Sexta-Feira, 22 de novembro de 2024

Postado às 10h00 | 21 Out 2024 | redação Bolsa de luxo e túnel 'VIP' em Gaza: Israel usa vídeo da família de Sinwar para minar popularidade

Crédito da foto: Reprodução Yahya Sinwar, foi morto na Faixa de Gaza na quarta-feira

O Globo

Uma icônica bolsa Hermès no valor de milhares e milhares de euros em um túnel de Gaza é o último protagonista, entre dezenas de milhares de mortos, da guerra entre Israel e o Hamas. O exército do Estado judeu lançou uma campanha para torpedear o movimento islâmico, cujo líder, Yahya Sinwar, foi morto na Faixa de Gaza na quarta-feira. Um dos argumentos por trás da campanha é o modelo Birkin da empresa francesa, usado primeiro na mão direita e depois na esquerda por Samar Abou Zamar, esposa de Sinwar, em um vídeo divulgado pelos militares no sábado. Junto com esse detalhe, os porta-vozes militares alertam sobre objetos como colchões, televisores, banheiros, cofres, dinheiro, comida e água em abrigos antibombas subterrâneos aos quais a população não tinha acesso. Com o inimigo principal liquidado, o ritmo da guerra não diminuiu no terreno.

De acordo com a versão oficial, essa gravação foi feita na noite de 6 para 7 de outubro de 2023, poucas horas antes de os agentes do Hamas iniciarem a matança de cerca de 1.200 pessoas em solo israelense. O mentor desse ataque foi Sinwar, de acordo com as autoridades de Israel. Os mais de três minutos de filmagem acusam o líder palestino de saber que haveria uma certa resposta das tropas israelenses e de se antecipar a ela, mantendo a sua própria segurança enquanto deixava outros expostos. As imagens mostram Sinwar, que faz várias viagens ao túnel, sua esposa e dois menores, que poderiam ser seus filhos. Os agentes israelenses obtiveram o vídeo há vários meses, mas não o mostraram nem o distribuíram até agora, depois que o líder do grupo foi eliminado.

"Será que a esposa de Sinwar entrou no túnel em 6 de outubro carregando uma bolsa Birkin estimada em cerca de US$ 32.000 [cerca R$ 183,2 mil]?", pergunta Avichay Adraee, porta-voz do Exército israelense em língua árabe, em seu perfil na rede social no X. "Enquanto os residentes de Gaza não têm dinheiro suficiente para uma barraca ou materiais básicos, vemos muitos exemplos do amor especial de Yahya Sinwar e sua esposa pelo dinheiro", acrescenta ele ao lado de uma captura de tela do vídeo que mostra a mulher com sua bolsa e outra da bolsa com a etiqueta de preço.

Em pouco tempo, a semente do ódio e da zombaria germinou. Primeiro nas próprias redes sociais, incluindo outras contas oficiais, e depois na mídia em Israel e no exterior. Há aqueles que também ficaram indignados. Esse é o caso de Mauricio Lapchik, membro da ONG Peace Now.

“Que opinião estúpida e irrelevante”, escreve ele em seu perfil no X, ao mesmo tempo em que denuncia: “Nosso primeiro-ministro [Benjamin Netanyahu] tem vivido despudoradamente no luxo durante anos, enquanto jovens morrem todos os dias, literalmente todos os dias, em sua guerra de sobrevivência e destruição”.

Para ele, a campanha é “pura propaganda”, depois de Netanyahu e seus sucessivos governos terem financiado o Hamas durante anos. Inicialmente, Israel promoveu o Hamas, fundado em Gaza em 1987, pensando que seria um movimento islâmico sem conotações políticas ou envolvimento em luta armada. Ele o via como uma boa ferramenta para minar o poder da Autoridade Nacional Palestina, liderada pelo então presidente, Yasser Arafat.

Com o vídeo do túnel, o Exército israelense pretende combater a narrativa dominante entre os palestinos, muitos dos quais encontraram um motivo para mitificar Sinwar, vendo as fotos do cadáver do líder e o vídeo em que ele tenta enfrentar os militares, apesar de estar ferido.

— Na véspera do massacre brutal, Sinwar estava preocupado com sua sobrevivência e a sobrevivência de sua família — disse o porta-voz militar israelense, Daniel Hagari.

O oficial do Hamas, que também assumiu a liderança política da organização em agosto passado, após o assassinato em Teerã de seu antecessor, Ismail Haniyeh, em um ataque atribuído a Israel, “ia e vinha com sacos de comida, água, travesseiros, uma televisão de plasma, colchões e outros suprimentos para uma longa estadia”, acrescentou o porta-voz. De acordo com Hagari, ele tinha banheiros, um chuveiro, uma cozinha, camas, uniformes, cofres e “muito” dinheiro.

Essa gravação foi ocultada porque foi uma das ferramentas usadas pelos militares e serviços secretos como chave para rastreá-lo. Os militares já haviam localizado a “fortaleza subterrânea” de Sinwar em sua cidade natal, Khan Younis, no Sul de Gaza, logo após sua fuga, disse o porta-voz militar.

— Várias vezes nossas forças estiveram muito próximas a ele e chegaram aos locais onde ele ficou logo depois de conseguir escapar — afirmou durante uma entrevista, acrescentando que após a ofensiva em Khan Younis, Sinwar fugiu para o extremo sul, Rafah, onde se refugiou em outro túnel que ele descreveu como “VIP”, onde seu DNA foi encontrado até mesmo em um lenço com o qual ele assoou o nariz, antes de finalmente encontrar sua morte em um confronto com os militares israelenses, já separado de sua família.

A bolsa Birkin como a que a esposa de Sinwar está usando no vídeo — se for a marca original — continuou a subir de preço paralelamente à sua popularidade. É o modelo preferido de celebridades e fashionistas; atrizes, cantoras, influencers; aparece em filmes e séries... A bola de neve do consumo e da escassez disponível para venda — sob controle rigoroso da Hermès — vem rolando enquanto os artesãos ainda levam entre 12 e 18 horas para fazer cada unidade, segundo a Harper's Bazaar. A revista destaca o mercado de segunda mão e estima que ela pode render entre 17 mil e 34 mil euros (entre R$ 105 mil e R$ 211,3 mil) se estiver em boas condições. Um investimento e tanto, acrescenta a revista, porque nos últimos 35 anos seu preço aumentou 500%. Também é comum encontrá-la falsificada, tanto on-line quanto nas ruas.

Já se passaram 40 anos desde que a atriz britânica Jane Birkin conheceu o então diretor da Hèrmes, Jean-Louis Dumas, em um voo de Paris para Londres. Ela reclamou que não conseguia encontrar uma bolsa que combinasse com tudo o que estava acostumada a carregar quando era uma jovem mãe, explica a marca em seu site. Ele então deu início ao projeto para que ela existisse. E a bolsa acabou sendo batizada de Birkin. Atualmente, e até 31 de outubro, o modelo original — cuja ideia germinou em um avião em 1984 — está em exibição na sede da Sotheby's em Paris, ao lado de outras peças de design que entraram para a história na exposição Excellence à la Française. Para o porta-voz israelense, a bolsa da esposa de Sinwar é original e ele não imagina que seja uma cópia.

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