educação Superior Estrangeiras (Revalida) para solicitar o reconhecimento de diploma de medicina do Paraguai perante a Universidade Federal no Rio Grande do Norte (UFRN).

Universidades brasileiras e inquéritos policiais têm identificado fraudes semelhantes envolvendo diplomas de medicina.

O MPF apontou que após se utilizar do documento falso, supostamente emitido pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), para obter a revalidação do diploma, Alessi solicitou o registro junto ao Conselho Regional de Medicina do Mato Grosso do Sul (CRM/MS). Ele exerceu a profissão de médico de forma sabidamente ilegal no período compreendido entre setembro e novembro de 2019, quando houve a suspensão cautelar do registro.

As investigações iniciaram quando o Inep tomou conhecimento de uma tentativa de fraude na divulgação dos resultados do Revalida em 2017. Segundo o instituto, “indivíduos que sequer possuem inscrição no Exame [como era o caso de Victor Alessi], ou que foram reprovados, falsificaram ofício supostamente produzido pelo Inep com lista de aprovados e imagens alteradas de telas do Sistema Revalida, em tentativa de demonstrar resultados de aprovação”.

A decisão da Justiça Federal no RN ressalta que “o conjunto probatório demonstrou que Victor Alessi tinha plena ciência da inautenticidade da revalidação aposta ao respectivo diploma estrangeiro, mas, mesmo assim, com suporte no diploma revalidado ilegalmente mediante o uso de um documento falso, se sentiu confiante em postular sua inscrição profissional no CRM/MS”. Assim, ficou claro “o intuito do acusado de se esquivar do procedimento de legitimação do diploma (condição para inscrição no Conselho Regional de Medicina) e exercer, sem submissão a essa exigência, a medicina no Brasil”.

O réu foi condenado a quatro anos e oito meses de reclusão, mais oito meses de detenção, em regime inicialmente semiaberto, além de 165 dias-multa. Ainda cabem recursos da decisão. A Ação Penal tramita na 14ª Vara da Justiça Federal no RN sob o nº 0802518-02.2022.4.05.8400.

 

MPF desconfia de fraudes envolvendo universidade da Bolívia

O Ministério Público Federal no Rio Grande do Norte investiga uma série de possíveis fraudes na revalidação de diplomas de medicina supostamente emitidos por universidades estrangeiras. No caso de Victor Alessi, a falsificação foi constatada no documento de aprovação do Revalida, porém há suspeita de um esquema de falsificação de diplomas, principalmente envolvendo a Universidad Técnica Privada Cosmos (UNITEPC), da Bolívia, com a investigação de casos semelhantes e contemporâneos em diferentes estágios de andamento.

A UFRN decidiu investigar vários diplomas revalidados na instituição na mesma época, chegando à conclusão de que 14 deles eram falsos, todos supostamente emitidos pela UNITEPC. Esses casos deram origem a inquéritos policiais e, como resultado, várias condutas já foram judicializadas.

Somente este ano, outras duas pessoas foram denunciadas pelo MPF pelo uso de diplomas falsos no RN. As investigações policiais demonstram que a UFRN não é a única instituição de ensino vítima de fraudes envolvendo instituições da Bolívia. Pelo menos outros 41 supostos graduados teriam fraudado diplomas de medicina supostamente emitidos por universidades bolivianas.

Ao menos outros dois procedimentos no RN investigam suspeitos de fraudes envolvendo outras instituições de ensino.

 

 Projetos definem punições mais rígidas para os falsos médicos

Tramita na Câmara dos Deputados proposta que aumenta a pena cominada ao crime de exercício ilegal da medicina, arte dentária ou farmacêutica. Trata-se do Projeto de Lei 1014/2022, de autoria do deputado Coronel Tadeu (PL-SP), que defende punições mais rígidas para inibir crimes contra a saúde da população.

Segundo o autor do projeto, mesmo com as designações do termo médico na Lei nº 12.842/2013, que dispõe sobre o exercício da Medicina, ainda constatam-se inúmeras denúncias registradas em diversos locais no Brasil em que pessoas estão exercendo a medicina sem atender os requisitos para tanto.

O projeto tem como objetivo a existência de uma punição mais severa aos falsos médicos, a fim de coibir esse tipo de prática, enfatizando a questão da legitimidade para o exercício de uma atividade restrita e regulamentada.

Destaca ainda que o tópico não se resume ao conhecimento técnico-científico que, porventura, o indivíduo possua; e fala da necessidade de submissão às provas dos que alegam ter se graduado em medicina fora do Brasil, para revalidar o diploma e assim comprovar que sabe medicina e que pode exercer a profissão.

Também tramita na Câmara o Projeto de Lei 4448/20, de autoria do deputado Carlos Sampaio (PSDB-SP), que aumenta em um terço a pena para o crime de exercício ilegal da medicina, odontologia ou farmácia, se praticado para obtenção de lucro. Atualmente, o Código Penal prevê detenção de seis meses a dois anos para o crime, ainda que a prática seja exercida gratuitamente, e também multa, sem agravo, se houver finalidade de lucro. A proposta acaba com a multa e prevê o aumento da pena.

O parlamentar diz que a prática ilegal da medicina e de outras atividades torna-se mais grave e repugnante quando envolve a busca pelo lucro, não devendo ser punida apenas com aplicação de multa. “Dentro desse espírito, proponho a alteração do Código Penal, fazendo com que o delito, nas circunstâncias em que o agente busca lucro, tenha sua pena majorada, não mais se inserindo na competência dos Juizados Especiais Criminais”, afirma Sampaio.

