Por Lúcia Rocha / Especial
O jovem arquiteto e empreendedor, Kleber Alves, nascido em São Caetano do Sul, na Grande São Paulo, é detentor de premiação outorgada pelo IAB – Instituto de Arquitetura do Brasil – pelo Projeto Linha Mandacaru, que consiste num sofá, cabideiro e luminária, que será lançado por uma indústria mineira, brevemente.
Kleber utilizou como referência a passagem do bando de Lampião em Mossoró, em 1927, baseado nas histórias que ouvia desde criança sobre esse episódio, quando visitava a avó paterna, Maria Alves Cabral, também colaboradora na defesa da cidade, pois foi ela que costurou os bornais usados na trincheira.
O jovem arquiteto, graduado na Universidade São Marcos, na capital paulista, queria contar uma história do Brasil para valorizar a nossa cultura e explica: “Até para fazer uma homenagem à minha saudosa avó, por sinal, minha única avó. E, antes de começar a fazer qualquer desenho para esta linha, pesquisei esta história, para encontrar uma linguagem para o design deste produto. Além disso, eu queria falar sobre a resistência do povo nordestino. Lembro da cena em que estava sentado na calçada com minha avó, quando ela contava como se deu o seu trabalho”, relembra Kleber.
O ainda garoto ficou curioso e perguntava os detalhes: “Minha avó, sempre solícita, tinha sempre uma resposta pronta. Aquilo criou em mim uma vontade de levar essa história adiante, seja lá como fosse; como escolhi a arquitetura e design como profissão, é natural que usasse do meu talento nessa memória afetiva para desenvolver uma linha mobiliária”.
Algo chamou a atenção de Kleber em 2008, quando foi inaugurado o Memorial da Resistência de Mossoró, projeto do arquiteto cearense Nilo Fausto, de quem é fã.
“Visitei o memorial no ano seguinte e fiquei satisfeito ao ver a foto da minha avó, dentre os homenageados como heróis da resistência ao bando, ela como única mulher. Uma coisa é você ouvir da própria avó aquele trabalho, que foi confeccionar os bornais, outra coisa é você ver o reconhecimento do poder público pelo feito de algo confeccionado por uma mulher tão simples, sem formação escolar”, regozija-se. “Em três meses desenhei a linha e, durante seis meses, acompanhei o desenvolvimento do protótipo com a empresa parceira, Desygn Móveis Jardim, na cidade de Cláudio, em Minas Gerais.”
Pai migrou para São Paulo na década de 70
Kleber Alves é filho de um mossoroense, Pedro Alves da Silva, que migrou nos anos 1970 para São Paulo, em busca de trabalho, na área metalúrgica. Ali, casou-se com a patuense Mirian Nunes Paiva da Silva, com passagem no comércio local, foi caixa da Drogaria Rio Grande e chegou a ser Rainha do Comércio, em 1968. Além de Kleber, o casal tem a pedagoga Karina.
Kleber tem 42 anos de idade, há dez é casado com Luciane Alves Fortes. O casal tem Lívia, com 8 anos.
Kleber já é detentor de outras premiações; por exemplo, ano passado ele desenvolveu um banco para a campanha criada no instagram @euquerovirarjacare.
A campanha beneficente convidou arquitetos e designers para criação e produção de banquinhos com os seguintes requisitos: o banco precisava parecer um jacaré com as medidas 1,20 x 0,20 x 0,20 cm. Foi fabricado em alumínio com pintura eletrostática, revestido com tricô náutico emborrachado e madeira maciça.
O intuito da campanha foi fazer uma manifestação pró-vacina. Além de doar o valor arrecadado nas vendas das peças ao combate à pandemia de Covid-19. O banco Jacaré foi exposto na Semana de Design de São Paulo 2022, a Design Weekend, no Lounge da Bienal, no Parque do Ibirapuera.
Texto de Kleber Aves usado na arte do projeto Linha Mandacaru
Vem aí uma história minha, que é do Brasil também.
Lembro o nome de Lampião*, quando eu tinha oito anos de idade.
Foi na época em que tive mais contato com a minha avó paterna.
Isso, em Mossoró, a segunda maior cidade do Rio Grande do Norte.
Era costume, durante as tardes, sentar em cadeiras de balanço na calçada para conversar e escutar as histórias e estórias.
Uma dessas histórias é sobre a invasão do cangaceiro Lampião, em Mossoró.
Na época, o prefeito, Rodolfo Fernandes, armou a população, organizando as trincheiras para confrontar Lampião e o seu bando no ano de 1927.
Minha avó, então, com 23 anos de idade, foi convocada a costurar as bolsas para armazenar as balas dos integrantes das trincheiras. Essas bolsas se chamam Bornal.
No ataque, Lampião perdeu a batalha e, com isso, Mossoró tornou-se culturalmente hegemônica à memória da passagem do mítico cangaceiro Lampião e do seu bando pelo município.
Nas últimas décadas, aquele acontecimento vem sendo construído nos termos de uma resistência heroica e gloriosa da cidade à invasão do grupo de cangaceiros, sendo inúmeras as razões desta produção memorialística na cultura local. Inclusive, anualmente é encenada a peça Chuva de Bala no País de Mossoró, que atrai turistas de todas as regiões do país.
Em 2008, foi inaugurado o Memorial da Resistência de Mossoró. Uma praça com projeto museológico ao ar livre, contando com fotos-legendas toda a história da invasão de Lampião à cidade.
Homenageando a população que participou, diretamente e, indiretamente, contra a invasão dando origem ao título de Heróis da Resistência.
Desta forma, a minha avó recebeu este título por ter costurado os bornais antes da invasão de Lampião e sua foto lá está, estampada, como única mulher a participar diretamente do feito.
Fazendo uma analogia com a resistência à luta do povo nordestino, não poderia deixar de citar a planta mandacaru, um ícone do Nordeste.
Uma planta com as características de durabilidade, adaptabilidade e beleza. Sendo um símbolo da cultura nordestina.
A partir dessas referências, desenhei a Linha Mandacaru.
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