Mossoró, a segunda maior cidade do RN, tem na Festa de Luzia o maior evento religioso e popular do interior do Estado, mas segue na contramão do movimento de fortalecimento do turismo religioso. Prefeito Allyson Bezerra ignora o projeto do santuário
Jornal de Fato
Após Natal receber, há dez dias, a imagem para o santuário de Nossa Senhora de Fátima, agora é a vez de Assú também avançar no turismo religioso. O Governo do Rio Grande do Norte inaugurou a rodovia de acesso ao Santuário Irmã Lindalva. A obra garantiu estrada de qualidade entre a BR-304 e a comunidade onde está localizado o santuário religioso.
Além de Natal e de Assú, Patu, na região do Alto Oeste, também se fortalece como destino religioso, com a inauguração, em 2024, da via-sacra no acesso ao santuário de Nossa Senhora dos Impossíveis, localizado na chamada Serra do Lima. Ainda no Alto Oeste, na cidade de São Miguel, o turismo religioso ganha forma a partir do Memorial de Frei Damião, construído em um terreno de 10,8 hectares.
Essas cidades miram no exemplo de diversas outras mundo afora, que investem no turismo religioso para gerar emprego e renda. No Rio Grande do Norte, outra experiência exitosa é Santa Cruz, na região do Trairi, com a estátua de Santa Rita de Cássia.
Em cidades de outros estados, o turismo religioso é o principal vetor econômico. É o caso de Juazeiro do Norte, no sertão do Ceará, onde o turismo religioso potencializou a economia local e regional e transformou a vida das pessoas, a partir do santuário de Padre Cícero Romão. Estima-se que, anualmente, 2,5 milhões de turistas visitam a cidade.
Mossoró, a segunda maior cidade do RN e tem na Festa de Luzia o maior evento religioso e popular do interior do Estado, segue na contramão desse movimento. Por falta de interesse do prefeito Allyson Bezerra (União), a proposta de construção do santuário de Santa Luzia não prospera, e a gestão municipal até faz questão que caia no esquecimento.
Talvez porque tenha sido uma pauta levantada por adversário político, Lawrence Amorim (PSDB), ex-presidente da Câmara Municipal de Mossoró, e que ganhou força até a estratégia do prefeito de desidratar a proposta e obter efeito.
Dessa forma, até hoje é desconhecido o destino da emenda pix de R$ 200 mil, de autoria do deputado federal Benes Leocádio (União) e paga à Prefeitura de Mossoró em 1º de abril de 2024, para elaborar o projeto do santuário de Santa Luzia.
O parlamentar anunciou o envio dos recursos em audiência pública sobre o santuário, realizada no dia 14 de abril de 2023, na Câmara Municipal, quando diversos outros segmentos e lideranças políticas estaduais também declararam apoio à ideia.
Em 9 de maio de 2023, a governadora Fátima Bezerra (PT), em reunião na Casa Paroquial de Mossoró, demonstrou entusiasmo. “O Governo do Estado vai fazer parte da comissão e oferecer apoio técnico e financeiro”, assegurou diante de representantes da Diocese de Santa Luzia e do então presidente do Legislativo, Lawrence Amorim.
Já o bispo dom Francisco de Sales, dia 27 de março de 2024, em visita ao Legislativo Mossoroense, garantiu dar sequência à ideia. “Sem dúvida alguma, nós iremos entabular diálogos cada vez mais intensos e profundos”, prometeu.
De lá para cá, Natal, Assú e Patu avançaram no turismo religioso. Enquanto isso, Mossoró, por falta de compromisso da gestão municipal, dá-se ao luxo de subutilizar e até desprezar seu imenso potencial nessa área, por falta de empenho e de vontade política.
Calote na fé e na cidade
A promessa de construção do santuário de Santa Luzia no alto da Serra Mossoró ganhou força, e as manchetes, entre os anos de 2015 e 2016. O então prefeito Silveira Júnior apresentou o projeto com a proposta de fortalecer o turismo religioso e, por gravidade, beneficiar o desenvolvimento socioeconômico da cidade, além, claro, de valorizar a manifestação de fé em torno da santa padroeira.
Naquele ano, Silveira queria a reeleição. A promessa feita à comunidade católica fazia parte do projeto eleitoral, em detrimento do respeito à santa e à boa-fé do povo religioso. O fato é que o projeto não passou de promessa, nem Silveira conseguiu renovar o mandato.
No dia 26 de junho de 2016, Silveira escalou a Serra Mossoró para fincar a pedra fundamental para a construção do Complexo Religioso Turístico de Santa Luzia. O ato contou com a presença de representantes de diversos segmentos da cidade e, principalmente, de líderes da Igreja Católica.
Acreditava-se, naquele momento, na boa intenção do chefe do Poder Executivo, até porque um termo de cooperação havia sido assinado entre a Prefeitura e a Diocese de Mossoró, além da formação de uma comissão especial, instituída por meio de decreto, para acompanhar todas as etapas do projeto.
Silveira Junior, prefeito em 2019, apresentou uma maquete do santuário de Santa Luzia (arquivo do Jornal de Fato)
Silveira Júnior foi além na exploração da boa-fé dos devotos de Santa Luzia. Ele trouxe uma pessoa de nome “Antônio Pacheco”, apresentado como “grande empresário pernambucano”, que iria doar R$ 15 milhões para a construção do santuário. Numa aparição rápida na Serra Mossoró, o tal empresário jurou que a sua mãe, de nome não revelado, era devota de Santa Luzia, por isso, a sua disposição de fazer tal doação. Depois daí, o empresário desapareceu.
Outro ponto que chamou a atenção é que Silveira fez publicar no Jornal Oficial do Município uma série de decretos desapropriando terras da Serra Mossoró, o que gerou desconfiança. Uma linha de investigação foi iniciada, mas como o projeto do santuário não prosperou, nem as terras foram desapropriadas, o caso acabou caindo no esquecimento.
RN fortalece estrutura para alavancar turismo religioso
Santuário do Lima na cidade de Patu
Em reportagem especial publicada no jornal Tribuna do Norte, assinada pelo jornalista Adenilson Costa, o turismo religioso foi apresentado como um dos grandes focos de promoção do Rio Grande do Norte. O material foi realçado pelo imenso potencial na área, tendo como destaque diversos monumentos e espaços sagrados que buscam revigorar a fé.
O Ministério do Turismo, em seu endereço eletrônico, destaca que o RN oferece uma variedade de atrações religiosas, comercializadas por operadoras nacionais e receptivos locais. Destacam-se em Canguaretama, a Capela de Nossa Senhora das Candeias; em Natal, a Catedral Metropolitana e Igreja Santo Antônio; em Santa Cruz, na região Agreste, o Santuário de Santa Rita de Cássia; em Caicó, no Seridó, a Catedral de Sant’Ana; e em Patu, no Alto Oeste, o Santuário de Nossa Senhora dos Impossíveis.
Material jornalístico seguiu destacando: em São Gonçalo do Amarante, onde está instalado o Aeroporto Internacional Aluízio Alves, o turista pode visitar o Santuário dos Mártires de Cunhaú e Uruaçu; em Carnaúba dos Dantas e Florânia, no Seridó, o Monte do Galo e o Monte de Nossa Senhora das Graças, respectivamente.
Esses são alguns dos atrativos religiosos que destacam o potencial do RN para o turismo religioso e contribuem para o desenvolvimento socioeconômico regional, numa demonstração clara o potencial turístico potiguar vai além do sol e mar, da gastronomia e do geoturismo.
Na reportagem, o empresário Manoel Sidnesio Gomes de Moura, especialista em turismo religioso, considerou que o Estado tem grande potencial para impulsionar o turismo religioso e, assim, alavancar a geração de emprego e renda, porém, para alcançar esse objetivo, é essencial que haja uma colaboração entre a igreja, o governo e o setor privado, evitando o isolamento.
“O turismo religioso tem uma grande potencialidade na geração de emprego. Como exemplo, temos o Santuário de Aparecida, onde a cidade respira turismo religioso, e podemos citar também a cidade de Juazeiro, que vive do turismo religioso. Aqui mesmo, em Santa Cruz, podemos ver a transformação que ocorreu devido ao turismo religioso, especialmente, com a imagem de Santa Rita de Cássia, que trouxe empregos, renda e investimentos para a cidade, com empresas se instalando para atender aos visitantes. O impacto econômico do turismo religioso é realmente significativo”, afirma.
