Por Edinaldo Moreno / Repórter do JORNAL DE FATO
Relatório “Situação Mundial da Infância 2023: Para cada criança, vacinação”, lançado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), mostra que no Rio Grande do Norte 19 mil crianças não receberam nenhuma dose da vacina DTP entre 2019 e 2021. De acordo com o levantamento, no Brasil, o número chega a 1,6 milhão no mesmo período. Já no mundo o total alcança 48 milhões. O documento não traz dados por município.
Os números brasileiros fazem parte de um desafio global urgente. Segundo o relatório, o mundo vive o maior retrocesso contínuo na imunização infantil em 30 anos, alimentado pela pandemia de covid-19. Entre 2019 e 2021, as coberturas vacinais diminuíram em 112 países. A pandemia também exacerbou as desigualdades existentes.
O estudo aponta que as crianças que não estão recebendo vacinas vivem nas comunidades mais pobres, remotas e vulneráveis. Nos domicílios mais pobres, uma em cada cinco crianças não recebeu nenhuma vacina; enquanto nos mais ricos, apenas uma em 20. O relatório identificou ainda que crianças não vacinadas vivem, frequentemente, em comunidades de difícil acesso, tais como zonas rurais ou favelas urbanas.
O novo relatório global do UNICEF mostra que a interrupção de serviços na pandemia, sistemas de saúde sobrecarregados, falta de recursos e mudanças na percepção sobre a importância das vacinas impactaram esse número. O relatório faz um alerta para a urgência de retomar as coberturas vacinais no mundo.
“Essas crianças foram deixadas para trás, ficando desprotegidas de doenças sérias e evitáveis. As crianças nascidas pouco antes ou durante a pandemia agora estão ultrapassando a idade em que normalmente seriam vacinadas, ressaltando a necessidade de uma ação urgente para alcançar aquelas que perderam as vacinas e prevenir surtos e a volta de doenças já erradicadas no Brasil, como a pólio”, explica Youssouf Abdel-Jelil, representante do UNICEF no Brasil.
Para uma criança ser considerada imunizada, ela precisa tomar todas as doses recomendadas de cada imunizante e as doses de reforço, quando indicadas. O relatório global traz dados por país e usa como base a tríplice bacteriana (DTP), que conta com três doses. No Brasil, a DTP é oferecida como “pentavalente”, protegendo também contra hepatite B e contra a haemophilus influenza tipo b.
“Temos o grande desafio de retomar as altas coberturas vacinais em todo o Brasil após o retrocesso que vivemos nos últimos anos. Atualmente, o Brasil conta com uma cobertura vacinal das mais baixas da sua história desde a criação do Programa Nacional de Imunizações”, afirma a ministra da Saúde do Brasil, Nísia Trindade.
“Já tivemos 95% de cobertura em relação a vacinas como a da poliomielite, e agora não chegamos a 60% de crianças vacinadas. Esse quadro tem que mudar. Para isso, de uma maneira muito clara, temos de combater o negacionismo em relação a essa proteção dada pelas vacinas e às fake news que infelizmente têm sido veiculadas de uma forma irresponsável e criminosa”, completou a titular da Saúde enfatizando a queda da imunização no país nos últimos anos.
PÓLIO
No Brasil, para a vacina contra a pólio, os dados são semelhantes aos da DTP: 1,6 milhão não receberam nenhuma dose entre 2019 e 2021. Para a vacina contra pólio no território potiguar, foram 17 mil no mesmo período.
O relatório está pedindo aos governos que: identifiquem e alcancem urgentemente todas as crianças, especialmente aquelas que perderam a vacinação durante a pandemia de covid-19; fortaleçam a demanda por vacinas, inclusive construindo confiança; priorizem o financiamento de serviços de imunização e atenção primária à saúde; e reforcem os sistemas de saúde, incluindo investimento e valorização de profissionais de saúde, em sua maioria mulheres.
BUSCA ATIVA VACINAL
Diante dos dados brasileiros, o UNICEF destaca duas linhas de ação complementares e fundamentais. Em curto e médio prazo, o País precisa investir para ampliar os percentuais de coberturas vacinais em todos os estados e municípios, em um esforço conjunto em nível federal, estadual e municipal para que todas as cidades retomem ao patamar de mais de 95% de cobertura vacinal de rotina, recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
Em paralelo, é urgente encontrar e vacinar cada uma dos 1,6 milhão de crianças que ficaram para trás e não receberam nenhuma vacina contra a pólio ou a DTP entre 2019 e 2021, e também aquelas que perderam outras vacinas do calendário ou estão com doses atrasadas. “Uma busca ativa dessas crianças, olhando para municípios e estados com maiores números absolutos de não vacinadas e não imunizadas, é essencial, pois elas já ficaram para trás, e correm o risco de nunca ser imunizadas e protegidas contra doenças evitáveis. É urgente, também, retomar as campanhas de vacinação e estratégias de comunicação voltadas a famílias e profissionais de saúde, mas de forma regionalizada, respeitando a situação específica de cada território”, defende Youssouf Abdel-Jelil.
Essas também são as prioridades do Ministério da Saúde. “O Movimento Nacional pela Vacinação lançado pelo Ministério da Saúde em fevereiro deste ano visa unir todo o País no propósito de recuperar as altas coberturas vacinais para que o Brasil volte a ser uma referência em todo o mundo. Vamos reconstruir a confiança da população brasileira nas vacinas e na ciência. É um movimento em defesa da saúde e da vida. Vacinas e água potável são responsáveis pelo aumento da expectativa de vida em todo o mundo. As vacinas salvam vidas”, reforça Nísia Trindade.
Para contribuir com esse esforço nacional, o UNICEF no Brasil conta com a estratégia de Busca Ativa Vacinal (BAV), desenvolvida para apoiar municípios para encontrar crianças não vacinadas ou com atraso vacinal, e tomar as medidas necessárias para que elas atualizem sua carteira de vacinação. A estratégia conta com capacitações para profissionais de saúde, educação e assistência social, e uma ferramenta tecnológica para auxiliar nesse trabalho intersetorial. Para a BAV, o UNICEF conta com a parceria estratégica da Pfizer e o apoio da Fundação José Luiz Egydio Setúbal.
Relatório aponta queda na confiança das vacinas no pós-covid-19
O relatório Situação Mundial da Infância 2023 revela, também, que a percepção sobre a importância e a confiança nas vacinas para crianças diminuiu em 52 dos 55 países pesquisados. No Brasil, embora os índices continuem altos, houve uma queda de 10 pontos percentuais – antes da pandemia, 99,1% dos brasileiros confiavam nas vacinas infantis, e pós-covid-19 são 88,8%.
Diferentemente dos resultados globais, no Brasil, a queda de confiança foi mais acentuada entre homens mais velhos (maiores de 65 anos). Na maioria dos países pesquisados, a queda foi maior entre mulheres e pessoas com menos de 35 anos.
Para vacinar cada criança, é vital fortalecer a atenção primária à saúde e fornecer aos trabalhadores da linha de frente, em sua maioria mulheres, os recursos e o apoio de que precisam.
O relatório global constata que as mulheres estão na linha de frente da distribuição de vacinas, mas recebem baixos salários, têm empregos informais e enfrentam falta de treinamento formal e oportunidades de carreira e ameaças à sua segurança.
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