 

O que são considerados casos de exercício ilegal da medicina?

O crime de exercício ilegal da medicina, odontologia ou farmácia está previsto no artigo 282 do Código Penal. A conduta criminosa é descrita como sendo o ato de exercer as mencionadas profissões sem autorização do órgão competente ou fora dos limites impostos pela legislação.

A pena prevista é detenção de 6 meses a 2 anos.

São casos de exercício ilegal da Medicina:

1 - Aquele que utiliza documento de outro médico ou diploma falso;

2 - Profissional que formou no exterior, mas não fez o revalida;

3 - Profissional de outra área da saúde e que exerce atividade exclusiva de médico;

4 - Terapeutas holísticos, “médiuns” e derivações que prometem curas e tratamentos fora do âmbito medicinal;

5 - Pessoas não habilitadas em Medicina e que emitem atestados e outros documentos médicos.

 

MPF identifica 16 falsos médicos atuando no RN em quatro anos

No primeiro semestre de 2022, o Ministério Público Federal afirmou que pelo menos 16 falsos médicos atuaram no Rio Grande do Norte no período de quatro anos. A prática criminosa foi identificada por meio de investigação. Em um dos casos, o suspeito foi denunciado pelo exercício ilegal da profissão, além de falsificação de documentos públicos, uso de documentos falsos e fraude processual.

O acusado apresentou diploma de medicina e certificações falsos, supostamente emitidos por instituição da Bolívia, para obter a revalidação no Brasil, junto à Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Ele atuou nove anos como médico no Brasil.

Uma reportagem do g1 – RN, publicada em maio deste ano, com base em dados fornecidos pelo MPF, mostrou que universidades brasileiras e inquéritos policiais têm identificado fraudes semelhantes envolvendo diplomas de medicina falsos de universidades bolivianas. É uma espécie de padrão, segundo o Ministério Público.

"Existe uma quadrilha composta por advogados, tanto brasileiros quanto bolivianos, e falsificadores, que ofereciam esse serviço a pessoas que não tinham graduação em medicina e nem queriam passar pelo sacrifício de fazer um curso de graduação em medicina e depois obter uma especialização", explicou o procurador da República Kleber Martins.

"Então, eles ofereciam a essas pessoas, mediante pagamento de dezenas de milhares de reais, o fornecimento do diploma falso de formado em medicina por uma faculdade boliviana".

Com o diploma oficial de uma faculdade boliviana em mãos, esses falsos médicos buscavam e passavam na revalidação para atuar em território nacional. No estado, apenas a UFRN tem autoridade para revalidar o diploma - após o resultado de aprovação em uma prova nacional.

"Posteriormente essas pessoas requeriam inscrição nos conselhos regionais de medicina pelo Brasil e a partir de então passavam a exercer a profissão embora não tivessem preparação para ser médicos", reforça o procurador da República Kleber Martins.

 

UFRN não é a única instituição de ensino vítima de fraudes

A Universidade Federal do Rio Grande do Norte realiza a revalidação dos diplomas utilizando o resultado do Revalida, que é um exame de responsabilidade do Governo Federal. Nesse sentido, a instituição recebe da gestão federal o nome dos candidatos aprovados.

Em caso de suspeita de fraude, a universidade encaminha as informações aos órgãos competentes (Ministério Público e Polícia Federal) para averiguar a veracidade dos dados repassados pelos revalidandos.

Em investigação aprofundada feita pela UFRN neste ano, ficou constatado que 14 eram falsos, todos supostamente emitidos por uma mesma faculdade boliviana. No caso referente à última descoberta do MPF, a universidade confirmou que se tratava de uma falsificação.

Esses casos deram origem a inquéritos policiais e, como resultado, várias condutas já foram judicializadas.

As investigações policiais demonstram que a UFRN não é a única instituição de ensino vítima de fraudes envolvendo universidades bolivianas. Pelo menos outros 41 supostos graduados teriam fraudado diplomas de medicina supostamente emitidos por universidades bolivianas.

 

Riscos e consequências

 

Os pacientes correm sérios riscos ao serem atendidos pelos não médicos. Afinal, o desconhecimento pode fazer com que eles errem nos diagnósticos ou não consigam diagnosticar determinadas doenças.

É importante salientar que os estabelecimentos que contratam um falso médico também assumem responsabilidade sobre isso. A Justiça, inclusive, pode ordenar o pagamento de indenizações para o(s) paciente(s) que for tratado por um falso médico. Mesmo que o estabelecimento não tenha tomado conhecimento anteriormente da ilegalidade.

Por isso, é essencial que normas legais para contratação de médicos sejam seguidas. É importante também que os responsáveis pelos estabelecimentos de saúde mantenham atualizados junto ao conselho os cadastros de médicos que trabalham em sua instituição.

Os sites dos conselhos permitem consultar gratuitamente a legalidade de um profissional de medicina. No campo “busca de médico” é possível conferir foto, nome, número de registro e situação cadastral no Conselho.

Em caso de suspeita ou constatação de exercício ilegal, compete às instituições e empresas contratantes de médicos registrar ocorrência policial. E também comunicar o fato ao Conselho Regional de Medicina do estado. A representação de documentos de prova ou de indícios é exigida.

Se o caso envolver um profissional de outra área da saúde, é preciso que o conselho de classe em questão normatize a ação de seus jurisdicionados ou encaminhe denúncia ao Conselho. Aciona judicialmente os conselhos de classe que não coíbem tais atos; aciona vigilância sanitária, se for o caso. E encaminha denúncias ao Ministério Público e autoridades policiais.

 

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