No Cafezinho com César Santos, tomado na sede do Jornal de Fato, Tony Fernandes conta detalhes da relação política conflituosa com o prefeito Allyson Bezerra, faz duras críticas à gestão municipal e reafirma a pré-candidatura a deputado estadual
Cabo Tony Fernandes foi eleito vereador em Mossoró com a quarta maior votação em 2020 e a primeira entre os eleitos do Solidariedade. Ele recebeu 2.530 votos (1,83%).
No primeiro momento, foi visto como o nome forte do grupo do prefeito Allyson Bezerra (Solidariedade), dado não apenas ao sucesso nas urnas, mas pela forma inovadora como se apresentou à política. Mas, Allyson optou por prestigiar Lawrence Amorim (Solidariedade), bancando o seu nome à presidência da Câmara Municipal.
Tony aceitou e se manteve fiel ao partido e ao grupo político. Só que a relação foi se deteriorando e ficou insustentável quando o vereador se lançou pré-candidato a deputado estadual contra a vontade de Allyson. O rompimento político veio em seguida.
Tony criou o bloco Diálogo e Respeito, considerado independente, para estabelecer nova faixa de atuação no Legislativo. A reação do prefeito foi imediata. Allyson iniciou pressão dentro do Solidariedade para o partido negar legenda a Tony. Se isso acontecer, a disputa será judicializada.
No Cafezinho com César Santos, tomado na sede do Jornal de Fato, sexta-feira, 13, Tony Fernandes conta detalhes da relação política conflituosa, reafirma que será candidato à Assembleia Legislativa e faz duras críticas à gestão municipal.
O senhor será candidato nas eleições deste ano, mesmo com resistência ao seu nome dentro do Solidariedade?
Sim, sou pré-candidato a deputado estadual, inclusive o presidente do meu partido (Janiel Hercílio) me garantiu a legenda para disputar as próximas eleições. Mesmo com a divergência, que acontece no diretório de Mossoró, a gente vai disputar, sim.
Essa divergência foi aberta pelo prefeito Allyson Bezerra, já que abertamente ele se posiciona contra a sua postulação?
Eu senti essa resistência ao nosso nome desde o ano passado, inclusive, houve um pedido para que a gente viesse a desistir da pré-candidatura. Eu não entendo exatamente o porquê disso. Eu sou do partido, sempre tive uma ligação com membros do partido, como o deputado Kelps Lima que eu apoiei nas eleições de 2014. Na campanha de Kelps para deputado estadual eu ajudei o apoiando aqui em Mossoró, mostrando que sou homem de partido. Por isso, não entendo essa resistência que vem de parte do diretório municipal.
Se o Solidariedade negar a legenda para o senhor ser candidato, a questão será judicializada, há essa possibilidade?
Não tenha dúvida. Se o partido negar o nosso direito de ser candidato, vamos entrar na justiça. Sou membro do partido, fui eleito vereador mais votado do Solidariedade, com mais de 2.500 votos, sou fiel ao partido, então, eu acho que não há nenhum motivo plausível para retirar o nosso nome, até porque temos aparecido bem nas pesquisas. Não é justo para um candidato que tem as condições de disputar a cadeira na Assembleia Legislativa ser impedido pelo próprio partido.
O rompimento político entre o senhor e o prefeito Allyson tem a origem em qual razão?
Houve um desgaste e isso está bem claro. Primeiro, essa resistência dele a nossa pré-candidatura. Veja que em nenhum momento exigi ser o candidato do grupo político do prefeito, nunca existiu essa exigência da minha parte; ao contrário, sempre deixei isso muito claro. Eu sabia exatamente que eu não tinha nenhuma chance de ser o preferido do grupo do prefeito, mas também sabia, como sei, das minhas condições de disputar as eleições deste ano, mesmo tendo outros candidatos no grupo, o que é normal. A minha postulação é um direito natural e vamos cumprir isso. O nosso nome tem aparecido nas pesquisas, entendemos que temos condições de disputar as eleições com chance de vitória, independe se o grupo do prefeito tem o seu candidato.
Qual foi outro motivo que o afastou da liderança do prefeito?
A gente teve dificuldade quando ele (Allyson Bezerra) definiu aliança com Fábio Faria (ministro das Comunicações e na época pré-candidato a senador) sem consultar os membros do Solidariedade de Mossoró. Eu só soube que estava acontecendo essa aliança quando a imprensa noticiou. O convite para participar de uma reunião com o Fábio Farias foi feito quando já estava tudo acordado. Eu tinha e tenho uma dificuldade muito grande de fazer aliança com Fábio, pelo fato de ter travado uma luta muito forte contra o governo do pai dele (ex-governador Robinson Faria) em defesa da nossa categoria (polícia). Acampamos na Governadoria por várias vezes e a gente teve essa dificuldade com Robinson, não tínhamos como aceitar uma aliança em que não fomos ouvidos e que tínhamos dificuldades de convivência com o grupo do ex-governador.
