Domingo, 02 de fevereiro de 2025

Postado às 12h45 | 12 Jul 2020 | Redação ‘Temos feito o possível no combate a esse vírus. A luta não tem sido fácil’

Crédito da foto: Reprodução Secretária Saudade Azevedo, titular da Saúde de Mossoró

Por Maricelio Almeida - Repórter do JORNAL DE FATO

Em entrevista concedida ao JORNAL DE FATO, a secretária de Saúde de Mossoró, enfermeira Saudade Azevedo, detalha as ações promovidas pelo Município na pandemia do novo coronavírus, com destaque para o papel do Executivo local na abertura de novos leitos para pacientes Covid-19.

Saudade também fala sobre o legado que será deixado por esse que é um dos períodos mais desafiadores para a saúde pública mundial. A secretária destaca que a situação atual, apesar de apresentar uma melhora em relação às últimas semanas, ainda não é confortável, e justifica a continuidade do plano gradual de reabertura das atividades econômicas na cidade. Acompanhe.

Na última entrevista que fizemos com a senhora, no dia 13 de março e publicada na edição do dia 15 do mesmo mês, Mossoró não havia registrado nenhum caso confirmado do novo coronavírus. Passados quatro meses, já são mais de 3,8 mil casos oficiais. São números que eram previstos pelo Município?

Acreditávamos que íamos ter um número sim elevado de casos positivos, pela própria localização geográfica do município. Isso pelo fato de estarmos entre duas capitais, e Mossoró ser polo de uma região onde muitos municípios do entorno têm relações de comércio com o nosso município. Enfim, a situação de Mossoró é delicada porque quando nós estamos estabilizando a curva, outros municípios começam a subir essa taxa de contágio e entram nas estatísticas em relação a ocupação em leitos de UTI. Tem município que sozinho tem uma taxa de ocupação que varia entre 5 e 10% do total de leitos disponíveis. Por outro lado, também temos um número considerado de casos descartados e um número de internados na faixa de 8%. Estamos trabalhando para reduzir esse percentual. Não dá para falar só dos positivos sem considerar todo o contexto da pandemia dentro do município. Precisamos ser otimistas. Mas, ainda estamos longe de estarmos numa situação confortável. Tudo muda muito rapidamente de acordo com os cenários. Esses cenários têm diversas variáveis que precisam ser analisadas e monitoradas.

Mossoró já passou pelo pico da doença?

Como falei anteriormente, temos que considerar os cenários e as variáveis desses cenários, como taxa de isolamento social, distanciamento social e como a população está atendendo as recomendações dos órgãos de saúde. Na minha opinião chegamos ao pico agora em junho, mas isso não significa que não possamos ter outros picos e outras ondas a exemplo de outros estados e até países. É uma doença onde nada é consenso. Quando, por exemplo, começamos a trabalhar com a Covid-19, pedíamos a população para só procurar as unidades de saúde quando estivessem cansados. Hoje, pedimos que procurem atendimento aos primeiros sinais. A questão dos medicamentos também.  Há muitos estudos e nenhum consenso. Então, monitoramento, avaliação, alerta e prevenção são os melhores remédios. Porém, é uma situação bem complexa, onde temos feito o possível no combate a esse vírus. A luta não tem sido fácil.

Quantos leitos de UTI, leitos clínicos, de estabilização, foram abertos em Mossoró desde o início da pandemia?

O que temos hoje: UTI - 20 no Hospital Regional Tarcísio Maia (HRTM); três leitos de UTI Pediátrica no Hospital Wilson Rosado; 35 leitos Apamim/São Luiz; 10 leitos Apamim gestantes; 11 leitos no Wilson Rosado exclusivamente privados, que podem variar de acordo com a necessidade do hospital, totalizando então 79 leitos de UTI. Quanto aos leitos de UCI (Unidades de Cuidados Intermediários): cinco leitos de sala vermelha, com respirador na UPA do BH. Leitos clínicos: 30 na Apamim/São Luiz; 35 UPA; 14 leitos no Hospital Rafael Fernandes e seis leitos no Tarcísio Maia, totalizando 85 clínicos. No total, são 169 leitos entre públicos e privados exclusivos para a Covid. Não estou considerando nesses números quatro leitos com respiradores nas UPAs do Santo Antônio e São Manoel, que são preferencialmente para outros agravos. Nem os leitos do hospital da Hapvida que compõem a rede privada do município, por variar muito de acordo com a necessidade.

Há uma expectativa e necessidade de abertura de novos leitos?

Por enquanto não. O que existe efetivamente é a possibilidade de abrirmos mais 35 clínicos no São Luiz. Porém, só vamos abrir se houver a necessidade, o que não existe nesse momento. Pelo contrário.  Mas, os canais de diálogos estão sempre abertos e estamos sempre conversando sobre todas as possibilidades. A necessidade hoje dos serviços de saúde por leito em todo o Estado é de UTI, que não é fácil abrir, porque não é ter só o respirador, o respirador é um dos equipamentos necessários. Precisa-se de uma estrutura muito maior que isso. Temos que considerar recursos humanos, qualificação profissional, medicamentos, EPIs, dentre outros itens. Apesar de saúde não ter preço, saúde tem um custo. E o custo do paciente Covid é cinco vezes maior do que pacientes com outros agravos. Em UTI, por exemplo, o consumo é bem elevado. Então, abertura de novos leitos de UTI tem todos esses condicionantes.

O Governo do Estado chegou a anunciar que abriria 170 leitos em Mossoró.  Essa promessa não se cumpriu. Isso de alguma forma agravou a situação na cidade, no sentido de assistência à população?

Sempre estamos com uma elevada taxa de ocupação, mas por outro lado temos controlado as solicitações de vagas na central de regulação de leitos. Ainda sobre a abertura dos leitos em Mossoró, a Prefeitura teve e tem um protagonismo, pois sempre esteve presente em todos os processos de discussão e abertura de serviços. Inclusive, alocando recursos e cedendo equipamentos, porque acreditamos na força das parcerias. Quem acompanha os bastidores desse processo sabe que a ideia do hospital de campanha nasceu na minha sala numa conversa com a equipe interventora da Apamim e que quando levada ao MP topou na hora junto com a Sesap. Somos todos protagonistas do processo de salvar vidas. Agora, temos nossas dificuldades financeiras. Veja bem, Mossoró tem um custo muito elevado porque não recebe há anos nenhum real das contrapartidas estaduais obrigatórias como UPA, SAMU e farmácia básica, o que passa da casa dos R$ 16 milhões. Sem contar o déficit de PPI que são mais de R$ 20 milhões de invasão de outros municípios. Essa conta não fecha! E para piorar, com a pandemia esse custo aumenta porque as internações dos pacientes Covid têm um elevadíssimo custo e o estado pactua para outros municípios e Mossoró que custeie os seus. E não tem sido fácil manter esse equilíbrio. Recebemos R$ 18 milhões do governo federal e emendas para Covid, mas só R$ 8 milhões eram exclusivamente para a PMM, os outros R$ 10 milhões tinham destinação própria.

Há uma cobrança da população quanto à testagem em massa. O Município deu início a esse processo, pelos mercados públicos. Quando os testes devem chegar aos bairros da cidade?

Iremos testar mais, se será em massa não tenho essa resposta agora. Mas, saiba que esse é um desejo da Prefeitura. Em linhas gerais, nós recebemos quase 7 mil testes rápidos do Ministério da Saúde, compramos 1.800 e recebemos de doação 600. Fomos o primeiro munícipio a fechar parceria com o Instituto de Medicina Tropical da UFRN e já foram realizados mais de 2 mil testes PCR (que são os testes de swabs). Ao todo, já realizamos mais de 10 mil testes, entre testes rápidos e swabs. O que ainda precisa ser aumentado. Todos esses testes foram utilizados na população, nos servidores da saúde e segurança. Sem contar os dos laboratórios da rede privada que estamos ainda contabilizando. É importante lembrar que teste não é vacina. O fato de você ser testado hoje não significa dizer que não poderá adquirir a doença amanhã. E dependendo do tipo do teste o resultado poderá ser questionado, dando falso positivo e/ou falso negativo. Estamos comprando mais cinco mil para possibilitar um drive thru nesse mês de julho, porém, iremos utilizar critérios para isso, além, obviamente, de continuar testando nas unidades especializadas do município.

