Por César Santos – Jornal de Fato
No orçamento do município de 2023, aprovado pela Câmara Municipal de Mossoró sob protesto da oposição, a gestão do prefeito Allyson Bezerra (União Brasil) recebeu a autorização de realizar créditos adicionais “a partir” de 25%, ou seja, de forma ilimitada. Antes, o remanejamento era limitado “até” 25% na execução do orçamento.
Na prática, o projeto de orçamento do Executivo, aprovado pelo Legislativo, passou a ter pouco valor, uma vez que o gestor recebeu a autorização para realizar créditos suplementares sem qualquer limite. A mudança de texto de “até” para “a partir”, fragilizou a fiscalização da peça orçamentária, dando ao prefeito a liberdade para alterar rubricas do orçamento sem necessidade de passar pelo crivo dos vereadores.
Só que há desconfiança de que a mudança do texto, a partir de 2023, pode estar encobrindo a prática ilegal de pedalada fiscal, supostamente cometida pela gestão Allyson nos exercícios financeiros de 2021 e 2022. Excedentes utilizados sem previsão na Lei Orçamentária Anual (LOA) se configura em crime de responsabilidade administrativa e que pode levar à cassação do mandato, como ocorreu com a ex-presidente Dilma Rousseff (PT) em 2016.
Relatórios técnicos do Tribunal de Contas do Estado (TCE-RN) alimentam a desconfiança que a gestão Allyson cometeu o erro em 2021 e 2022. Os dados apontam que a gestão Allyson ultrapassou em R$ 1.101.336.138,09 do limite de créditos adicionais suplementares na execução dos orçamentos dos dois primeiros anos de sua gestão.
Os números foram publicados em primeira mão pelo jornalista Bruno Barreto em seu blog. “Foram R$ 113.809.090,11 em 2021 e incríveis R$ 987.527.045,98 em 2022”, noticiou.
O material jornalístico reforça que nos exercícios de 2021 e 2022 a gestão municipal tinha um limite de 25% em créditos adicionais sobre o total da despesa fixada. O jornalista destaca, com base no relatório do TCE-RN, que os dois relatórios apontam ausência de leis autorizando as novas aberturas de crédito:
“Contata-se a ausência de envio da cópia de lei correspondente à autorização para abertura dos créditos especiais, documentação obrigatória da prestação de contas, impossibilitando a validação se o montante autorizado – de fato – são os informados, as fontes de custeio bem como se houve autorização legislativa prévia para abertura de créditos especiais.”
O relatório complementa:
“Em caso de abertura de créditos adicionais sem a devida lei autorizativa, o gestor estaria incorrendo na realização de despesas não autorizadas em lei ou regulamento, e consequentemente na prática de um ato de improbidade administrativo capaz de causar lesão ao erário municipal.”
Baseado nos números levantados pela equipe técnica, é provável que o TCE-RN desaprove as contas dos exercícios de 2021 e 2022. Se isso ocorrer, o futuro de Allyson Bezerra fica nas mãos dos vereadores de Mossoró, que podem torná-lo inelegível em caso de confirmar, em plenário, a desaprovação das contas. Além disso, Allyson corre risco de enfrentar processo por improbidade administrativa.
Relatório de consultoria técnica já havia apontado inconsistências
A suposta pedalada fiscal nos orçamentos de 2021 e 2022 não é o fato isolado na gestão Allyson Bezerra. Recentemente, a oposição provocou os órgãos de controle para investigar graves inconsistências nas contas públicas do município. A denúncia foi protocolada no Tribunal de Contas do Estado (TCE-RN) e na Controladoria Geral da União (CGU).
As distorções entre os relatórios que a gestão Allyson entregou ao TCE-RN e ao Tesouro Nacional foram descobertas pelo escritório Anderson Quirino – Especialista em Governança Pública. O Jornal de Fato teve acesso ao relatório técnico do Anderson Quirino.
A oposição apontou suspeita de crime de responsabilidade e de falsificação de documentos, o que provocou os órgãos fiscalizadores a investigar o caso. O prefeito Allyson não se manifestou sobre o assunto. A Assessoria de Comunicação da Prefeitura de Mossoró também adotou o silêncio.
