Terça-Feira, 14 de maio de 2024

Postado às 08h15 | 24 Set 2023 | redação Mariana Bezerra: 'É preciso romper a cultura machista de objetificação do corpo feminino'

Crédito da foto: Cedida Advogada Mariana Bezerra especialista em Direito Penal, Constitucional e Administrativo,

Por Ângela Karina / Jornal de Fato

Diariamente, milhares de mulheres sofrem com a importunação sexual em ambientes públicos e privados, em que são vítimas de condutas abusivas que extrapolam os limites do respeito e provocam sérios danos à personalidade, à dignidade ou à integridade física ou psíquica.

Esses abusos, geralmente, são ocasionados por meio de falas, mensagens, atos, gestos e comportamentos que afetam diretamente o bem-estar da mulher. E, embora a lei 13.718, em vigor desde setembro de 2018, tipifique como crime a importunação sexual, conforme redação do Art. 215-A: “Praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro: Pena - reclusão, de 1 a 5 anos, se o ato não constitui crime mais grave.", tal dispositivo legal não inibiu a ocorrência dessas situações, desagradáveis que se diga, como a recentemente divulgada envolvendo estudantes de medicina da Universidade de Santo Amaro (Unisa/SP) durante pelo menos dois episódios do Intermed, competição esportiva entre faculdades de medicina, realizada em maio deste ano.

Para saber como agir diante de situações como essa e entender mais sobre as implicações legais para quem pratica importunação sexual, Domingo conversou com a Conselheira Federal da Ordem dos Advogados do Brasil pelo Rio Grande do Norte, advogada Mariana Iasmin Bezerra Soares, professora universitária, Mestre em Direito pela Universidade Federal Rural do Semi-Árido (UFERSA), Especialista em Direito Penal, Constitucional e Administrativo, que gentilmente traz esclarecimentos sobre a temática e a representatividade feminina na política como mecanismos de combate às violações contra a mulher. Confira:

 

Qual a diferença entre importunação sexual e assédio sexual?

A importunação sexual envolve atos libidinosos não consensuais, enquanto o assédio sexual é um comportamento persistente e repetitivo de natureza sexual que cria um ambiente hostil ou intimidador para a vítima. Ambos são formas de violência sexual, mas diferem na natureza e na abordagem do agressor.

 

Tanto a importunação quanto o assédio são práticas criminosas?

Sim, no Brasil, tanto a importunação sexual quanto o assédio sexual são considerados crimes de acordo com a legislação vigente. A importunação sexual foi tipificada como crime por meio da Lei nº 13.718/2018. O assédio sexual é considerado uma forma de violência e é punido no Brasil com base em diversas leis, incluindo o Código Penal e a Lei Maria da Penha, dependendo do contexto em que ocorre. O assédio sexual pode se manifestar de várias formas, como comentários, gestos, ameaças ou outras condutas de natureza sexual que são realizadas de forma persistente e criam um ambiente hostil para a vítima.

Quais as implicações legais para quem as comete?

A importunação sexual é punida com pena de reclusão que pode variar de 1 a 5 anos. A pena pode ser aumentada se o crime for cometido em determinadas situações, como contra vulneráveis, em transporte público, em festas ou em locais abertos ao público. Já o assédio sexual pode ser punido com detenção de 1 a 2 anos. No entanto, essa pena pode ser aumentada se o agressor se utilizar de violência ou se a vítima for menor de 18 anos e, assim como na importunação sexual, a pena pode ser aumentada em certas circunstâncias, como quando o crime é cometido contra vulneráveis.

 

A conduta dos estudantes de medicina da Universidade de Santo Amaro (Unisa/SP) durante partida de vôlei feminino da Intermed em maio deste ano, mas só divulgada agora, é passiva de quais punições?

Inicialmente, pelas notícias que se tornaram públicas sobre o caso, os envolvidos estariam sendo investigados por “ato obsceno”. É um tipo penal que prevê pena de detenção, de três meses a um ano, ou multa. Com o caminhar das investigações, existe a possibilidade de que a conduta se enquadre no tipo da importunação sexual, podendo, dessa forma refletir em uma pena maior.

 

A Unisa expulsou os estudantes envolvidos nos atos obscenos. Qualquer posição contrária a essa se configuraria como conivência?

Sem dúvidas. 