A estrutura montada para atendimentos aos pacientes com Covid-19, em especial os leitos de UTI, permanecerá à disposição da população após a pandemia?

Após a pandemia fica um legado nas Unidades de Pronto Atendimento do município, por exemplo, com salas vermelhas montadas, redes de oxigênio ampliadas, pessoal capacitado. Ficam ainda, praticamente, todos os leitos públicos como os do Tarcísio Maia e do Rafael Fernandes, com estruturas e equipamentos novos ou renovados. Sobre o São Luiz, que foi locado temporariamente já não sei. Voltam provavelmente os 10 leitos de UTI gerais e os clínicos contratados.  Mas, isso fica para ser avaliado mais em médio prazo. Entretanto, ao final de tudo disso toda a rede de saúde de Mossoró ganha para melhor, para atender aos usuários do SUS.

O Município decidiu dar sequência ao plano de reabertura gradual das atividades econômicas. O que embasou essa decisão?

Os cenários, o pico da doença, a diminuição da taxa de contágio, a diminuição no tensionamento das portas. Embora o plano de reabertura tenha sido continuado, ainda estamos dizendo às pessoas que fiquem em casa, que mantenham o isolamento e o distanciamento social. Usem máscaras! Esse ainda é o melhor remédio. Essa doença não é brincadeira! Não é o fato de estar aberto um comércio que as pessoas precisam estar nas ruas. Por outro lado, é preciso acompanhar mais de perto se essa abertura possibilitou o aumento no número de internações. Se isso acontecer, retroceder ao plano não está descartado. A Prefeitura está publicando um decreto com protocolos a serem obrigatoriamente seguidos e que serão acompanhados de perto pelos fiscais da Secretaria de Saúde, da ambiental e das forças de segurança.

Caso queira acrescentar algo que não tenha sido perguntado, fique à vontade.

Gostaria de dizer que muitas coisas foram possíveis também pela rede de solidariedade que se formou, empresários, universidades, Câmara Municipal. Muitos ajudaram nessa corrente do bem. Dizer ainda que na medida em que muda o perfil desses usuários que contraem o vírus, as ações mudam também. Um exemplo disso é que vamos redesenhar o atendimento no anexo da UPA do BH, onde iremos diminuir número de leitos para que possamos reforçar a atenção básica com um centro de atendimento à Covid, exatamente tentando frear o número de internações no município; fazer um atendimento preventivo, sejam pacientes sintomáticos ou assintomáticos, com monitoramento dos casos positivos, acompanhar os comunicantes mais de perto. (Apesar disso já está sendo feito pelas UBSs) com realização de testes rápidos, para atender pessoas oriundas de qualquer região da cidade. É preciso se reinventar a todo momento. E esse será um reforço para as UBSs. Iremos continuar com todas as ações que estamos fazendo ao longo desses 120 dias, e sempre procurando novas estratégias e vencer essa batalha. Não é uma doença fácil! Eu tive Covid e sei o que passei. Tenho dito que é um encontro com a morte e uma caixinha de surpresa personalizada. Mas, graças a Deus estou de alta e me fortalecendo a cada dia. Baseado na minha própria experiência é que digo que as pessoas não baixem a guarda, fiquem sempre em alerta, e façam tudo aquilo que vem sendo dito e repetido ao longo dos últimos meses: ficar em casa, distanciamento e isolamento, higiene das mãos, ainda são as melhores armas no combate à Covid-19.

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