Por iniciativa do presidente da Câmara Municipal, Lawrence Amorim, Mossoró volta a discutir a construção do Santuário de Santa Luzia, importante para fortalecer o turismo religioso. Essa foi uma promessa da gestão Silveira, que deixou desconfianças
A promessa de construção do santuário de Santa Luzia no alto da Serra Mossoró ganhou força, e as manchetes, entre os anos de 2015 e 2016. O então prefeito Silveira Júnior apresentou o projeto com a proposta de fortalecer o turismo religioso e, por gravidade, beneficiar o desenvolvimento socioeconômico da cidade, além, claro, de valorizar a manifestação de fé em torno da santa padroeira.
Naquele ano, Silveira queria a reeleição. A promessa feita à comunidade católica fazia parte do projeto eleitoral, em detrimento do respeito à santa e à boa-fé do povo religioso. O fato é que o projeto não passou de promessa, nem Silveira conseguiu renovar o mandato (veja reportagem na página 4).
Agora, o projeto do santuário de Santa Luzia volta à pauta do dia. O presidente da Câmara Municipal de Mossoró, Lawrence Amorim (Solidariedade), resgatou a proposta esta semana em pronunciamento no plenário da Casa, e conclamou a união de todos para lutar em prol do empreendimento.
Lawrence, diferentemente do ex-prefeito Silveira, não está vendendo ilusões. Pelo contrário. Ele apresenta a proposta de luta para viabilizar o projeto e cita, para mostrar que e viável, que outras cidades, de menor porte, conseguiram erguer monumentos religiosos. Santa Cruz do Inharé, na região Agreste potiguar, é um exemplo disso. Com estátua de Santa Rita de Cássia, por ano, o município potiguar recebe 350 mil pessoas (nove vezes a população local).
Na cidade de Juazeiro do Norte, no sertão do Ceará, o turismo religioso potencializou a economia local e regional e transformou a vida das pessoas, a partir do santuário de Padre Cícero Romão. Estima-se que, anualmente, 2,5 milhões de turistas visitam a cidade.
“São dois exemplos que servem para Mossoró. Nosso município, com o santuário de Santa Luzia, poderia atrair mais de 2 milhões de visitantes, após alguns anos. Isso implicaria em ao menos R$ 200 milhões injetados na economia local todos os anos e cerca de dois mil empregos diretos e indiretos gerados”, destaca.
É possível
A estátua de Santa Rita de Cássia, a preço de hoje, custou cerca de R$ 15 milhões. A classe política de Santa Cruz se mobilizou para levantar os recursos, contando com apoio do Governo Federal, que liberou dinheiro por meio de emendas parlamentares do RN.
Lawrence chama a atenção para o volume de recursos que a bancada federal potiguar pode direcionar para o projeto de Mossoró. Só de emenda individual, cada senador(a) e deputado(a) pode indicar, respectivamente, R$ 59 milhões e R$ 32 milhões em emendas individuais. Sem falar nas emendas de bancada – R$ 38 milhões para cada parlamentar.
O presidente da Câmara Municipal defende o apoio da bancada federal e de outros agentes. “É fundamental uma junção de forças da Diocese, Poder Executivo, Poder Legislativo, Governo do Estado, bancada federal, bancada estadual, entidades de classe empresariais e fiéis”, frisa, ao arrematar: “Sem o santuário, Mossoró perde milhões de reais todos os anos”.
Audiência
A Câmara Municipal deve realizar audiência pública para ouvir Diocese de Mossoró, Poder Público e outros setores da sociedade sobre o projeto do santuário. Com isso, obter comprometimento com a proposta e, a partir daí, encaminhar formulação do projeto, possíveis locais do santuário e outros aspectos.
Lawrence defende repensar o local inicialmente previsto, na Serra Mossoró, e estudar áreas mais estruturadas, de melhor acesso, que não demandem tanto investimento em infraestrutura. É o caso, por exemplo, de regiões próximas ao Complexo Viário da Abolição (BR-304).
Presidente Lawrence Amorim tem apoio de todos os vereadores (Jornal de Fato)
Cidades do RN investem no turismo religioso
O turismo religioso movimenta no Brasil mais de R$ 15 bilhões por ano em mais de 300 locais. O Santuário de Aparecida, em São Paulo, é o principal destino. Em 2022, recebeu 8 milhões de turistas e movimentou R$ 1 bilhão.
Em Natal, o prefeito Álvaro Dias (Republicanos) trabalha com a Diocese para viabilizar o santuário de Nossa Senhora de Fátima.
Na cidade de Pau dos Ferros, no Alto Oeste, a Prefeitura iniciou a construção do complexo religioso Nossa Senhora da Conceição. Esse projeto recebeu recursos federais por meio de emendas do ex-senador José Agripino e do ex-deputado federal Felipe Maia.
