Por Amanda Veríssimo/Uern
Folhas e mais folhas com assinatura de mais de um milhão de eleitores foram entregues na Câmara dos Deputados, em setembro de 2009, como resultado de uma campanha nacional por “eleições mais limpas”. Foi através da mobilização social que começava ali a tramitação da Lei da Ficha Limpa, que entrou em vigor em 2010, e tornou-se um dos quatro projetos de iniciativa popular a virar lei.
Cidadãos que são conhecedores do que acontece na administração de suas cidades, Estados, e de seu país são capazes de cobrar dos governantes e propor melhorias como essas. O professor doutor Leonardo Avritzer, membro do Conselho Consultivo da Associação Internacional de Ciência Política (IPSA - International Political Science Association), em seu estudo sobre o Ministério Público e a Polícia Federal, mostra que o controle e fiscalização da prestação de conta de instituições governamentais são horizontais, pois são os órgãos de Estado que se fiscalizam mutuamente. Por isso, é necessário que a sociedade exerça seu controle diretamente sobre as instituições de Estado, através da participação popular - tendo em vista que os maiores prejudicados diante da corrupção é o povo.
É levando em conta essas questões que o projeto de extensão “Participação popular como instrumento de combate à corrupção: educação e exercício da cidadania” foi implementado pela Faculdade de Direito (FAD) da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN), com a coordenação do professor David Leite e a colaboração das professoras Ana Morais e Ana Remígio. O intuito é contribuir tanto na formação humanística dos alunos graduandos do curso de Direito como na dos estudantes do ensino médio da rede estadual, que por meio da prática de exercícios que tratam os conceitos de estado, cidadania e corrupção aliados à produção literária, teriam uma maior consciência acerca da participação popular como instrumento de combate à corrupção.
PROJETO PARTICIPAÇÃO POPULAR
O projeto foi idealizado pelo professor David Leite (FOTO), em 2017, no Campus Avançado de Natal, disponibilizado para atender duas escolas públicas da cidade. No primeiro semestre de 2018, com a abertura do edital de submissão para novos projetos de extensão, ele foi implantado no campus de Mossoró. “O projeto vislumbra o papel dos alunos de ensino médio e fundamental perante o futuro da sociedade, e busca promover a conscientização acerca da participação popular como instrumento de combate à corrupção, tendo em vista que a participação popular é a premissa máxima de um Estado Democrático de Direito”, diz o coordenador.
A conscientização pautada na formação do pensamento crítico é feita pelos estudantes de direito que compõem o projeto; eles vão até as escolas públicas falar sobre os temas que permeiam a participação popular de forma acessível e dinâmica. “O primeiro passo foi ir até as escolas - que selecionamos previamente - para falar sobre o nosso interesse de executar o projeto lá, as escolas toparam, mas antes de pôr em prática as atividades, iniciamos uma capacitação em oficinas, que foram divididas em três módulos: direito e estado; cidadania; literatura e produção textual. O propósito é nos instruir a como passar esses conteúdos, para que os alunos das escolas consigam apreender as informações com facilidade”, conta Patrício Silva, aluno do 8° período e voluntário do projeto.
Além de Patrício, o projeto tem, atualmente, mais quatro alunos voluntários que se dividem em grupos para atender a duas escolas selecionadas: a Escola Estadual Moreira Dias e a Escola Estadual Aída Ramalho Cortez Pereira, escolhidas devido ao número elevado de alunos que possuem e por estarem localizadas em diferentes pontos da cidade, além da concordância delas em fazer parte da proposta.
ATUAÇÃO NAS ESCOLAS
Após a capacitação realizada nas oficinas, os alunos participantes ganham autonomia e confiança para executar o projeto. Os encontros nas escolas acontecem, normalmente, de quinze em quinze dias, com duração de 50 minutos. “Antes de irmos até as escolas, nós fazemos um planejamento de aula e separamos os pontos que são importantes a serem apresentados, depois dividimos entre o grupo o que cada um vai falar. Também levamos vídeos e atividades dinâmicas para facilitar no entendimento do assunto”, diz Raquel Maximino, aluna do 7° período do curso de Direito e voluntária do projeto.
Os alunos alvos são adolescentes de 14 a 17 anos e, através desse contato com os universitários e das disciplinas aplicadas em sala de aula, aprendem a importância da atuação popular na política e que ser cidadão é muito mais do que apenas votar. O projeto também fez com que esses alunos passassem a ver a universidade com outros olhos: “antes eles viam como algo distante, mas quando eles nos veem ali, e sabem que somos universitários, eles percebem que a universidade não está tão longe deles”, relata Raquel.
A temática voltada para questões políticas, para literatura e a produção textual também são grandes aliados na preparação para o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM). “Nós trabalhamos muitos autores contratualistas que caem na prova, e sempre levamos algum poema ou cordel para que eles possam ir se familiarizando com a interpretação de texto”, conta Raquel. Além disso, para somar como experiência para os alunos, uma das propostas que os membros do projeto almejam é estimular os alunos, após a finalização do conteúdo, a produzir algum material escrito - crônica, verso, cordel, história em quadrinho ou qualquer outra produção literária - sobre o que eles aprenderam, e a partir disso, selecionar algumas dessas produções para publicação.
ENSINO, PESQUISA E EXTENSÃO
O grupo de alunos que compõe o projeto também pretende fazer algumas publicações de pesquisas e levantamentos de dados acerca da realidade social, econômica e de rendimento escolar dos alunos. “O projeto me tornou interessado em produzir pesquisa, pois antes eu pretendia apenas seguir a carreira jurídica, e através dele passei a considerar a docência”, conta Patrício.
Outro diferencial do projeto é priorizar uma linguagem de fácil entendimento, algo que difere do direito convencional, que tende a ser dogmático. “Quando eu vi essa proposta eu me apaixonei, porque ela foge muito do que a gente vê em sala de aula. Essa é a importância das oficinas, pois aprendemos melhores formas de acessibilizar à educação. Esse tipo de projeto de extensão vem justamente para humanizar nosso curso e para nos humanizar”, diz a aluna Raquel. Além disso, o projeto permite que os alunos de direito deem um retorno a sociedade - que através dos impostos pagos, permite que a universidade gratuita exista - , mostrando que ser cidadão é bem mais do que votar.
Para o aluno de Direito, que faz parte do projeto, há a vantagem de aprimorar técnicas pouco trabalhadas dentro da graduação: a organização dos temas; a preparação das aulas; a negociação com as escolas; e a condução metodológica dos debates. E também há “o aprendizado da formação do pensamento crítico, do compromisso social ético com a seriedade da gestão do bem público, com uma cultura de paz e de vivência dos direitos humanos que é fundamental para o exercício profissional em qualquer área do conhecimento, porém para os profissionais relacionadas à operação dos Direitos é ainda mais relevante”, como diz a professora colaboradora do projeto, Ana Morais.
Além disso, o fomento da participação popular na gestão e nas tomadas das decisões, proposto pelo projeto, é um grande auxílio ao trabalho dos governantes, pois permite que a Administração Pública tenha mais eficiência e proatividade na execução de suas ações, assim como um maior comprometimento social.
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