Por Janaína Figueiredo — Buenos Aires
Os dois candidatos que disputarão o segundo turno na eleição presidencial argentina, em 19 de novembro, têm o desafio de ampliar sua base de apoio, partindo, ambos, de um alto índice de rejeição. De acordo com pesquisa realizada em setembro pela Universidade de San Andrés, a rejeição a Javier Milei, de ultradireita e que espanta eleitores com propostas como permitir a venda de órgãos e reduzir drasticamente o tamanho do Estado — podendo, nessa cruzada, eliminar programas de ajuda social —, atinge 53%. Já o peronista Sergio Massa, o mais votado no primeiro turno, com quase sete pontos percentuais de vantagem em relação a Milei, teve 68% e deve convencer os argentinos de que ser o ministro da Economia num país mergulhado numa crise dramática não significa que não possa ser o presidente que resolva essa mesma crise.
Embora o vencedor do primeiro turno tenha mostrando uma capacidade surpreendente de melhorar seu desempenho eleitoral após um magro resultado nas primárias de agosto (quando conseguiu, individualmente, apenas 21,43% dos votos), Massa não pode ser considerado favorito no pleito. Os argentinos estão sufocados por uma taxa de inflação que superou 100% nos últimos 12 meses, e há quatro meses atinge os dois dígitos mensalmente. O ministro e candidato não tem resultados positivos para mostrar, e sua melhor alternativa, reconhecem estrategistas que trabalham em sua campanha, é trabalhar para aumentar a rejeição a Milei.
Segundo pesquisas que circulam no comando de campanha de Massa, a estratégia deu certo e depois das Paso a rejeição ao candidato da ultradireita aumentou de forma expressiva, o que explica, em parte, a liderança do peronista no primeiro turno.
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Massa focou em dois setores específicos da sociedade: mulheres e moradores de grandes cidades. O candidato peronista atacou seu adversário com uma campanha do medo que captou a atenção de milhares de argentinos, e instalou a ideia, entre muitos, de que Milei representa uma ameaça para a sobrevivência dos mais humildes, e, também, para a democracia. A jogada foi clara, explicou um dos estrategistas do candidato: se você não pode melhorar sua aprovação, aumente o rechaço a seu adversário.
Em seu discurso pós primeiro turno, Massa disse que quer ser o presidente que “abrace todos os argentinos, e não o presidente do país do salve-se quem puder”. A narrativa do peronista busca colocar Milei como o candidato do caos, que discrimina minorias, tende à misoginia e pode arrastar a Argentina para uma dimensão desconhecida. Muitos argentinos votaram em Massa por pavor a Milei, que era exatamente o que os estrategistas, entre eles a equipe que já trabalhou em campanhas do PT e seguiu a mesma estratégia quando o rival era Jair Bolsonaro, do peronista queriam.
Já o candidato da ultradireita sabe que os calcanhares de Aquiles de seu adversário são a crise econômica e os escândalos de corrupção. Por isso, em seu discurso de domingo à noite, Milei declarou que “o kirchnerismo destrói a vida” dos argentinos. Detalhe: Massa não se define como kirchnerista, mas para Milei a melhor estratégia é vincular o candidato peronista aos Kirchner, cujos governos, sobretudo o segundo mandato de Cristina Kirchner (2011-2015), estão marcados por casos de corrupção.
O candidato da ultradireita assegurou que os argentinos devem escolher entre os que querem se aliar com países livres, ou os que são aliados de Cuba e do grupo terrorista Hamas; entre os que querem liberar presos, ou os que querem prender delinquentes; entre os que querem manter os privilégios da velha política, ou os que querem acabar com esses privilégios. Milei deixou de atacar a casta política, e passou a atacar exclusivamente o kirchnerismo, ciente de que a rejeição a Massa está relacionada à crise econômica, mas, também, às denúncias e condenações de dirigentes de peso do peronismo e do kirchnerismo por casos de corrupção, entre eles a vice-presidente Cristina Kirchner.
A ausência de lideranças peronistas e kirchneristas no palco ao lado de Massa, neste domingo, buscou mostrar um candidato descolado de um governo que é considerado um dos piores que o país teve desde a volta da democracia, em 1983, e descolado, também, dos escândalos de corrupção passados e recentes, que alimentam os discursos de Milei.
— Nossa batalha é contra uma organização criminosa — afirmou o candidato da ultradireita no domingo, deixando bem claro que tipo de munição vai usar contra Massa.
Na batalha entre dois candidatos altamente rejeitados, a melhor alternativa é focar nas fraquezas do adversário, ao mesmo tempo que fazem acenos para potenciais aliados que possam ajudá-los a vencer o duelo final.
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