(*) Dra. Vanessa Sarmento / Especial
Nos últimos atendimentos no consultório, um tema tem surgido com frequência entre familiares de idosos: a dependência no dia a dia. Com o envelhecimento da população brasileira, mais famílias viverão essa realidade — e é importante saber lidar com ela com empatia e informação.
Mas o que é, de fato, ser um idoso dependente?
De forma simples, a dependência é a dificuldade para realizar atividades cotidianas. Na geriatria, usamos dois grupos para avaliar esse grau de independência: as atividades básicas da vida diária (como se vestir, tomar banho, alimentar-se) e as atividades instrumentais, mais complexas, como usar o telefone, preparar comida ou lidar com finanças.
Um ponto essencial é entender a diferença entre autonomia e independência. Um idoso pode ter autonomia — ou seja, capacidade de decidir o que quer comer, vestir ou para onde deseja ir — mas não conseguir executar essas tarefas sozinho, por limitações motoras ou cognitivas. Isso significa que ele é dependente, mas ainda possui sua vontade preservada, e essa autonomia deve ser respeitada.
Quando a família deve buscar ajuda?
Alguns sinais indicam que é hora de procurar orientação médica ou especializada:
Esses sinais não devem ser vistos como “normais da idade”. Muitas vezes, a dependência pode ser amenizada ou estabilizada com intervenção adequada, como reabilitação, fisioterapia, ou ajustes no ambiente.
Como agir quando a dependência já está instalada?
Essa é uma pergunta comum: “Dra., meu pai está ficando dependente. O que fazer?” O primeiro passo é respeitar a história de vida do idoso. Evite tratá-lo como uma criança — ele continua sendo um adulto com desejos, memórias e identidade.
Alguns princípios importantes:
A dependência pode trazer frustrações tanto para quem cuida quanto para quem é cuidado. Mas o olhar positivo e respeitoso pode transformar essa convivência.
E o papel da família e dos cuidadores?
É fundamental dividir tarefas para que o cuidado não recaia sobre apenas uma pessoa. O revezamento de responsabilidades, quando possível, alivia a sobrecarga emocional e física. Inclusive, o tema da sobrecarga do cuidador merece atenção especial. Cuidar de alguém exige também cuidar de si. Muitas vezes, quem cuida se anula, adoece ou entra em exaustão — e isso pode ser evitado com planejamento e apoio familiar.
Envelhecer não precisa significar depender
Tenho o privilégio de acompanhar muitos idosos ativos. Atendo, por exemplo, uma senhora de 90 anos que faz questão de caminhar sozinha todos os dias. Ela sempre me diz: “Se eu parar, enferrujo”. Esse tipo de atitude mostra como é possível manter a independência com segurança, mesmo em idades avançadas.
Uma reflexão final
Diante do envelhecimento acelerado da população, é urgente falarmos sobre dependência com mais naturalidade e menos preconceito. O cuidado com o idoso deve ser feito com dignidade, paciência e foco em sua qualidade de vida.
Termino com uma frase que resume bem a filosofia do cuidado geriátrico:
Foco nas capacidades, não nas limitações. Com esse olhar, é possível envelhecer com dignidade e manter a essência da pessoa, mesmo diante das limitações que o tempo pode trazer.
(*) Médica formada pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte e especialista em geriatria, pelo Hospital Sírio-Libanês
Tags: