Juiz Vladimir Paes de Castro, da 1a Vara do Trabalho de Mossoró, analisa os dois anos de vigência da reforma trabalhista, completados nesta segunda-feira, 11. Entre outras coisas, o magistrado afirma que a reforma trouxe prejuízo de acesso à Justiça.
Graduado em Direito pela Universidade Federal do Ceará (UFC), o juiz Vladimir Paes de Castro atua em Mossoró desde o mês de setembro de 2014, quando foi concluído o seu processo de remoção, já que antes o magistrado desempenhava suas funções junto ao Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região, em Pernambuco. Hoje responsável pela titularidade da 1ª Vara do Trabalho de Mossoró, ele já respondeu também pelas 3ª e 4ª Vara do Trabalho da cidade.
Vladimir Paes é o entrevistado da semana na seção “Cafezinho com César Santos”. Em pauta, os aspectos positivos e negativos da reforma trabalhista no Brasil, o mais profundo conjunto de alterações já realizado nos dispositivos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
Nesta segunda-feira (11), completam-se dois anos da entrada em vigor da lei 13.467 de 2017. Nesse período, o que mudou nas relações trabalhistas? Que efeitos práticos estão sendo observados, principalmente do ponto de vista da Justiça do Trabalho? Na conversa a seguir, o juiz Vladimir Paes responde a esse e outros questionamentos. Acompanhe.
Estamos chegando aos dois anos da reforma trabalhista. Qual a avaliação que o senhor faz desse período?
Houve uma série de mudanças com a reforma trabalhista. Foram modificados dezenas de artigos, então a gente pode se limitar a alguns, acho interessante sempre abordar a questão do acesso à Justiça, que é primordial para qualquer sistema de Justiça que o cidadão, principalmente aquele que não tem condições de arcar com os custos do processo, que ele tenha possibilidade de buscar o seu direito, quem vai dar razão a ele ou não é o Judiciário, mas que ele pelo menos tenha ao seu dispor as portas abertas do Judiciário para ele pleitear o que ele entende de direito.
ESSE acesso ficou prejudicado?
MUITO prejudicado, porque, com a reforma trabalhista, houve pelo menos três dispositivos que restringiram o acesso à Justiça, o mais conhecido, o que realmente gera maiores dificuldades no acesso à Justiça, é a questão de pagamento de honorários de sucumbência. O que é o honorário de sucumbência? É quando a parte ela perde, vamos dizer assim. Quando a parte perde algum dos pedidos, então o advogado da parte contrária vai ter direito a um percentual daquele direito que a outra parte perdeu no processo. O beneficiário da justiça gratuita, que é aquela pessoa que não tem condições de pagar custas de processo, ele nunca teve a responsabilidade de pagar esses valores, inclusive no Código de Processo Civil (CPC) ainda é assim. A CLT, que é o código que rege uma relação de desigualdade, porque em regra a parte autora, o trabalhador é hipossuficiente, uma parte mais fraca, estabelece que ele pode ter direitos que ganhe nos processos compensados com pagamento de honorários. E o que isso tem acarretado? Algumas pessoas estão deixando de procurar a Justiça, por conta desse risco de ter de pagar honorário de sucumbência.
ESSE é o ponto mais sensível?
EU ACREDITO que atualmente esse é o ponto mais sensível. Juridicamente falando, há vários outros pontos sensíveis, mas socialmente falando, a jurisdição existe para pacificar conflitos, a função maior do Judiciário é para que conflitos que existam no seio da sociedade, que não houve uma conciliação, uma conformação das partes, venham para o Judiciário e ele resolva a demanda. A partir do momento que essas demandas não chegam ao Judiciário, os conflitos ficam represados na sociedade, isso é muito grave, porque pode gerar inclusive violência, porque se a pessoa está se sentindo impotente, está com receio de procurar o Judiciário, que é a última instância de resolução de conflitos, por conta de uma legislação que veio estabelecer essa lesão ao acesso à Justiça, ela pode fazer alguma coisa, ficar revoltada. Esses conflitos que não são resolvidos no Judiciário são muito graves no macro, para a nossa sociedade que está num clima de polaridade política, de violência, de criminalidade, e isso é mais um elemento que vai piorar com certeza todo esse cenário do nosso país.
HISTORICAMENTE, a Justiça do Trabalho, dentro do tripé do Judiciário brasileiro, sempre foi vista com uma certa discriminação. Essa reforma trabalhista fortalece essa desconfiança ou não?
A DESCONFIANÇA eu entendo que é mais por questão de até falta de conhecimento das demandas que acontecem na Justiça do Trabalho. Todas as estatísticas apontam que a Justiça mais célere de todas é a Justiça do Trabalho, é a que entrega a prestação jurisdicional com maior rapidez, inclusive até porque o objeto central do processo são verbas de natureza alimentar, o salário, o 13°, as horas extras, aquele trabalhador que se tiver razão o Judiciário trabalhista intervém, de acordo com o processo, e entrega aquela prestação jurisdicional que o objeto é essa verba alimentar. A reforma trabalhista, a desconfiança que pode ter surgido foi por conta da diminuição de processos que houve no primeiro ano, 2018, os números são mais ou menos de 34% de redução de processos no país todo, e no Rio Grande do Norte foi 45%, foi o estado que teve maior decréscimo de processos.
UMA redução significativa...
