Manhã de segunda-feira, 18, na sede do Jornal de Fato, entre um cafezinho e outro, emendamos longa conversa com o empresário Antônio Gentil, fundador da Gentil Negócios e do Instituto Gentil. O mundo dos negócios, que renderia uma boa entrevista, deixamos de lado para valorizarmos a cultura enraizada no amor por sua terra que Gentil carrega no peito. Não há exagero na assertiva. Ele é apaixonado por Campo Grande, município do Médio Oeste potiguar, onde estão fincados os alicerces do “Conhecimento que Transforma”. Aos 74 anos, completados na quarta-feira, 20, Antônio respira o Gentil como oxigênio que precisa para viver: “O Instituto Gentil nasceu como complemento de mim. É onde procuramos ofertar o que um dia me faltou”, afirma, tomado pela emoção.
Na entrevista que segue, Antônio Gentil faz uma viagem ao túnel do tempo para contar como surgiu o Instituto Gentil e volta ao presente para revelar como será desenvolvido o segundo tempo desse patrimônio cultural de todas as gerações de Campo Grande.
O Instituto Gentil inaugurou a nova fase, talvez a mais importante desde a fundação, que é estrutura moderna para consolidar a proposta de conhecimento que transforma. O que o senhor projeta a partir dessa nova fase?
Eu fiz uma analogia com a partida de futebol. Jogamos o primeiro tempo nos primeiros 25 anos do instituto. Esse tempo diz muito do que eu sou e acho que cumprimos e ganhamos o jogo no primeiro tempo. Agora vamos fazer um segundo tempo superdiferente. Vamos conservar tudo que foi positivo no primeiro tempo, como a parceria com a Universidade de Brasília (UnB), com a Junior Achievement, que é uma organização americana superimportante, que trabalha somente com empreendedorismo, e agora firmaremos outras parcerias nessa nova fase. Tivemos uma reunião com o padre Charles Lamartine muito interessante, porque acredito que estar junto do Colégio Diocesano, da Faculdade Católica, sem dúvida, vai nos fazer muito bem. Então, ampliamos a nossa estrutura para vencermos também no segundo tempo.
Como foi pensado esse investimento para a nova fase do Instituto Gentil?
Ampliamos a nossa sede, com um projeto de Felipe Bezerra e maquete de Álvaro Negrello, um suíço que reside em Portugal. Nós preservamos a fachada centenária do prédio, como estímulo para que as pessoas não destruam o nosso casario que deve ter em outros municípios como Janduís, Caraúbas, a exemplo de Campo Grande. Criamos a brinquedoteca no subsolo, brinquedos inteligentes, acreditamos que a robótica será um fator da empregabilidade do amanhã. Nós já fizemos um pequeno curso e vamos trabalhar muito a brinquedoteca. Nesse segundo tempo, elegemos crianças, adolescentes e jovens. Digo que alguém cuide do adulto porque eu vou cuidar das crianças, dos jovens e dos adolescentes. Nós criamos para a fachada nova, com três metros, uma lâmina de água, para resgatar um pouco de nossa história. Somos fugitivos da seca. Quando criança, eu fui botador de água, meus irmãos foram para Natal e eu caçula, com oito anos, me tornei o homem da casa, e botar água em casa era uma das atividades.
É uma história forte...
Às vezes, eu fico conversando com meu neto de oito anos, contando quanta coisa eu fazia. Buscar leite a dois, três quilômetros de distância. Desse leite que a gente trazia, um litro a gente podia tomar, o outro era para fazer cocada e doce para vender, pra ter a renda.
Como o senhor saiu dessa história interiorana, de Campo Grande, para construir outra história, vitoriosa, na cidade grande?
Eu estudei cinco anos na Escola Adriano de Melo, onde tive uma professora que me deu o presente e o futuro. Essa professora, Francisca de Bráulio, era uma mulher à frente do seu tempo. Ela nos ensinou que o nosso município fazia parte de outros municípios, que construíram o Estado, a região Nordeste, o Brasil e que o Brasil fazia parte das Américas. Ela falava da Europa, dos Estados Unidos, e eu comecei a sonhar grande. Depois, fomos para Natal e meu primeiro emprego foi de botador de água no chafariz, coisa já fazia em Campo Grande. E como eu era muito ativo, uma amiga que frequentava a juventude operaria católica, vendo aquele menino correndo pra fazer as coisas, ela me indicou meu primeiro emprego formal em 1º de agosto de 1960. Depois daí, seguimos a nossa trajetória.
Essa história, de certa forma, está contada na pinacoteca do Instituto Gentil...