A formação do bloco “Respeito e Diálogo” foi o ponto que faltava para oficializar o rompimento?
Veio a reforma da previdência municipal quando nós ainda estávamos na base do governo, e não aceitei votar como queria o prefeito. A reforma veio para ser aprovada sem discussão, em uma semana, o que consideramos um absurdo. A gente estava lidando com a vida de milhares de servidores do município de Mossoró, não podíamos alterar a previdência para prejudicá-los, aumentando a alíquota para 14%. As categorias estão há anos sem um reajuste de salário, não poderiam perder diretos na aposentadoria. Então, quando vi que eu sozinho não conseguia frear a reforma, a gente juntou outros vereadores, também insatisfeitos com a situação, e resistimos ao projeto do Executivo. Já havia a insatisfação dos vereadores com a forma com que o Executivo enviava os projetos para a bancada aprovar em regime de urgência, sem nenhuma discussão, sem dar tempo para análise prévia, o que consideramos um absurdo. Eu tinha essa insatisfação desde o ano passado, então, daí surgiu a ideia de criar o bloco Diálogo e Respeito, o que levou ao rompimento em definitivo. O importante é que nosso bloco segurou a reforma da previdência, travou a pauta, chamou os sindicatos para discutir com a prefeitura e com o Previ. A gente conseguiu aprovar 11 emendas que amenizaram o impacto da reforma. O prefeito não gostou de nossa atuação porque não aceita o diálogo, quer que os vereadores apenas balancem a cabeça.
O senhor vai fazer “dobradinha” para federal com quem? E o candidato do seu partido ao Governo do Estado, Fábio Dantas, terá o seu apoio?
É comum na política independente que nomes de partidos diferentes possam fazer as chamadas dobradinhas para defender o bem comum. Nesse sentido, estamos conversando com alguns pré-candidatos a deputado federal, mas não definimos ainda nenhum nome. Temos dialogado com Kelps Lima e também com o Major Brilhante, com quem temos afinidade muito grande. Brilhante é meu amigo, fazemos parte da mesma associação de policiais, e isso pode viabilizar uma parceria nas eleições deste ano. Em relação ao governo, a gente vai seguir o candidato do Solidariedade, porque como eu falei, eu sou fiel ao partido e, até para ter a garantia de legenda para nossa candidatura, temos que seguir as orientações partidárias, o que não quer dizer subserviência. Eu sigo o meu partido, mas não sou subserviente ao Palácio.
O bloco Diálogo e Respeito tem conseguido se manter firme no propósito pelo qual ele nasceu?
Com toda certeza. Interessante é que alguns fizeram até apostas que o nosso bloco não durava uma semana, duas semanas, um mês, porque não aguentaria a pressão do governo. Realmente, foi muita pressão que os membros do Diálogo e Respeito sofreram para deixarem o bloco, mas, se mantêm firmes e completamente independentes. O bloco surgiu para discutir a forma como o Executivo apresentava os projetos, no sentido de exigir um debate maior, mais transparência, em defesa de Mossoró. No segundo momento, tornou-se completamente independente e até agora está muito firme. Os seis vereadores que compõem o bloco sabem o que querem e não concordam com a forma que o Palácio tem tratado a Câmara Municipal. Não vamos aceitar matérias importantes serem votadas sem debate, sem transparência. Recentemente, o Executivo aprovou o remanejamento orçamentário de 183 milhões de reais, contido em projeto de 317 páginas, que tinham anexos, e cada anexo com números que exigiam análise dos vereadores. O prefeito queria que a Câmara aprovasse em cinco dias, a gente protestou, não permitiu a aprovação sem análise e isso foi mais um motivo que fortaleceu o bloco Diálogo e Respeito.
Está tramitando na Câmara o projeto da LDO 2023 em que o Executivo propõe um percentual mínimo de 25% de remanejamento do orçamento. Ou seja, esse percentual deixa de ser teto para ser piso, o que sugere que se a Câmara aprovar o Executivo não terá limites a cumprir. Os vereadores vão aceitar essa proposta?
