Por Luiz Felipe Barbiéri, Elisa Clavery, g1 e TV Globo — Brasília
O presidente da Câmara dos Deputados, deputado Arthur Lira (PP-AL), decidiu pautar um requerimento de urgência que proíbe a validação de delações premiadas fechadas com presos e criminaliza a divulgação do conteúdo dos depoimentos.
A delação premiada é um meio de obtenção de prova. O acusado ou indiciado troca benefícios, como redução da pena ou progressão de regime, por detalhes do crime cometido.
A proposta foi apresentada em 2016, na esteira da Lava Jato, pelo advogado e então deputado do PT Wadih Damous.
Àquela altura, o governo da presidente Dilma Rousseff enfrentava a abertura de um processo de impeachment e o avanço da operação, comandada pelo ex-juiz Sergio Moro, atualmente senador pelo União-PR.
O projeto foi protocolado semanas antes da divulgação da delação premiada do ex-senador Delcídio Amaral, que provocou um terremoto político em Brasília.
Se há 8 anos a intenção era proibir que réus presos da Lava Jato delatassem para obter benefícios e evitar a divulgação de conteúdo atingindo o governo do PT, atualmente o cenário aponta para outra direção.
Com expoentes da extrema-direita envolvidos em atos golpistas e episódios que resvalam no ex-presidente Jair Bolsonaro, o projeto pode beneficiar a ala ideologicamente oposta ao evitar que prisões possam ser usadas como instrumento de pressão psicológica para obter confissões.
Além disso, não está claro se o texto pode ou não retroagir para anular delações premiadas já validadas, como a do ajudante de ordens de Jair Bolsonaro (PL), Mauro Cid, que atinge diretamente o ex-presidente.
Quem pediu a urgência?
O requerimento de urgência permite a votação do texto diretamente em plenário. A competência para colocar em votação, no entanto, é do presidente da Câmara.
O primeiro signatário é o deputado Luciano Amaral (PV-AL) que, embora pertença a um partido que integra a federação partidária com PT e PCdoB, votou pela soltura do deputado Chiquinho Brazão (sem partido-RJ), acusado de ser um dos mandantes da execução da vereadora Marielle Franco.
Além dele, assinam o requerimento os líderes:
- Romero Rodrigues (PODE-PB)
- Elmar Nascimento (União Brasil-BA)
- Aureo Ribeiro (SDD-RJ)
- Altineu Côrtes (PL-RJ)
- Isnaldo Bulhões Jr. (MDB-AL)
O que diz o projeto
Conforme o texto, só poderá ser validada pela justiça a delação premiada fechada se o acusado ou indiciado estiver respondendo em liberdade ao processo ou investigação instaurados em seu desfavor.
A proposta também cria pena de 1 a 4 anos e multa para quem divulgar o conteúdo dos depoimentos colhidos, estejam eles pendentes ou não de validação judicial.
“A medida se justifica para preservar o caráter voluntário do instituto e para evitar que a prisão cautelar seja utilizada como instrumento psicológico de pressão sobre o acusado ou indiciado o que fere a dignidade da pessoa humana, alicerce do estado democrático de direito”, diz a justificativa apresentada pelo deputado para protocolar o projeto.
Vale para delações antigas?
O texto não diz, mas juristas avaliam que, por se tratar de matéria de direito processual penal, as regras não poderiam retroagir para atingir delações premiadas já homologadas, como a de Mauro Cid.
Neste cenário, Bolsonaro não seria beneficiado com a invalidação das acusações e provas apresentadas pelo ajudante de ordens.
Em entrevista ao Estudio I, o autor do texto reforça esta posição.
“Se a intenção desses parlamentares for anular delações já homologadas, vão dar com os burros n’água. Isso é um projeto de lei sobre lei de direito processual penal”, afirmou. “O projeto foi apresentado dentro de um determinado contexto. O que me causa espécie e indignação é que ele esteja sendo manipulado oportunisticamente".
Parlamentares ouvidos pelo g1 dizem que o tema deve ser judicializado e a decisão caberá ao Supremo Tribunal Federal (STF). Na avaliação deles, no entanto, não há clima para a anulação de delações já homologadas e que miram Bolsonaro.
É matéria processual. A questão da retroação ou não é norma processual, ela vige da sua edição pra frente. Aquele ato processual estaria válido, mas se aprovar lei haverá brechas para questionamento”, afirmou o advogado criminalista Michel Saliba.
Ainda que tenha efeitos apenas para casos futuros, as regras, se sancionadas, poderiam alterar o curso do caso Marielle se aplicadas a novos delatores.
Pode criminalizar a imprensa?
Segundo especialistas, este trecho é inconstitucional.
“Seria inconstitucional. O trabalho da imprensa, como ela obtém ou deixa de obter algo, é o sigilo da fonte. É uma coisa que deve ser respeitada. É algo fundante para o estado demcratico de direito”, afirmou Saliba.
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