Está documentada no painel fotográfico. Fizemos uma Pinacoteca para Campo Grande, para o Rio Grande do Norte, diferenciada. Mostra um pouco da minha infância em óleo sobre a tela. Tem a homenagem a um amigo, Miguel Krisner, idealizador da Fundação Proteção da Natureza, no Paraná. Os quadros, mais simples, contam a história da Serra do Cuó, do açude do Morcego e de outras coisas da cidade. Intercalado a isso, nós criamos três painéis, o primeiro começa com Picasso, depois mais quadros simples e em seguida os artistas brasileiros começando com Tarsila do Amaral. Tem ainda quadros com a história dos artistas do Rio Grande do Norte e finalmente meia dúzia de artistas plásticos de Campo Grande. Também valorizamos a história das famílias e das pessoas que galgaram posição. Por exemplo, o senador do Império, um presidente do Tribunal de Relação em Ouro Preto, nascido na Fazenda Coroas. O que eu gostei muito de ter pensado foi mostrar pequenas coisas do sertão no primeiro arco, no segundo arco e o terceiro arco sobre o bioma caatinga, onde a gente fala da flora e da fauna.
Na nova estrutura do Instituto Gentil, o auditório se destaca por sua conectividade. Será um diferencial?
É um auditório diferenciado, no segundo piso. Ele é conectado com o satélite, onde eu tenho um amigo português Miguel Mar, que ele pode fazer uma palestra de Lisboa ou da cidade de Porto conectado com o ambiente, dialogando com os presentes. Já temos duas palestras, uma de Portugal e outra da Alemanha. Queremos destacar que também colocamos uma pequena estação elevatória, as escadas todas em mármore, todas com muito bom gosto. E no terceiro piso está todo o acervo dos 25 anos da fundação, composto de biblioteca, de museu, de música. Destacamos Kleber de Souza que é o ícone da minha família. Ele era tabelião, mas também era poeta, músico, uma figura diferenciada pra sua época. Depois tem um pouco da história da família Souza, um pouco da igreja. Tem um painel das minhas comendas, fotografias, um pouco da nossa história. Por fim, construímos um solário, com a parte descoberta e outra coberta. As crianças, jovens e adolescentes de Campo Grande precisam ver as estrelas mais perto, ver a lua, precisam ver o pôr do sol, nascente. Fazer alguns movimentos da música, do violão, lá em cima, numa noite, dando maior integração às crianças e adolescentes. E a parte coberta, a gente usa como um auditório alternativo, uma exposição de 34 metros com instrumentos musicais e outros equipamentos.
O senhor se define com a máxima “conhecimento que transforma”?
Eu acredito muito nessa frase. Só o conhecimento que transforma, elege patamares maiores para o ser humano e, principalmente, a partir da criança. Por que nós fizemos a brinquedoteca no subsolo? Para as crianças quando passarem pela escolinha de informática, passem também pelo museu, faça a viagem do prédio como um todo. Temos um exemplo de um ícone da nossa trajetória que é o Glaucio Zaqueu. Ele iniciou com a flautinha plástica, que nós comprovámos em São Paulo e distribuíamos com a criançada de Campo Grande. Os adultos nas calçadas ficavam reclamando da zoada que as crianças faziam. Foi aí que Zaqueu começou. Ele ficou com a gente até os 16 anos, depois seguiu para a escola de música da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, de lá foi pra Academia Cibele na Europa. Esse garoto agora está de novo na Academia Cibele fazendo pós-graduação, e a última vez que nós conversamos, ele estava em Viena se apresentando em um dos maiores teatros de lá. Isso é espetacular!
Não é comum encontrar alguém que venceu na vida, com história importante no mundo do empreendedorismo, que volta as suas origens para retribuir um pouco a sua terra. De onde vem a sua inspiração?
Nossa história de vida tem lições, conhecimento e também sofrimento. Quando eu cheguei a Natal, me inspirei numa frase: vencer ou vencer. A minha irmã tinha uma amiga que era da juventude operária católica e um ex-chefe dela estava inaugurando uma empresa chamada Camisaria União, chegou a ser grupo de lojinha, e lá eu passei vinte e quatro anos, cinco meses e quatorze dias. O aprendizado do sertão é muito forte. Com 22 anos eu já estava viajando para as compras de calçados em Recife (PE) e daí foi um salto pra chegar a São Paulo. Participei dos melhores fornecedores do Clube da Moda e foi abrindo loja pra essa sociedade chamada Camisaria União, cujo dono era um paranaense casado com os Bezerra de Medeiros, de Currais Novos. Eles nunca tiveram filhos e praticamente me adotaram. Na colônia judaica árabe, que eu era muito forte, também tive muitos exemplos positivos. Certa vez, Kalil Abi me viu descendo do ônibus, e eu já com as chaves pra abrir a loja na mão. Ele foi conversar sobre a venda de uma loja e disse: “eu quero vender a você”; e lembrou: “quando você desce do ônibus, já desce com a chave na mão. Meus filhos, que estudam no Marista, só tira a chave quando tá de frente à porta.” Isso é uma lembrança muito boa. Eu tenho uma frase que eu gosto muito: fazer mais com menos, que eu aprendi com a história do leite, não época de criança em Campo Grande.
