Por O Globo — Doha e Tel Aviv
Sob mediação do Catar, Egito e EUA, Israel e o grupo fundamentalista islâmico Hamas chegaram nesta quarta-feira a um acordo para um cessar-fogo temporário em Gaza em troca da libertação de 50 dos quase 240 reféns sequestrados pelo grupo durante o ataque de 7 de outubro, que também deixou 1,2 mil mortos em solo israelense.
"O governo de Israel está comprometido com a tarefa de trazer todos os sequestrados para casa. Na noite de hoje, o governo aprovou as linhas gerais para o primeiro passo para atingir esse objetivo, segundo o qual pelo menos 50 reféns — mulheres e crianças — serão libertados ao longo de quatro dias, durante os quais haverá uma pausa nos combates", diz o comunicado do escritório do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu. "Para cada dez reféns a mais que forem libertados, haverá mais um dia de pausa nos combates."
Embora o comunicado não faça referência a quantos prisioneiros palestinos estarão envolvidos no acordo, o Hamas confirrmou as informações preliminares de que 150 mulheres e crianças com menos de 19 anos, detidas em prisões israelenses, serão libertadas. O grupo palestino informa ainda que será permitida a entrada de "centenas de caminhões com ajuda humanitária e médica, além de combustíveis, em todas as áreas da Faixa de Gaza, sem exceção, no Norte e no Sul". Segundo fontes israelenses, citadas pela imprensa local, seriam até 300 caminhões por dia.
As duas notas — de Israel e do Hamas — não fazem menção ao acesso da Cruz Vermelha aos reféns que continuarão sob custódia, garantindo seu acesso a medicamentos.
Segundo o Canal 12, citando fontes do governo israelense, a libertação e transferência dos reféns de Gaza para Israel ocorrerá em cinco etapas. Primeiro, o Hamas deverá entregá-los à Cruz Vermelha, que os levarão até representantes das Forças Armadas de Israel. Em seguida, serão submetidos a um exame médico inicial e levados a um dos seis hospitais que foram preparados para recebê-los. Lá, eles se reencontrarão com suas famílias. Nas duas últimas etapas, as autoridades avaliarão quais reféns estão em condições de relatar o que aconteceu para, só então, serem submetidos a um interrogatório.
Ainda de acordo com o Canal 12, a primeira leva de reféns deve ser libertada pelo grupo na quinta-feira desta semana — as leis israelenses estabelecem um período de 24 horas no qual cidadãos israelenses podem questionar decisões do Gabinete junto à Suprema Corte. A expectativa é que 12 israelenses sob custódia do Hamas sejam soltos por dia, embora também não haja menção a esses detalhes no comunicado do primeiro-ministro.
A nota do Hamas traz ainda detalhes sobre o cessar-fogo: durante os quatro dias da pausa acertada, movimentações militares de qualquer tipo e dos dois lados estarão vetadas. O tráfego aéreo no Sul da Faixa de Gaza deve ser interrompido neste período, e será permitido no Norte por seis horas diárias, entre as 10h e as 16h. Prisões dentro da Faixa de Gaza ficarão proibidas nestes quatro dias.
O anúncio do acordo foi feito após uma sequência de reuniões, iniciadas às 18h30h (13h30 em Brasília), entre o governo israelense e seus Gabinetes de guerra e de segurança, que antecedeu uma ampla votação com representantes de todos os partidos. Antes do início das conversações, o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, afirmou que esperava ter "boas notícias" em breve. Antes da votação final, ele assegurou que "nós não vamos parar depois do cessar-fogo".
— Quero esclarecer: estamos em guerra, continuaremos em guerra, continuaremos em guerra até atingirmos todos os nossos objetivos. Destruiremos o Hamas, devolveremos todos os nossos sequestrados e desaparecidos e garantiremos que em Gaza não haverá nenhum partido que represente uma ameaça a Israel — afirmou o premier.
O porta-voz das Forças Armadas de Israel, Daniel Hagari, também ressaltou nesta terça-feira que o acordo não afetará o objetivo principal dos militares: eliminar o grupo terrorista. Ele também acrescentou que as famílias dos reféns seriam informadas primeiro sobre a aprovação da iniciativa antes dela vir a público.