Em São Miguel, também no Alto Oeste potiguar, a Prefeitura investiu no Memorial de Frei Damião, exatamente para explorar o turismo religioso. O templo ocupa um terreno de 10,8 hectares, doado por uma devota de São Miguel. Obra ainda não foi concluída, mas o local recebe visitas de fiéis e atividades religiosas aos domingos.
Para Lawrence Amorim, “é inegável a importância do turismo religioso para diversificar a economia dos municípios. Movimenta toda uma cadeia. Mossoró precisa de novas ferramentas para arrecadar e gerar emprego e renda, e o santuário de Santa Luzia é uma alternativa viável. O projeto foi debatido, caiu no esquecimento e Mossoró perde muito com isso.”
Proposta tem apoio de vereadores católicos e evangélicos
Por Regy Carte / CMM
O projeto do santuário de Santa Luzia uniu as bancadas na Câmara de Mossoró. Em apartes ao pronunciamento de Lawrence Amorim, parlamentares da oposição e da situação apoiaram a ideia. A vereadora Carmem Júlia (MDB) observou que a obra atrairá fiéis não apenas na Festa de Santa Luzia, em dezembro, mas o ano todo.
Na mesma linha, seguiu o vereador Naldo Feitosa (PSC). “Quantos devotos participam da festa de Santa Luzia, em dez dias, de 3 a 13 de dezembro? Imagine quantas pessoas viriam a Mossoró nos 12 meses do ano?”, questionou.
O vereador Tony Fernandes (Solidariedade) destacou a necessidade de empenho e união da classe política para conseguir recursos. E frisou o potencial do turismo religioso: “Devotos virão e consumirão em Mossoró e na região Oeste”.
Segundo o vereador Costinha (MDB), o santuário de Santa Luzia é um sonho da comunidade católica. “E temos a oportunidade de trabalhar para realizar esse sonho”, disse.
Na sequência, acrescentou o vereador Paulo Igo (Solidariedade): “Apesar de evangélico, apoio a ideia, porque vai gerar mais renda para o município. Quem trafega entre Natal e Fortaleza, por exemplo, vai parar em Mossoró”, previu.
O vereador Genilson Alves (Pros) afirmou que o turismo religioso agregará valor a outros potenciais de Mossoró; e o vereador Isaac da Casca (MDB), outro evangélico, observou que o santuário fortalece a luta pela duplicação da BR-304 entre Natal e Mossoró.
Por fim, o vereador Lucas das Malhas (MDB) enalteceu o impacto econômico positivo em cidades que apostam no turismo religioso e a importância do envolvimento também do setor privado; e o vereador Professor Francisco Carlos (Avante) disse que, se houver vontade política, os recursos para viabilizar o empreendimento podem sair, com folga, ainda este ano.
“Não se justifica Mossoró não receber pelo menos 40 milhões de reais todos os anos de emendas parlamentares, se levada em consideração possuir cerca de 10% da população do Estado”, observou Francisco Carlos.
Silveira trouxe “empresário” que doaria R$ 15 milhões para santuário
No dia 26 de junho de 2016, o então prefeito Silveira Júnior escalou a Serra Mossoró para fincar a pedra fundamental para a construção do Complexo Religioso Turístico de Santa Luzia. O ato, com ampla publicidade, contou com a presença de representantes de diversos segmentos da cidade e, principalmente, de líderes da Igreja Católica, como o vigário-geral da Catedral de Santa Luzia, padre Flávio Augusto.
Acreditava-se, naquele momento, na boa intenção do chefe do Poder Executivo, até porque um termo de cooperação foi assinado entre a Prefeitura e a Diocese de Mossoró, além da formação de uma comissão especial, instituída por meio de decreto, para acompanhar todas as etapas do projeto.
Antônio Pacheco (segundo da esquerda para direita) e o ex-prefeito Silveira no dia do lançamento da pedra fundamental da obra
Silveira Júnior foi além na exploração da boa-fé dos devotos de Santa Luzia. Ele trouxe uma pessoa de nome “Antônio Pacheco”, apresentado como “grande empresário pernambucano”, que iria doar R$ 15 milhões para a construção do santuário. Numa aparição rápida na Serra Mossoró, o tal empresário jurou que a sua mãe, de nome não revelado, era devota de Santa Luzia, por isso, a sua disposição de fazer tal doação.
Depois daí, o empresário desapareceu. A reportagem do Jornal de Fato investigou se “Pacheco” realmente tinha negócios no estado de Pernambuco, constatando que a população havia sido enganada. Em Jaboatão dos Guararapes, onde o tal empresário seria dono de empresas, não havia nada funcionando nos endereços indicados.