O Jornal de Fato mostrou, na edição do dia 11 de setembro, as distorções contábeis entre as versões enviadas ao TCE-RN e à Secretaria do Tesouro Nacional (STN), via Sistema de Informações Contábeis e Fiscais do Setor Público Brasileiro (SICONFI). Entre as falhas graves, o estudo encontrou divergência no valor da Despesa Bruta com Pessoal, conforme consta na versão entregue ao TCE/RN: R$ 425.999.738,24 e na versão remetida via SICONFI: R$ 443.776.924,33. Diferença entre relatórios: R$ 17.777.186,09.
Outros números relativos ao período da gestão Allyson Bezerra apresentaram discrepâncias que superam a barreira dos R$ 159 milhões em relação à folha de pagamento, o que incluem terceirizados de atividades fins.
“Foram analisados o 1º, 2º e 3º quadrimestres de 2021, 1º, 2º e 3º quadrimestres de 2022, e 1º, 2º e 3º quadrimestres de 2023 e 1º quadrimestre de 2024. Em quatro destes nove quadrimestres analisados, há registros de discrepâncias. Veja os números:
- 3º QUADRIMESTRE DE 2021
Versão do TCE-RN: R$ 425.999.738,24
Versão do SICONFI: R$ 443.776.924,33
Diferença: R$ 17.777.186,09
- 1º QUADRIMESTRE DE 2022
Versão do TCE-RN: R$ 380.962.162,64
Versão do SICONFI: R$ 410.948.203,29
Diferença: R$ 15.669.559,62
- 2º QUADRIMESTRE DE 2022
Versão do TCE-RN: R$ 432.339.442,53
Versão do SICONFI: R$ 386.664.737,52
Diferença: R$ 45.674.705,01
- 3º QUADRIMESTRE DE 2022
Versão do TCE-RN: R$ 452.546.675,96
Versão do SICONFI: R$ 372.668.067,59
Diferença: R$ 79.878.608,37
- TOTAL
Versão do TCE-RN: R$ 1.718.848.019,37
Versão do SICONFI: R$ 1.614.057.932,73
Diferença: R$ 159.000.059,09
Números podem ter sido manipulados para empréstimo de R$ 200 milhões
Quando o Jornal de Fato revelou os relatórios apontando as distorções, o vereador Tony Fernandes (Avante) levantou a suspeita que a manipulação nas contas públicas, supostamente produzida pela gestão do prefeito Allyson Bezerra, teve a finalidade de viabilizar o empréstimo de R$ 200 milhões junto à Caixa Econômica Federal (CEF).
Segundo o relatório técnico apresentado pela consultoria Anderson Quirino, “há uma possível indução a erro de cálculo do Indicador Capacidade de Pagamento (CAPAG), do Tesouro Nacional nos anos de 2022 e 2023, por inconsistências nos dados dos Relatórios de Gestão Fiscal (RGF). Este Indicador, utilizado como referência para obtenção de Operações de Crédito junto à União, toma como base as informações oriundas destes Relatórios e das Declarações de Contas Anual (DCA).”
O relatório segue: “Ressalta-se que a apresentação de Indicador CAPAG positivo (níveis A ou B) influenciou diretamente na aprovação, pela Caixa Econômica Federal (CEF) da contratação da 2ª Operação de Crédito Caixa/FINISA, no valor de R$ 200 milhões.”
O relatório técnico indica pelo menos seis situações de possíveis irregularidades nos relatórios de gestão fiscal da Prefeitura de Mossoró:
1 - Omissão das despesas com pessoal terceirizado no âmbito das despesas brutas com pessoal, afetando diretamente o cálculo de limite de gastos com servidores;
2 - Divergências nos valores de Despesa Bruta com Pessoal;
3 - Receita Corrente Líquida;
4 - Dívida Consolidada e Operações de Crédito;
5 - Ausência de assinaturas do Controlador Geral do Município e da Secretária de Finanças;
6 - Ausência de assinaturas do Chefe do Poder Executivo.
Tags: