Domingo, 22 de dezembro de 2024

Postado às 09h30 | 16 Dez 2024 | redação Jovem cientista mossoroense desafia as adversidades e ultrapassa fronteiras

Crédito da foto: Louise Pinheiro Esthefany Rillary faz o símbolo de “eu te amo”, em LIBRAS

Por Estela Vieira - Especial

Quando criança, você já sabia o que queria ser quando crescesse? E agora, com mais idade, continua com o mesmo sonho?

A mossoroense Esthefany Rillary é uma jovem surda, de 17 anos, que responde “sim” a essas duas perguntas.

Quando nasceu, o coração da estudante do Curso Técnico Integrado em Informática do IFRN parou. Após vencer a primeira luta de sua vida, ao nascer de um parto difícil, Esthefany se desenvolveu saudavelmente, com o coração batendo cada vez mais forte pelo amor à ciência.

"Meu nascimento, minha história, tudo contribuiu para que hoje eu tivesse esse desejo de ajudar as pessoas e de fazer ciência, para ajudar principalmente a comunidade surda."

Com o apoio da mãe, sua fiel escudeira, Esthefany brilha em premiações de ciências. Em 2024, foi premiada na Feira Brasileira de Ciências e Engenharia, a FEBRACE.

Em entrevista ao portal oficial do IFRN em abril de 2024, Esthefany detalhou sobre o motivo que a levou a pensar, junto à sua equipe, o projeto “Acessibilidade no Transporte Público: uma Aplicação com Sistema de Prototipagem Arduino Nano V3.0 ATMEGA328P”, premiado na FEBRACE. O trecho a seguir foi extraído da matéria publicada por Kaio Braz:

"Para chegar até aqui eu pego dois ônibus. Só que eu percebia que eu não conseguia me comunicar tão bem com o motorista e ficava me questionando: como que vou solicitar a parada? Como vou entender onde é a parada? Quando tem muita gente eu não consigo me comunicar de outras maneiras. E se o ônibus passasse da minha parada? Muitas vezes a gente encontra precariedade."

Mas outro evento promovido pela Universidade Federal Rural do Semi-Árido (UFERSA) e pelo Instituto de Tecnologia de Massachussets (MIT), com apoio da embaixada dos Estados Unidos no Brasil, garantirá o primeiro carimbo no passaporte da potiguar.

Esthefany e Grasielly juntas com a bandeira do CAS/Mossoró

Ainda em 2024, a jovem cientista foi aprovada na fase internacional da Caatinga Rover Scientific Olympiad (Olimpíada Rover de Ciências), com o projeto “CAS Rover: Uma aventura na Xpedição caatinga 2024”.

"Eu me sinto muito feliz, muito emocionada, porque eu já tenho conquistado tantas coisas… vou para os Estados Unidos representar minha comunidade surda, e isso me deixa muito feliz, é um sonho que eu tô realizando."

A participação da jovem foi graças a um trabalho desenvolvido no Centro de Assistência ao Surdo de Mossoró (CAS). O professor Welton Batista dá aulas de robótica no Centro, e incentivou a equipe a participar da competição. A mãe de Esthefany, Estela Karla, explica a atividade do professor na Instituição.

Os alunos do CAS/Mossoró se interessaram pelas Olimpíadas Rover, incentivados pelo professor Welton. Passaram por toda a seleção, chegaram à fase final e foram medalha de ouro. Aí foram selecionados 10 alunos para irem aos Estados Unidos. A viagem está agendada para janeiro de 2025.

Além de Esthefany, quem também vai ganhar um carimbo no passaporte é Grasielly Rayara, membro da equipe de Esthefany e aluna do CAS, orientada por Welton.

 

O amor pela escrita

Esthefany aparece com a bandeira do IF

Além de cientista, Esthefany é escritora. Ela conta que, quando criança, tinha o hábito de escrever com a mãe, Estela Karla. Por meio da escrita, a jovem compartilhava sua história de vida. Mas a grande inspiração para se tornar uma escritora veio, também, de dentro de casa:

"Minha irmã, Maria Heloísa quando era criança ela participou de um projeto que era Estante Mágica. E eu ficava pensando: será que eu, surda, posso também escrever um livro? e daí começou o meu desejo."

O projeto “Estante Mágica”, que a irmã de Esthefany participou, é considerado a maior iniciativa de leitura e escrita da América Latina. Segundo o próprio site, crianças escrevem e ilustram seu próprio livro, criam seus games e comemoram seus trabalhos em um evento de autógrafos. Dados divulgados no site oficial apontam que são mais de 2,5 milhões de alunos impactados em todo o Brasil e outros 7 países.