Segundo o especialista, o RN tem uma variedade de atrações e santuários religiosos, que têm capacidade para atrair devotos, peregrinos e turistas de diferentes regiões. “O turismo religioso é único turismo que não depende de sazonalidade, você pode fazer turismo religioso de janeiro a janeiro, ou seja, não depende de sol, chuva, vento, frio ou calor. O turismo religioso pode acontecer constantemente. Só precisa hoje de uma atenção e um maior profissionalismo.”
Patu fortalece turismo religioso com a construção da via-sacra
O turismo religioso é uma vocação natural no município de Patu, localizado na região do Alto Oeste do Rio Grande do Norte, desde a construção da primeira capela de Nossa Senhora dos Impossíveis, erguida na chamada “Serra do Lima”. Transformada em santuário, os fiéis locais e vindos de todas as partes do país escalam a serra para contemplar o lugar sagrado.
Em 2024, o complexo turístico-religioso ganhou um equipamento sagrado mais importante depois do Santuário: a via-sacra. Uma obra imponente, mística, que proporciona aos fiéis a prática devocional religiosa, ao percorrer o percurso de Jesus a carregar a cruz desde o Pretório de Pôncio Pilatos até o Monte Calvário, meditando simultaneamente na Paixão de Cristo.
A ideia de construir a via-sacra na ladeira da Serra do Lima partiu do ex-prefeito Rivelino Câmara (MDB), que levou em consideração dois pontos importantes: o primeiro – religioso – porque a obra fortalece o processo de reflexão sobre a Paixão e Morte de Jesus Cristo; segundo, o aspecto econômico, porque vai consolidar o turismo-religioso em Patu.
Com a ideia na cabeça, o gestor foi buscar no estado da Bahia o artista plástico e escultor Félix Sampaio, reconhecido internacionalmente, para confeccionar as esculturas da via-sacra. Rivelino encontrou Sampaio nas redes sociais e viu, como uma das referências, a via-sacra de Nazaré, na Bahia, uma das muitas obras do autodidata.
A via-sacra, confeccionada pelo artista plástico e escultor Félix Sampaio, da Bahia, foi implantada na ladeira da Serra do Lima. São 14 estações com 33 esculturas, em que se apresentam as cenas da Paixão de Cristo a serem meditadas pelos seus seguidores e devotos.
A partir daí, segundo dados oficiais, duplicou o número de visitantes ao Santuário do Lima, o que tem impactado positivamente a economia local e regional.
Via-sacra é baseada nas tradicionais 14 estações
As meditações da Via Sacra são baseadas nas tradicionais 14 estações ou etapas em que se apresentam as cenas da Paixão de Cristo. Confira:
1 - Jesus é condenado à morte;
2 - Jesus carrega a cruz às costas;
3 - Jesus cai pela primeira vez;
4 - Jesus encontra a Sua Mãe;
5 - Simão de Cirene ajuda Jesus;
6 - Verônica limpa a face de Jesus;
7 - Jesus cai pela segunda vez;
8 - Jesus encontra as mulheres de Jerusalém;
9 - Jesus cai pela terceira vez;
10 - Jesus é despojado de Suas vestes;
11 - Jesus é pregado na cruz;
12 - Jesus morre na cruz;
13 - Jesus é descido da cruz;
14 - Jesus é sepultado.
De acordo com a Igreja Católica, os devotos que fizerem a Via Sacra podem lucrar as seguintes indulgências:
- uma indulgência plenária por cada vez;
- uma segunda indulgência plenária, se comungarem nesse mesmo dia; do mesmo podem lucrar duas plenárias se, tendo percorrido a via-sacra dez vezes, comungarem dentro do mês.
Não é requerida qualquer oração vocal, nem qualquer demora a cada estação. Tão pouco é exigido que se reze seis Pai-Nossos, seis Ave-Marias e seis Glórias no fim, posto que essa prática seria muito louvável.
Mas é indispensável percorrer sucessivamente as 14 estações, exceto em vias-sacras públicas; percorrê-las sem interrupção notável; e meditar na Paixão do Senhor.
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