Ministério Público de Contas abre processo para apurar contratação de escritório de advocacia que pode render até meio milhão de reais, recursos do Fundef. Prefeitura contratou escritório para uma causa já ganha no Supremo Tribunal Federal (STF)
Jornal de Fato
A gestão da prefeita Marianna Almeida (PSD), de Pau dos Ferros, na região do Alto Oeste do Rio Grande do Norte, está mergulhada em novo caso de suposta prática de ilicitude, com prejuízo ao erário público. Agora, é o Ministério Público de Contas (MPC-RN) que abriu processo, número 2493/2024 – TC, para investigar um contrato milionário suspeito, envolvendo recursos da Educação (FUNDEF).
A representação foi formulada pela Diretoria de Administração Municipal em desfavor da Prefeitura de Pau dos Ferros no que tange à contratação direta do escritório de advocacia Monteiro e Monteiro Advogados Associados, sob o CNPJ: 35.542.612/0001-90, tendo por alvo uma série de indicativos de irregularidades e que envolvem valores que podem chegar até meio milhão de reais.
Os indicativos de ilicitudes são:
1) a inexigibilidade licitatória nº 8/2023-0035 que precedeu e induziu à celebração do contrato nº 098/2023 não atendeu aos pressupostos legais aplicáveis na exata medida em que a parte contratada não demonstrou possuir qualquer notória especialização pertinente ao objeto ajustado (fls. 03/06);
2) as competências funcionais da Procuradoria Municipal disciplinadas na Lei nº 07/2013 foram usurpadas, já que as controvérsias judiciais ou extrajudiciais relativas a recursos do FUNDEF integram a sua margem própria de atuação (fls. 06/10);
3) a contraprestação contratual devida ao escritório contratado foi irregularmente pactuada com lastro na cláusula de êxito percentual sobre os valores potencialmente recuperados ao erário local (fls. 09/10), o que, de acordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, não é juridicamente admissível quando se trata de valores vinculados à conta do FUNDEF (fls. 11/14);
4) a depender do valor final dos créditos reintegrados à conta municipal do FUNDEF, estima-se que o escritório de advocacia contratado seria o destinatário de honorários advocatícios exorbitantes (fls. 14/15) em valores variáveis entre R$ 491.145,63 (quatrocentos e noventa e um mil, cento e quarenta e cinco reais e sessenta e três centavos) e R$ 654.860,84 (seiscentos e cinquenta e quatro mil, oitocentos e sessenta reais e oitenta e quatro centavos).
Ao final, a Diretoria Instrutiva pleiteou o deferimento, dentre outras providências de aprofundamento instrutório, de medida cautelar hábil à suspensão dos pagamentos ainda pendentes por parte do ente jurisdicionado – Prefeitura de Pau dos Ferros.
Prefeita tem 72 horas para apresentar defesa
A representação contra a gestão da prefeita Marianna Almeida, a qual o Jornal de Fato teve acesso, destaca que “os elementos de prova preliminarmente catalogados in casu pela Diretoria de Administração Municipal (evento nº 04, fls. 18/46) evidenciam que o contrato nº 098/2023, bem como o procedimento de inexigibilidade licitatória nº 8/2023-0035 que o antecedeu, padece de graves indicativos de ilegalidade potencialmente hábeis, inclusive, a caracterizar a ocorrência de dano ao erário do Município de Pau dos Ferros/RN”.
“Sinteticamente, percebe-se que a contratação direta por inexigibilidade do escritório de advocacia Monteiro e Monteiro Advogados Associados (CNPJ: 35.542.612/0001-90), a princípio, destoa dos restritos pressupostos fixados nos artigos 6º e 74 da Lei Nacional 14.133/20211 no que tange à conceituação normativa do que seria uma “notória especialização” e, de resto, contraria a jurisprudência consolidada no Supremo Tribunal Federal acerca tanto da impossibilidade de utilização de recursos do FUNDEF para fins de pagamento de honorários advocatícios quanto dos parâmetros condicionadores à excepcional terceirização de serviços de assessoria jurídica no âmbito de entes subnacionais que já possuam um quadro próprio de procuradores efetivos”, diz o documento.
E segue:
Trata-se, aqui, de uma conjuntura instrutória que, a depender do teor dos esclarecimentos adicionais ainda a serem prestados pela gestora responsável, pode vir a ensejar a expedição de medida cautelar direcionada à imediata suspensão de todos os atos de pagamento ainda pendentes na esfera do contrato nº 098/2023, sem prejuízo do posterior aprofundamento probatório e da eventual emissão das tutelas sancionatória e ressarcitória cabíveis.”
Ao final, o procurador do Ministério Público de Contas, Thiago Martins Guterres, que assina o documento, conclui:
“Por essas razões, faz-se imprescindível que, em estrita consonância com as linhas gerais do entendimento firmado pela Diretoria Instrutiva (evento nº 04), o Conselheiro Relator NOTIFICQUE CAUTELARMENTE a prefeita municipal de Pau dos Ferros/RN para que, dentro de 72 (setenta e duas horas), possa ofertar a manifestação defensória cabível ante as ilicitudes em tela, nos termos do art. 120, §1º, da Lei Complementar Estadual nº 464/2012.”
Prefeitura contratou escritório para uma demanda já conquistada no STF
A contratação do escritório de advocacia Monteiro e Monteiro Advogados Associados teve como objeto a prestação de serviço para o esclarecimento de pontos acerca do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação, bem como para gerar incremento de receitas ao Município, a recuperação das verbas relativas ao Fundo.
O contrato administrativo de nº 098/2023, cuja vigência é de 12 meses, a partir da assinatura – 17/07/2023 a 17/07/2024 -, tem o valor total orçado de R$ 3.274.304,22 (três milhões, duzentos e setenta e quatro mil, trezentos e quatro reais e vinte e dois centavos).
Só que, segundo o Ministério Público de Contas, as demandas previstas no contrato, “não envolvem risco algum, haja vista que a União já foi condenada a pagar as diferenças de FUNDEF na ACP nº 1999.61.00.0506160, restando apenas cumprir a sentença (apurar os valores e pagar), ou seja, por essa contratação, o escritório em todo caso será remunerado e em um valor bastante expressivo (15% a 20%) diante do pouco que ainda resta a ser feito para o efetivo ingresso das importâncias já reconhecidas.”
Vale enfatizar, o escritório busca, sobretudo, participar do quinhão (recursos financeiros) já garantido aos municípios por uma ação por ele não patrocinada, haja vista que todo o esforço para a recuperação das quantias foi despendido pelo Ministério Público Federal, em uma ação que durou quase 16 anos entre o ajuizamento e o trânsito em julgado e sem nenhum custo para os municípios.
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