A gente considera completamente inconstitucional e ilegal a forma como a gestão municipal tem tratado o orçamento. Essa questão 25% de percentual mínimo não deve ser aprovada, porque é absurda. O vereador Pablo Aires (PSB) apresentou uma emenda para reduzir para 20%, o que eu ainda considero alto. Para se ter ideia, a Prefeitura de Natal tem apenas 10% de percentual de remanejamento do orçamento, em outras cidades são 8%. Então, não podemos permitir que a gestão municipal de Mossoró ultrapasse o limite do bom senso e legalidade. Além do mais, tivemos a gestão municipal extrapolando os 25%, quando pediu a autorização da Câmara para remanejar mais 183 milhões de reais, o que representam 20% do orçamento geral do exercício 2022. Ou seja, hoje o prefeito tem autonomia para mexer em quase a metade do orçamento. Da forma como o Executivo quer aprovar a LDO 2023, ele pode chegar até 100% de remanejamento, o que é uma aberração, além de tirar toda a autonomia da Câmara Municipal, não permitindo a fiscalização que nós vereadores possamos fazer em relação ao orçamento. Então, caso a bancada do prefeito aprove essa proposta, nós iremos questionar judicialmente, por entendermos que é completamente incondicional e imoral.
Outro ponto polêmico do projeto da LDO 2023 é o que limita as emendas impositivas para ações do próprio Executivo, tirando o direito do vereador de decidir onde os recursos serão aplicados. A Câmara vai permitir?
Essa proposta também é absurda porque ela vai ceifar a autonomia e competência dos vereadores. Veja que no orçamento deste ano, uma decisão judicial, bancada pela oposição, manteve o direito dos vereadores indicarem emendas impositivas. Foi uma vitória dos vereadores e das instituições que são assistidas por recursos dessas emendas. Infelizmente, nesse episódio, a Câmara recorreu contra os próprios vereadores, mas a Justiça foi feita. Nós não vamos aceitar que o Executivo tire esse direito dos vereadores e das organizações sociais. Não adianta a gente ter um discurso bonito que quer ajudar as entidades que defendem a causa animal, as pessoas com deficiência, a cultura e outros segmentos importantes e, ao mesmo tempo, permitir que o Executivo proíba as emendas impositivas que beneficiam essas entidades. Há um interesse claro da gestão municipal que essas emendas sejam alocadas apenas para ações do Executivo, deixando de fora as ONGs e entidades que cuidam das pessoas, dos animais, que realizam trabalho filantrópico importante e dependem de doações e de recursos públicos. O vereador Pablo apresentou emenda para eliminar essa proposta do Executivo e vamos trabalhar para aprová-la.
Duas obras iniciadas recentemente, as reformas do Teatro Dix-huit Rosado e da Praça da Convivência, já foram aditivadas em 49% e 40%, respectivamente, algo em torno de R$ 1,5 milhão as duas, conforme publicação oficial. A Câmara não se sente provocada de fiscalizar?
Temos que fiscalizar e vamos fazer isso, pode ter certeza. Não só iremos analisar os contratos dessas duas obras, como também de todas as obras que estão sendo feitas com recursos do FINISA (financiamento de R$ 143 milhões contratados em 2020 e que está bancando obras de infraestrutura na cidade), com recursos do município e com as emendas de parlamentares. A gente já está pegando esses contratos para analisar de forma minuciosa. Vamos também analisar e fiscalizar todos os aditivos feitos pela gestão municipal. Precisamos fazer essa fiscalização e apresentar o resultado à população. Esse é o papel do Legislativo, a obrigação do vereador, e nós vamos cumprir.
Há críticas em relação à falta de transparência no trato dos recursos públicos. Isso, de certa forma, decepciona pelo fato de o prefeito Allyson ter sido eleito com o discurso de que estabeleceria uma gestão inovadora?
Eu costumo dizer que tem pontos positivos e negativos na gestão de Allyson. A gente observa que há uma vontade de fazer ou de tentar fazer o melhor. Eu digo isso pelos secretários que estão se esforçado muito para fazer a coisa certa. Eu ligo muitas vezes para os secretários e eles atendem, dão um retorno e procuram atender naquilo que é possível. Esse é o ponto positivo, considero um avanço. Por outro lado, houve piora em alguns pontos. A relação do Executivo com o Legislativo é uma decepção. A Câmara Municipal continua sendo um puxadinho do Palácio porque o prefeito, assim como em outras gestões, mantém o Legislativo subserviente. Tudo que chega à Câmara tem que ser aprovado às pressas, sem análise, da forma como o prefeito quer, infelizmente. A gente tem uma dificuldade muito grande em analisar os projetos e isso eu já reclamava quando era da bancada do governo, inclusive eu fui um dos que lutei para que não derrubassem requerimentos de informação da oposição porque a informação ela é importante para a sociedade. Sempre tive resistência em relação a essa forma política, de passar por cima da Câmara Municipal de qualquer jeito e aprovar interesses do Executivo de todas as formas. Isso é uma política antiga que permanece. Também vejo um egocentrismo muito forte do prefeito. A história mostra que, ao final, o resultado disso não é bom porque ninguém consegue governar só. Prefeito não é uma divindade. Pensar e agir assim é um erro que outros políticos no passado chegaram a cometer e que estamos vendo acontecer o mesmo.
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