— A meta de devolver os reféns é significativa. Mesmo que isso resulte na redução de algumas das outras coisas, saberemos como restaurar nossas conquistas operacionais — disse Hagari em resposta à pergunta de um jornalista em uma coletiva pouco antes do anúncio oficial.
Mais cedo, o Catar já havia antecipado que os negociadores nunca haviam estado "tão perto de um acordo", que prevê a paralisação dos ataques de retaliação ao enclave, que, segundo o Hamas, já deixaram mais de 14,1 mil mortos, entre eles milhares de menores de idade.
O mesmo tom otimista foi antecipado por Ismail Haniyeh, líder político do Hamas que vive no Catar e que, em comunicado no Telegram, afirmou: "Estamos perto de alcançar um acordo para uma trégua".
Em uma entrevista à TV al-Jazeera, Izzat el Reshiq, um porta-voz do grupo terrorista, antecipou que o acordo incluiria "a liberação de mulheres e crianças reféns em troca da soltura de crianças e mulheres palestinas em prisões da Ocupação", em referência a Israel , cuja existência o movimento islâmico não reconhece. Reshiq afirmou também que nenhum militar israelense capturado em 7 de outubro seria solto.
O resgate dos reféns foi apontado pelo governo israelense como prioritário, mas sem nenhum avanço positivo nesse sentido desde o início da incursão terrestre ao enclave palestino, o clamor da sociedade civil por respostas aumentou nas últimas semanas, pressionando Netanyahu. Antes de o acordo ser alcançado, o premier chegou a declarar que não cessaria os ataques contra Gaza até que os reféns fossem devolvidos em segurança.
Pressão política
Embora o governo israelense esteja sendo fortemente pressionado pela sociedade civil para acelerar as negociações de libertação dos reféns, partidos da coalizão que permitiu Netanyahu ascender ao poder têm se manifestado contrários ao acordo com o Hamas.
O partido de ultradireita Sionismo Religioso, liderado pelo ministro das Finanças, Bezalel Smotrich, disse em declaração à imprensa que a proposta é "ruim para a segurança de Israel, ruim para os reféns e ruim para os soldados da IDF [Forças Armadas de Israel]. Mesmo assim, a sigla cedeu, e deu aval à proposta ao final do encontro, que acabou por volta das três da manhã, pelo horário local.
Já a legenda de extrema direita Otzma Yehudit afirmou que se oporá ao acordo na reunião de Gabinete. Segundo o ministro da Segurança Nacional e líder do partido, Itamar Ben Gvir, um acordo com reféns poderia trazer "um desastre para nós". Em vez disso, o partido diz que quer um acordo que liberte todos os cerca de 240 reféns mantidos em Gaza.
"A concordância do Hamas com o acordo indica que a IDF está realizando um ataque eficaz, é necessário continuar atacando o inimigo e levá-lo a um acordo sob condições ditadas por Israel e não sob as condições muito problemáticas que colocam em risco as forças da IDF e [fazem] distinção entre os sequestrados", diz uma declaração do partido, que foi o único a votar contra o plano, informou a imprensa israelense.
Por outro lado, a líder do Partido Trabalhista, Merav Michaeli, afirmou que a legenda, que faz oposição ao governo Netanyahu, apoiaria o acordo. Segundo ela, a resistência da extrema direita à proposta "expõe o esquema de longa data [desses partidos]" para criar um Estado judeu teológico.
Cessar-fogo, não paz
Embora o acordo possa trazer um certo alívio ao enclave palestino, sobretudo à infraestrutura humanitária severamente destruída pelos bombardeios e ataques incessantes de Israel, é improvável que qualquer termo negociado nesta terça seja um acordo de paz definitivo entre os grupos.
A rede britânica BBC chamou a atenção para o comunicado do líder do Hamas, que utilizou o termo árabe "hudna", explicando se referir a um tipo de pausa temporária.
Quando declarou guerra ao Hamas, Netanyahu e sua cúpula política afirmaram que o grande objetivo seria a eliminação do grupo terrorista — uma meta que não parece ter mudado, embora analistas o apontem como improvável de ser atingido. Nada indica que Israel estaria disposto a rever sua relação com o grupo terrorista, fora negociações pela liberação de reféns.
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