Outro ponto que chamou a atenção é que Silveira fez publicar no Jornal Oficial do Município uma série de decretos desapropriando terras da Serra Mossoró, o que gerou desconfiança. Uma linha de investigação foi iniciada, mas como o projeto do santuário não prosperou, nem as terras foram desapropriadas, o caso acabou caindo no esquecimento.
Diante da decepção, o então prefeito Silveira foi alvo de críticas e até chacota, sendo acusado de ter enganado a santa padroeira dos mossoroenses.
A Diocese Santa Luzia de Mossoró evitou se posicionar sobre o “calote”. Não quis ampliar a repercussão negativa. Até hoje, os líderes religiosos não aceitam falar sobre o assunto.
Marque do Complexo Religioso Turístico de Santa Luzia (Jornal de Fato / Arquio)
Prefeitura pagou empresa da Paraíba para elaborar maquetes
A Prefeitura de Mossoró gastou no projeto Complexo Religioso Turístico de Santa Luzia. Em 2015, o então prefeito Silveira Júnior contratou uma empresa paraibana, de nome Escala Escritório de Cálculos Estruturais, para projetar o santuário de forma eletrônica.
Os detalhes sobre o monumento foram mostrados aos representantes da Diocese de Mossoró e aos membros da Comissão Especial. As maquetes também foram exibidas, por meio de telão, no encerramento da Festa de Luzia 2015.
Silveira Júnior chegou a destacar a importância do projeto e lembrou que todo o complexo seria erguido com investimento da iniciativa privada. Ele também vendeu a ideia que o Santuário de Santa Luzia colocaria Mossoró definitivamente no circuito turístico religioso nacional e internacional.
“Esse não é um projeto pensado da noite para o dia. Estamos há dois anos debatendo, estudando e definindo como viabilizar a construção do Santuário. Será uma estátua com 80 metros de altura, a maior do mundo, cercada de toda uma estrutura para fomentar o turismo religioso em nossa cidade, gerando renda para o Município”, discursou à época.
A área de 15 hectares já havia sido decretada como domínio público e as licenças ambientais chegaram a ser aprovadas pelo Instituto de Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente (IDEMA) e publicadas no Diário Oficial do Estado, permitindo a liberação da área para edificação do Complexo.
“Mostramos toda a documentação de desapropriação e licenças ambientais para a Comissão Especial e agora vamos dar um passo importante para a concretização desse projeto, com a assinatura do Termo de Cooperação entre o Município e a empresa doadora, o que irá garantir a construção do nosso Complexo Turístico de Santa Luzia. A previsão é que as obras sejam iniciadas em agosto”, afirmou Silveira, em 2015.
Em 2016, o então prefeito Silveira Júnior apresentou a maquete do santuário aos padres Charles e Flávio Augusto (Jornal de Fato / arquivo)
Silveira prometeu a maior estátua religiosa do mundo
O projeto vendido pelo ex-prefeito Silveira Júnior, como líquido e certo, teria as obras executadas em uma área de 15 hectares destinados à visitação pública na Serra Mossoró.
Além do monumento em homenagem à padroeira de Mossoró, com 80 metros de altura, que seria a maior estátua religiosa do mundo, o santuário também teria bosques, praças, jardins, alamedas, fontes, cascatas, chafariz, nascentes, córregos e equipamentos comunitários.
O paisagismo do Santuário seria composto de elementos naturais, com peças ornamentais, conjuntos de rochas, entre outros. Ao longo de todo o percurso do arvoredo, a água corrente acompanharia os visitantes. Haveria ainda um sistema de captação de águas pluviais.
O santuário seria também um espaço de preservação da flora e da fauna da caatinga nordestina.
A comissão
A Comissão Especial era composta por representantes da Diocese de Santa Luzia, dos Poderes Públicos (executivo e legislativo) e da sociedade civil.
Padre Flávio Augusto Forte, vigário geral da Diocese de Mossoró, padre Charles Lamartine, vice-diretor do Colégio Diocesano de Santa Luzia, e Alexandre Magno Fernandes de Queiroz, assessor jurídico da Diocese de Santa Luzia de Mossoró, representavam a Diocese à época. O Legislativo era representado pelos então vereadores Izabel Montenegro, Flávio Tácito e Sebastião Nacízio.
A Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico, Trabalho, Agricultura e Turismo, Secretaria Municipal de Infraestrutura, Meio Ambiente, Urbanismo e Serviços Urbanos, Secretaria Municipal de Segurança Pública, Defesa Civil, Mobilidade Urbana e Trânsito e Secretaria do Gabinete do Prefeito representavam o poder executivo.
A Loja Maçônica 24 de Julho, Trade Turístico e Câmara de Dirigentes Lojistas de Mossoró (CDL) integravam a representação da sociedade civil na comissão.
Então prefeito Silveira reuniu representantes da sociedade para formar comissão pela construção do Santuário de Santa Luzia (Jornal de Fato / Arquivo)
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