Onde entra o Instituto Gentil?
Eu chego para uma missa de Santana 10 horas da manhã, termina a missa e nós conterrâneos que moramos em cidades distantes ficamos conversando. Eu fui abordado com a seguinte pergunta: qual é a posição do índice de desenvolvimento humano de Campo Grande? eu disse, não sei. É o centésimo quadragésimo terceiro entre os municípios do Rio Grande do Norte, revelou. Aí eu levei aquela informação, conversei muito com o travesseiro, e tinha duas opções: você faz alguma coisa ou nunca mais vem aqui. Fizemos a primeira opção e estamos realizados por isso. É muito prazeroso ver as crianças na dança, na música, no balé, ganhando conhecimento, construindo um futuro melhor. A cidade absorveu o balé, a dança, a música, agora nós vamos trabalhar fortemente com palestras, cursos presenciais e on-line. Vamos jogar esse segundo tempo com coisas que eleve cada vez mais o conhecimento que acreditamos que transforma.
O Instituto Gentil é bancado exclusivamente pela família. Não há parceria com qualquer órgão público ou político. Por quê?
Quando comprei o primeiro carro, sempre vinha assistir às missas de Santana, padroeira da cidade. E na calçada da igreja, quando eu já tinha uma posição de entidades de classe, começaram a comentar: ele quer ser vereador. Depois, descobriram que tinha duas lojas e passaram a falar que eu queria ser prefeito; depois disso, comentaram que era deputado estadual, depois federal. Mas eu nunca tive habilidade para vida política partidária, não tenho interesse político. Cheguei até a pensar de levar meu título de eleitor para São Paulo, porque eu tenho endereço lá, mas não é isso que eu quero, e meu domicílio eleitoral é do meu estado. A minha relação com Campo Grande é muito forte, é a minha terra, e posso retribuir com o Instituto Gentil, com o trabalho que estamos realizando, acreditando que o conhecimento pode transformar a vida das nossas crianças, jovens e adolescentes.
Um fato que impressiona é que a obra do Instituto Gentil, que o senhor inaugurou na sexta-feira (15), foi executada no período da pandemia da Covid-19, que desafiou a todos, e principalmente a empreendedores como o senhor. Como o Grupo Gentil enfrentou esse momento?
Na pandemia, nós amanhecemos o dia com 100 unidades de negócios fechadas. Como iriamos abastecer 15 mil mulheres revendedoras, que fazem parte do projeto de fazer com que as pessoas ganhassem junto com a gente, tivessem renda para a sua casa, para os seus filhos? Esse foi um grande desafio. Então, o ensinamento do sertão diz, não, tudo fechado não. Aí, levamos em conta a frase: saúde, sim, o pão nosso de cada dia, também. Isso foi um fator que a segunda geração abraçou e, em 72 horas a gente estava fazendo as entregas nos bairros e com as vendas on-line. Nas esquinas, onde entregávamos os produtos, não tinha o contato, respeitando os decretos e os protocolos sanitários. Com a idade que tenho, eu podia ficar em casa, mas meus filhos e netos tinham que sair para trabalhar. Essa coisa de “fique em casa”, a conta chega depois. Quantos empresários fecharam suas portas, quantos lojistas no Brasil fecharam suas portas? E nós usamos as vendas on-line, inovamos o sistema de entrega e enfrentamos a pandemia com responsabilidade.
Para concluir, vamos aproveitar a analogia do futebol, que o senhor citou, para perguntar como as futuras gerações da família são preparadas para comandar o segundo tempo do Instituto Gentil?
Essa história nasce na Ribeira, um bairro de Natal. Eu menino de calça curta ia passar telegrama na empresa inglesa onde trabalhou Luiz Maria Alves, Silvino de Oliveira. Depois a gente lembra das empresas de trem, de energia, de algodão, aquelas 14 agências bancárias, comércio fervilhando. E eu vi, ao longo do tempo, tudo isso se acabando. Então, eu disse a mim mesmo: não vai acontecer isso com a gente. O Instituto Gentil tem 25 anos, depois mais 25 anos e, assim sucessivamente, com os nossos filhos, netos, bisnetos... A primeira geração é a de Antônio e Marluce Gentil, a segunda geração de Glícia, Glênia e Glauber (filhos), a terceira é de Felipe, Daniel, Rafael, Geovana, Gabriela e Gael, os netos. E agora chegou a bisneta da quarta geração. Então, eu acredito que lá de cima, eu e você, conversando, estamos vendo as futuras gerações seguindo a nossa história.
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