Por Karla Lucena, Mateus Rodrigues, GloboNews e g1 — Brasília
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino rejeitou nesta segunda-feira (9), na íntegra, o pedido de reconsideração da Advocacia-Geral da União (AGU) sobre trechos da decisão que liberou a retomada do pagamento das emendas parlamentares.
Naquela decisão, ao permitir a retomada dos repasses, Flávio Dino definiu uma série de condições e restrições para o envio e a aplicação dos recursos – o que incomodou deputados e senadores e levou a novos impasses na articulação política do governo Luiz Inácio Lula da Silva.
A posição de Dino, de manter a decisão anterior na íntegra, pode complicar ainda mais a relação de Lula com o Congresso e impactar, por exemplo, a votação do pacote fiscal (entenda abaixo).
As determinações de Dino foram submetidas ao plenário do STF e confirmadas em votação unânime pelos demais ministros. Mesmo assim, em uma tentativa de pacificar os ânimos entre os poderes, a AGU pediu que Dino reconsiderasse alguns trechos mais restritivos das novas regras.
Na decisão que rejeita o pedido da AGU, Flávio Dino diz que "não há o que reconsiderar", uma vez que as determinações do ministro, que foram referendadas pelo plenário do STF, "derivam diretamente da Constituição", da Lei de Responsabilidade Fiscal e da lei que disciplina as emendas parlamentares.
"Ante o exposto, rejeito integralmente o pedido formulado, mantendo as determinações constantes na decisão proferida em 02/12/2024 e referendada, à unanimidade, por esta Corte", diz Dino no despacho.
???? As emendas parlamentares são uma reserva dentro do Orçamento usadas conforme indicação de deputados e senadores. É esse o dinheiro enviado pelos parlamentares às suas bases eleitorais.
O pagamento das emendas ficou suspenso entre agosto e dezembro, também por decisão de Flávio Dino. O ministro cobrava que Executivo e Legislativo encontrassem uma saída de garantir maior transparência sobre a autoria de cada emenda e a destinação dos recursos.
Ao longo desses últimos meses, representantes dos três poderes fizeram uma série de reuniões para tentar pacificar o tema. E, em novembro, o Congresso aprovou e Lula sancionou uma nova lei para regulamentar esses repasses.
Na decisão da última semana, Flávio Dino citou essa nova legislação como "suficiente" para garantir o retorno das emendas parlamentares.
Mas, na visão de parlamentares insatisfeitos e da própria AGU, os termos dessa decisão de Dino ultrapassaram o que estava previsto na nova lei. Ou seja: criaram regras ainda mais rígidas que aquelas acordadas entre o Planalto e o Congresso.
Decisão complica governo no Congresso
A decisão de Dino deve complicar, ainda mais, a relação já tensa entre o governo Lula e a base aliada no Congresso.
Isso, porque mesmo com as tentativas de acabar com o chamado "orçamento secreto" e moralizar o pagamento das emendas, esses recursos continuam cumprindo dois papéis fundamentais:
- para deputados e senadores, esse é o dinheiro enviado à base eleitoral para "mostrar serviço" e, na prática, prestar contas dos votos recebidos a cada eleição;
- para o governo, as emendas são uma importante "moeda de troca" para garantir apoio em votações estratégicas no Congresso – mesmo das emendas obrigatórias, já que cabe ao Executivo definir o cronograma de liberação do dinheiro.
Nas últimas semanas, líderes partidários já vinham afirmando que esperavam a resolução desse tema para votar temas importantes no Congresso. Entre esses temas, está o próprio Orçamento de 2025, já que as regras para as emendas impactam no desenho dos gastos do próximo ano.
A decisão "rígida" de Dino ao liberar a retomada dos pagamentos, no entanto, levou aliados insatisfeitos de Lula a colocarem outro tema nessa balança: o pacote enviado pela área econômica para cortar gastos e garantir o respeito ao arcabouço fiscal.
Na última semana, o governo testou a adesão da Câmara a essa revolta ao pedir urgência para o pacote, ou seja, autorização para que os textos sejam votados diretamente em plenário.
O placar foi favorável ao governo, mas por poucos votos – indicando justamente a insatisfação dos parlamentares com a articulação política. O ponto central da disputa, segundo líderes, é o imbróglio das emendas.
O cenário reacendeu, inclusive, a discussão de uma eventual reforma ministerial no governo Lula que poderia ser anunciada no início do ano que vem.
O que a AGU questionou
A AGU tinha pedido a reconsideração, por exemplo:
- do trecho que exigia aprovação prévia de cada ministério para as emendas feitas na modalidade de "transferência especial";
- do trecho que exigia o nome de cada parlamentar que pediu cada emenda, mesmo no caso das emendas de bancada e de comissão;
- do trecho que limita o crescimento anual do montante total de emendas ao menor índice entre três: o aumento da despesa discricionária, o teto do arcabouço fiscal ou a variação da receita corrente líquida.
O que Dino respondeu
No despacho desta segunda, Dino afirma que o limite para o crescimento das emendas foi discutido em reunião dos três poderes em agosto.
E que, em sua decisão anterior, apenas seguiu a equiparação entre "emendas parlamentares" e "despesas discricionárias" que já tinha sido feita pelo próprio Legislativo na lei de novembro.
Flávio Dino disse ainda que a apresentação e aprovação de planos de trabalho para execução das chamadas "emendas PIX" seguem requisitos previstos na Constituição e na lei que trata das emendas.
Disse, ainda, que emendas de bancada e de comissão devem ser registradas de forma a permitir a transparência e a rastreabilidade dos recursos indicados pelos congressistas para suas bases.
O ministro do STF ressaltou ponto da decisão que tomou na semana passada, segundo o qual qualquer parlamentar pode solicitar o pagamento de emendas de comissão e não apenas os líderes partidários.
"Não podem existir deputados ou senadores com mais prerrogativas, 'parlamentares de 1ª classe', e outros com menos, 'parlamentares de 2ª classe'", concluiu Dino.
Dino também refutou raciocínio da AGU de que o STF teria inovado – ao julgar as ações sobre as emendas de bancadas estaduais e de comissões temáticos – e decidido temas que não estão previstos na lei aprovada pelo Congresso sobre a execução das emendas.
"É a própria lei [que trata sobre a execução de emendas] que obriga a documentação do processo legislativo orçamentário em Ata, em consonância [com a Constituição], que prevê os princípios da publicidade e da eficiência no âmbito da Administração Pública, os quais são indispensáveis ao controle do gasto público", disse.
"O que fez este Supremo Tribunal foi explicitar um dever constitucional e legal relacionado ao devido processo orçamentário, em decisão destituída de caráter inovador", completou o ministro.
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