“O hip-hop é o movimento cultural de resistência negra mais importante do mundo atualmente”. Essa afirmação é do professor de cultura popular da Duke University, dos Estados Unidos, Mark Anthony Neal. O aniversário dessa cultura é celebrado em várias partes do mundo, como uma forma de enaltecer o empoderamento da juventude negra e periférica, que esse movimento cultural possibilita. Em Mossoró, a celebração acontece pela primeira vez e o evento está marcado para às 19h, desta quarta-feira (14), no auditório Eliseu Ventania, na Estação das Artes.
Na ocasião, haverá palestra e apresentação artística com Carlos Guerra Júnior (a.k.a Mossoró Rapentista) e última classificatória municipal para o Slam RN, o campeonato estadual de poesia e perfomance, que acontece em outubro em Mossoró. A entrada é gratuita. A inscrição para o classificatória do Slam também é gratuita e pode acontecer na hora.
Apesar de ser um movimento cultural consolidado, o hip-hop surgiu de forma despretenciosa. O pontapé inicial para o surgimento dessa cultura partiu de um jovem que tinha apenas 18 anos: o DJ jamaicano Kool Herc. Ele resolveu dar uma festa no bairro que morava, o Bronx, em Nova Iorque, em 11 de agosto de 1973, e teve a ideia de substituir a transmissão de músicas na íntegra para trechos e “riscar” dois toca-discos para repetir as partes das músicas que mais gostava. Enquanto isso, o seu amigo Coke La Rock foi convidado para dar algumas palavras de ordem para animar o público. A festa levou o público ao delírio.
A partir desse pontapé inicial, as festas com esse novo estilo viraram uma febre no Bronx, que era considerada a favela mais perigosa do mundo na época. O DJ Afrika Bambaataa viu o potencial daquela festa com outras dinâmicas que haviam no bairro, a dança de rua e o grafite, e decidiu formar a associação Zulu Nation, para fomentar uma nova cultura que ele batizou como hip-hop e estabeleceu quatro elementos: MC, DJ, grafite e break dance. Essa cultura virou uma febre inicialmente em Nova Iorque, depois nos Estados Unidos e no mundo. O rap, que é o ritmo musical desse movimento e nasce da união do DJ e do MC, se tornou o porta-voz da juventude periférica, pelo baixo custo de produção e pela facilidade de gravação, não sendo necessário sequer haver notas musicais para gravar.
Isso fez com que jovens de praticamente todos os países do mundo visse no rap uma forma de transmitir as suas mensagens, sair da condição de excluído e empodera-se abordando temas diversos. Esse é o contexto que explica o fato de o aniversário do hip-hop ser comemorado no mundo inteiro, com semanas dedicadas a celebração dessa cultura, como acontece em Nova Iorque, Marselha (França), São Paulo e Tóquio.
Na comemoração em Mossoró, haverá uma palestra de Carlos Guerra Júnior, que está em processo de finalização de tese de doutoramento sobre o rap em quatro países de língua oficial portuguesa – Angola, Brasil, Moçambique e Portugal. Ele explica que, apesar da sua origem nos Estados Unidos, o rap não pode ser considerado um produto essencialmente estadunidense.
“O rap, desde o seu nascimento, bebe da cultura oral africana, dos sábios mensageiros da África Ocidental, os chamados griots, que transmitiam histórias pelo passa palavra. Apesar de ter nascido nos Estados Unidos, o realizador da primeira festa é jamaicano, e tinha muita influência africana no seu repertório. Além disso, o rap tem um elemento que é o sample, um recorte de outra música de um ritmo qualquer, para unir-se a batida do rap e formar sonoridades autênticas em cada local para onde se difunde. Por isso, o rap de cada local bebe de ritmos diversos. O rap de Portugal tem fado, no Nordeste há rap como forró, em Angola o rap se mistura com o semba e em Moçambique com a marrabenta. A própria forma como se canta o rap em cada lugar muda. Em Portugal, por exemplo, opta-se por repar muito rápido e com trocadilhos sintáticos. Em Moçambique, já se repa mais lento, com linguagem simples e tocando o sentimento”, ressaltou o pesquisador.
Carlos Guerra utiliza o nome artístico Mossoró “Rapentista”, justamente para demarcar uma mistura de rap com repente e mostrar a identidade nordestina. Ele já se apresentou, levando essa identidade nordestina, em países como Bélgica, Moçambique, Portugal e Hungria, além de ter se apresentado em São Paulo. Apesar de ser mossoroense, é apenas a segunda apresentação dele na cidade como artista.
A competição “Slam”
O slam é uma competição de poesia e perfomance, de textos autorais, que não pode haver utilização de instrumentos ou qualquer acessório. Cada participante tem apenas o microfone como elemento para transmitir os textos, que devem ter até três minutos. Cinco jurados são escolhidos aleatoriamente na plateia e cortam-se a maior e a menor nota, para garantir o equilíbrio na distribuição das notas.
Cada etapa acontece com três eliminatárias, até ser escolhido/a o/a campeã/o da noite, que garante vaga no Slam RN. Na etapa desta quarta-feira (14), haverá uma premiação extra de uma antologia da Casa dos Estudantes do Império (Angola & São Tomé e Príncipe). Esse livro é referente a uma série de poesias anti-coloniais escritas por poetas e poetisas dessas duas antigas colônias portuguesas enquanto estudavam na antiga metrópole.
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