A ministra da Agricultura, Tereza Cristina, foi enfática: “O preço da carne bovina não vai baixar.” Em evento na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP), ela apontou a alta da exportação para a China como uma das principais causas para a disparada do preço do boi gordo no Brasil, que está atormentando a vida – e o bolso – dos brasileiros.
Tereza Cristina apontou, também, que os pecuaristas estão no prejuízo porque o preço do boi estava representado há três anos.
"Antes, o produtor vendia uma arroba por R$ 140,00, em média. O que aconteceu é que, nesse primeiro momento de abertura, com a China pagando um preço muito bom, houve esse momento, digamos, de euforia”, disse a ministra. Em várias partes do país, sobretudo nos estados do Sul e Sudeste, uma arroba está sendo vendida a R$ 231,00. Ou seja, o preço quase dobrou nos frigoríficos e, por gravidade, no consumidor final.
Nas regiões onde a disparada do preço da carne bovina foi mais acentuada, o contrafilé chegou a aumentar mais de 50% nos últimos três meses; e o coxão mole aumentou 46%. Famílias de classe média-baixa são as que mais sofrem – e reclamam, sendo obrigadas a mudar o cardápio, conforme relatos apresentados em reportagens por todo o país.
Em Mossoró, a situação não é diferente. O preço da carne bovina também disparou, embora com índices menos radicais do que em outras regiões. O consumidor Marcos Garcia afirma que os preços estão bem “salgados” nos supermercados da cidade. Ele disse à reportagem do JORNAL DE FATO que coxão mole subiu de R$ 25,00 para R$ 30,00, e o coxão duro, que era encontrado por R$ 18,00 a R$ 20,00, agora custa R$ 25,00. A chamada “carne de segunda” subiu de R$ 13,00 para R$ 19,00.
A alta dos preços nos supermercados e nos mercados de carne também impactou a conta nas churrascarias e restaurantes da cidade. A porção do churrasco, que era cobrada em média a R$ 20,00, hoje já chega a R$ 23,00 e R$ 25,00 em determinadas churrascarias. Até o popular churrasquinho, encontrado nos bairros, também sofreu impacto da alta do preço do boi gordo.
INFLAÇÃO
A ministra Tereza Cristina afirma que o governo está monitorando a situação e, segundo ela, acredita que o próprio mercado vai encontrar o ponto de equilíbrio. No entanto, a disparada do dólar, que beneficia aos exportadores, e a China consumindo cada vez devido à peste suína naquele país, dificilmente os preços voltarão a um patamar pelo menos razoável.
Economistas avaliam que a alta do preço da carne bovina levará o mercado aumentar o preço de outros produtos, como o frango e o ovos, por exemplo. Por gravidade, deverá colaborar para uma aceleração da inflação nos próximos meses.
O economista Fábio Silveira, da Macro Sector, afirmou, em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, que as altas dos preços de alimentos, somados aos dos combustíveis e energia elétrica, farão com que 2020 entre com uma inflação de 4% a 4,2%, bem acimado do estimado pelo Governo Federal.
Recorde de exportações e baixa oferta são fatores preponderantes
A Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural (EPAGRI) de Santa Catarina pontua pelo menos cinco indicadores responsáveis pela disparada do preço da carne bovina, e o principal deles está no salto das exportações do produto, sobretudo para o mercado chinês.
O site especializado engeplus.com.br estima que de janeiro a outubro deste ano, foram exportados 10% de carne bovina em relação ao mesmo período no ano passado. “Isso fez que o preço do boi gordo dobrasse em vários estados. Em Santa Catarina, o preço do boi inteiro teve aumento médio de 3,5% na primeira quinzena do mês em relação ao mesmo período do ano passado, e com tendência de alta”, noticiou.
Especialistas destacam que a crise no mercado suíno chinês aumentou a demanda de exportação e procura pela carne bovina. Além do mais, o problema coincidiu com um período de entressafra do boi gordo no Brasil – motivado pela estiagem e redução da qualidade do pasto.
Entre os vários fenômenos apontados pelos especialistas, dois são sazonais:
1 - O período final de entressafra no Centro-Oeste, maior produtor de carne bovina do país. Trata-se de um período de estiagem, os pastos perdem qualidade e não tem boi gordo. É comum que aconteça isso neste período.
2 - O pico de demanda. No final do ano sempre temos aumento por conta das festividades, a entrada de 13° salário e as pessoas consomem mais carne bovina.
“O resumo da ópera é a baixa oferta de animais para abate – reflexo da estiagem - somada ao aumento recorde das exportações e a subida do dólar tornando o mercado internacional atrativo para os produtores”, explica o Engeplus.
Noutra ponta, a crise na suinocultura chinesa acontece desde agosto do ano passado, com a proliferação da peste suína africana, e também atinge outros países do continente asiático. Até então, a China era responsável por cerca de 50% da produção e consumo mundial de carne suína e estima-se que a crise tenha reduzido até 35% da produção chinesa.
“Por conta disso, a China tem exportado outras carnes para compensar a quebra. Em outubro, foi o maior volume já exportado de carne bovina em único mês na história do Brasil. E a tendência é que continue assim, reduzindo a oferta (no mercado interno) e pressionando os preços”, afirma Alexandre Giehl, analista de socioeconomia da Epagri.
Giehl também explica que outro movimento contribuiu para a redução da oferta de animais para abate. Por conta do custo elevado da produção nos últimos anos, os produtores passaram a abater fêmeas para reduzir o impacto. E isso resultou no nascimento de menos bezerros. “Há alguns anos os produtores têm abatidos mais fêmeas. Isso quer dizer que no ano seguinte serão menos animais para abate. Com o nascimento de menos bezerros, menos boi para abate”, argumenta.
Aumento das exportações poderá impactar supermercados e atacadistas
O aumento das exportações também poderá impactar na falta de alguns cortes em supermercados e atacadistas. O analista Alexandre Giehl explica que essa será a tendência neste fim de ano e o reflexo será a migração no consumo de carne de frango e de porco.
Caso a previsão se confirme, também haverá impacto nos preços. “Já temos relatos de supermercados e atacadistas preocupados com a falta de alguns cortes. As pessoas devem se preparar porque (o problema) vai existir por algum tempo. É possível que a migração (para outros tipos de carne) impacte o mercado. Na carne suína temos um cenário semelhante (à bovina), embora os preços ainda não tenham sido tão impactados”, explica o analista da Epagri.
Estima-se que entre janeiro e outubro o volume de exportação da carne suína aumentou em 12% com relação ao mesmo período do ano passado. No entanto, os frigoríficos têm conseguido manter o padrão de abastecimento do mercado interno.
Entre as carnes mais vendidas no mundo, em primeiro lugar aparecem os pescados, seguido das carnes suínas, de frango e depois bovinas.
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