ESSA redução, a nossa avaliação hoje em dia, de muitos operadores do direito do trabalho, se deu também muito por conta desses dispositivos citados por mim, que malferem o acesso à Justiça, então as partes, no ano de 2018 principalmente, deixaram de procurar o Judiciário, houve o represamento de demandas, por conta dessa possibilidade de pagar honorários de sucumbência, pagar custas. Por conta desses dispositivos, que muitos operadores do direito, inclusive eu, entendem por inconstitucionais, houve um decréscimo das demandas e isso gera uma desconfiança numérica, natural, mas nós continuamos julgando nossos processos, fazendo nossas audiências diárias e tentando resolver as demandas, que não são só em favor dos trabalhadores, qualquer pesquisa um pouco mais rebuscada nas estatísticas dos tribunais pode se detectar um número relevante de demandas que são julgadas totalmente improcedentes, ou seja, o trabalhador não ganhou nada. Então, é uma Justiça que, apesar de a legislação ser um pouco mais protetiva, como a legislação do consumidor também o é, nós trabalhamos e julgamos os processos de acordo com a lei. Não tem motivo para gerar essa desconfiança.
QUANDO se colocou em debate a questão da reforma trabalhista, tinha uma essência que a sua grande importância seria estabelecer uma nova relação entre patrão e empregados, em segundo plano viria a melhoria do ambiente de trabalho, com a geração de novas oportunidades de emprego. Nesses dois anos, na opinião do senhor, esses objetivos foram alcançados?
ESSE era um argumento muito utilizado pelos defensores da reforma trabalhista na época das discussões no Congresso. Essa foi uma ideia vendida, replicada na grande imprensa principalmente. A primeira coisa que eu gosto de falar é que uma alteração legislativa, qualquer que seja ela, por si só, não gera mais empregos. Quem é operador do direito do trabalho, que tem consciência do que é mundo do trabalho, sabe que uma alteração legislativa não vai, por si só, gerar emprego. O que vai gerar emprego é investimento do Estado na iniciativa privada, diminuição de juros, aumento das linhas de crédito para o pequeno empresário, para o grande empresário. Ainda havia outro risco com essa reforma: gerar empregos precários. Depois de dois anos, as estatísticas estão aí: o IBGE divulgou recentemente que houve uma pequena recuperação do nível de emprego, mas a grande maioria de empregos informais, sem carteira assinada, ou de empregos relacionados àquele novo contrato intermitente, que a pessoa não ganha sequer um salário mínimo por mês, então é muito complicado isso, porque gera um efeito cascata, inclusive na economia, porque a economia roda principalmente pelo consumo das famílias. A partir do momento em que os pais e as mães de família tenham a sua renda diminuída, inclusive com base legal, porque boa parte dos dispositivos da reforma trabalhista teve a consequência de diminuir a renda salarial do trabalhador, isso tem um impacto negativíssimo na economia, que é o que a gente está vendo.
DENTRO de uma necessidade de aperfeiçoamento, apesar de a reforma ser jovem, o senhor grifaria que pontos, que poderiam ou deveriam ser revistos?
NESSA reforma houve, sim, alterações que poderiam ser consideradas e são consideradas razoáveis, por exemplo, a questão do banco de horas que está menos burocratizado, regulação do teletrabalho, contrato temporário e outras situações que são tidas como razoáveis, regulação de intervalo intrajornada, trabalho de 12/36 para algumas categorias, há situações que são razoáveis e proporcionais. O problema é que, apesar de a CLT ter sido criada na década de 1940, no governo Vargas, ela veio paulatinamente sendo aprimorada, então a gente tem alterações de 2013, 2012, 2014, antes da reforma trabalhista. Então, é uma falácia esse argumento de que a CLT era uma norma arcaica; não é. Lógico que há dispositivos que são bem antigos, principalmente os relacionados a direito coletivo, sindicatos, que inclusive foi até alterada a contribuição sindical obrigatória. O maior problema dessas alterações que foram feitas é que faltou muito debate. O debate foi unidimensional, então só quem defendia as alterações da forma como foram impostas é quem tinha espaço de debate, tanto no Congresso quanto na imprensa. Não foi construída uma reforma trabalhista, que com certeza deveria ter sido feita, com várias visões, de todos os atores do mundo do trabalho, todas essas pessoas não foram ouvidas e por isso ela (a reforma) é tão criticada por boa parte dos atores do direito do trabalho.
UMA maior liberdade de negociação direta entre o empregado e o patrão, colocando num segundo plano as entidades sindicais, o senhor vê isso de forma prejudicial ou é algo que já poderia ter acontecido antes?
O NOSSO sistema, em regra, por conta de o direito do trabalho se tratar de normas de natureza de ordem pública, que trata de direitos indisponíveis, o espaço para negociações individuais já é reduzido pela legislação e pela própria Constituição. Então, a gente tem que partir desse pressuposto. A Constituição Federal limita o espaço para negociação entre o patrão, empregador e o empregado, mas existem, inclusive antes da reforma já existiam situações em que é admitida a negociação entre o patrão e o empregado, a exemplo do banco de horas, onde existe espaço para compensação semanal por acordo individual, sem precisar da intervenção do sindicato, e dentre outras situações, então burocratizar muito o contrato de trabalho não é uma saída boa, com certeza, mas também deixar o espaço aberto para negociações entre partes que não tenham a mesma equiparação de armas também não é o caminho. Então, a gente tem que achar um equilíbrio para que nenhum dos atores se sinta prejudicado e sufocado por conta de uma imposição legal.
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