Esse triste e revoltante episódio evidencia algumas das muitas violências sofridas pelas mulheres. Como romper essa cultura machista de objetificação do corpo feminino?

É um desafio grande e complexo. Para romper a cultura machista de objetificação do corpo feminino, é essencial promover educação sobre igualdade de gênero, desconstruir estereótipos, incentivar empatia e respeito, denunciar a violência, apoiar políticas de igualdade e promover a representatividade. Engajar mulheres e homens na luta pela igualdade e oferecer apoio às vítimas também são passos importantes. O envolvimento de diversos setores da sociedade é fundamental para criar uma cultura de respeito e igualdade de gênero.

 

O Projeto de Lei 3/23, de autoria da deputada Maria do Rosário (PT/RS), cria o protocolo "Não é Não", para prevenção ao constrangimento e à violência contra a mulher e para proteção à vítima; institui o selo "Não é Não - Mulheres Seguras"; e altera a Lei nº 14.597 (Lei Geral do Esporte). Qual a relevância desse dispositivo no combate ao assédio?

Projeto de Lei 3/23 é uma iniciativa importante no combate ao assédio. Ao oferecer instrumentos concretos para a prevenção, proteção e empoderamento das mulheres e a necessidade de uma cultura de respeito e igualdade de gênero, elabora um protocolo de boa conduta dentro do ambiente esportivo que, assim como tantos outros, ainda é muito machista.

 

O Rio Grande do Norte instituiu o Programa Tempo de Prevenir, por meio da Lei 10.978/21 de autoria da deputada Cristiane Dantas (SDD), para apoio à transformação social das comunidades por meio da desconstrução do machismo estrutural, da exposição da Lei Maria da Penha e da organização de projetos sociais para mulheres em situação de risco e de violência.  Na teoria, as mulheres estão bem protegidas. E na prática?

Em caso de ser uma realidade já reconhecida pela lei, com políticas públicas pensadas e encaminhadas, a prática é sempre mais difícil que a teoria. Isso porque é na prática que vamos encontrar as especificidades de cada caso, a realidade do dia a dia das mulheres. E é com essas especificidades que devemos ir moldando e adaptando a legislação.

 

Por que mesmo diante de tantos dispositivos legais as mulheres não estão seguras? Falta rigor no cumprimento às leis?

A falta de segurança para as mulheres no Brasil, apesar dos dispositivos legais, é resultado de uma combinação de fatores, incluindo cultura patriarcal persistente, subnotificação, ineficiência no sistema de justiça e falta de recursos. Além disso, a desigualdade socioeconômica e a tolerância à violência contribuem para o problema. Enfrentar essa questão requer um esforço coletivo para aplicar e fortalecer as leis, promover a igualdade de gênero e conscientizar a sociedade.

O avanço em políticas públicas voltadas às mulheres perpassa pela representatividade feminina na política ou pode ser dissociada?

A representatividade feminina na política e nos espaços de poder é crucial para avançar políticas públicas voltadas para as mulheres, mas não é o único elemento determinante. O engajamento da sociedade civil, o compromisso institucional e a participação ativa das mulheres na formulação de políticas também desempenham papéis importantes. Educação e conscientização sobre igualdade de gênero são essenciais para criar uma base de apoio para políticas inclusivas.

 

A minirreforma eleitoral (PL 4438/23), se aprovada, flexibiliza para que as cotas de gênero (30% das candidaturas legislativas) sejam cumpridas pela federação como um todo, e não por partido individualmente; os recursos destinados às campanhas femininas possam custear despesas comuns com candidatos homens e também despesas coletivas, desde que haja benefício para a mulher. Essa flexibilização não seria um retrocesso e acabaria por reduzir ainda mais a representatividade feminina?

A flexibilização das cotas de gênero proposta na minirreforma eleitoral pode ser vista como uma medida que, em teoria, busca facilitar a composição de chapas, mas corre o risco de enfraquecer o compromisso com a representatividade feminina. Ao permitir o uso de recursos para despesas coletivas, há o perigo de que as mulheres não recebam o investimento necessário para competir em igualdade de condições. Isso pode perpetuar desigualdades de gênero e comprometer o avanço na participação das mulheres na política. Portanto, é fundamental garantir que qualquer alteração nas políticas de cotas preserve o objetivo original de promover a igualdade de gênero na esfera política.

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