E como se um gênio da lâmpada estivesse ouvindo seus desejos, a vontade de escrever se concretizou. Com um conto selecionado para a antologia “Iguais e Diferentes”, da Rubi Editorial, com organização da escritora Maria Jordânia de Oliveira, Esthefany vê mais um sonho ser realizado: está participando de uma obra literária contando a sua própria história para o mundo.

"Eu acredito que outras meninas surdas podem, sim, inspirar-se em mim, porque aqui em Mossoró não tem muito escritor surdo ainda… tem uma menina surda, o nome do livro dela é “O Silêncio da Vivi”. Eu fiz um projeto de ciência junto com ela, aí a gente criou esse livro."

A obra foi apresentada na V Feira de Conhecimentos Científicos, e teve a colaboração do projeto de extensão “Vigilância E Promoção em Saúde no Contexto Escolar: ações e estratégias de enfrentamento (VPSE)”, da Faculdade de Enfermagem (FAEN) da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN).

 

Estela Karla, o ‘Robin’ da vida de Esthefany Rillary

Os grandes heróis sempre contam com bons companheiros de luta para vencer suas batalhas. Esthefany conta com a ajuda de sua mãe, Estela Karla, para vencer as adversidades. Estela teve um parto difícil quando trouxe Esthefany ao mundo, mas as duas lutaram essa primeira batalha da vida unidas. E venceram.

A segunda batalha veio com a descoberta de que Esthefany é surda. O preconceito da sociedade e a dificuldade de comunicação levou Estela a aprender a Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) e acompanha a filha em seus projetos para ajudar na interpretação.

Esthefany e Estela juntas na Associação de Surdos de Mossoró

"Minha mãe sempre me apoiou. Ela está sempre junto comigo. Às vezes ela chega primeiro, e eu me sinto muito feliz quando eu vejo ela chegar. Quando eu tô apresentando, ela fica assistindo muito orgulhosa de mim, e eu me sinto muito feliz quando ela tá lá me ajudando."

Diante das conquistas da filha, o sentimento de Estela é de uma alegria imensurável, e ela se define como “a mãe mais orgulhosa do mundo”.

"Eu me sinto, eu acho que é… a mãe mais orgulhosa desse mundo. Porque desde que Esthefany nasceu, se você for ver os detalhes que ela colocou lá na história dela, no livro, a vida dela é um testemunho, né?! E quando eu descobri que ela era surda profunda, que nunca ia ouvir, eu me desesperei."

O desespero da mãe surgiu devido a uma realidade observada em seu passado. Estela conta que, quando era mais nova, conheceu uma mulher surda. Mesmo convivendo diariamente com essa mulher durante sua infância, ela nunca soube seu nome.

"Até hoje, para todos, o nome dela é “A Muda”. E quando eu recebi a notícia, eu lembrei muito dela… e eu pensava assim: é um nome tão lindo que eu escolhi para minha filha, e nunca ninguém vai chamar ela pelo nome. Aí hoje eu vejo nas redes sociais, lá na TCM, que ela já deu várias entrevistas… o nome dela quando aparece lá na tela… aí todo mundo conhece Esthefany, todo mundo chama ela pelo nome. E ela tem o maior orgulho de representar a comunidade surda, mas levando também o nome dela, né?!"

Além de saberem seu nome, Esthefany também conseguiu formar fãs. Orgulhosa, a mãe relembra um momento vivido pela filha em uma feira de ciências.

A gente tava na Feira do Semiárido e chegou uma menina. Ela é surda, ela é de Angicos/RN, e chegou gritando toda eufórica, porque queria tirar foto, gravar stories com Esthefany, que era fã… e assim vai, aquela festa. E eu naquela hora, né?! Eu pensei: poxa, ela queria ser referência para o surdo, e ela é referência para o surdo. Então tudo que ela queria ser hoje, ela é. E ainda vai conseguir muito mais, eu acredito.

Certificado de aprovação na etapa internacional do Caatinga Rover Scientific Olympiad

Famosa, reconhecida e aplaudida de pé, os sonhos da menina cientista-escritora ainda estão começando. Mas a ansiedade para a viagem estadunidense está em primeiro lugar no coração da jovem.

"Bom, no momento eu estou sonhando com essa viagem dos Estados Unidos, né?! Eu estou muito ansiosa para viajar… eu nunca viajei para fora do Brasil, vai ser a primeira vez."

E no ano que vem, o grande desejo é continuar participando de eventos científicos, promovendo ciência, tecnologia e inclusão para outras pessoas.

"Eu quero aprender mais e continuar tendo essas experiências boas, né? Eu me sinto muito feliz, porque eu aprendo junto com minhas amigas, meus amigos, minha família... Isso é muito bom para minha vida."

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