Segunda-Feira, 10 de março de 2025

Postado às 08h30 | 10 Mar 2025 | redação Corrupção: As peripécias de “Os Maias” no Senado Federal

Crédito da foto: Reprodução Ex-senador José Agripino Maia safou-se por ter mais de 70 anos

Por Regy Carte – Especial

Das mais belas obras da literatura universal, o romance Os Maias, do célebre Eça de Queiroz, foi publicado em 1888. Conta a história da família Maia ao longo de três gerações. Qual a relação entre os Maias do livro e a oligarquia política do Rio Grande do Norte? Deixo para estudiosos de História. Porém, algo mais do que o sobrenome leva à analogia: a crítica da obra de Eça de Queiroz ao vazio da vida burguesa e à decadência da aristocracia. Atualíssimo.

Decadentes, os oligarcas Maia há tempos estão na política do Rio Grande do Norte. Contudo, fatos recentemente vindos à tona acrescentam um quê de vergonha pública a essa derrocada. Porque adicionam um carimbo de corrupção a essa distinta família. Família de gente de bem, mas cuja atuação de um trio enodoa o seu brasão. São as peripécias de ‘Os Maias’ no Senado Federal.

Entre 2010 e 2015, quando senador, José Agripino Maia (União Brasil) manteve no seu gabinete no Senado “funcionário fantasma”. O esquema, naqueles 15 anos, desviou mais de R$ 700 mil dos cofres públicos. Os operadores eram os irmãos Ivanaldo Maia de Oliveira e Raimundo Alves Maia Júnior (Júnior Maia), primos de Agripino.

Para a Justiça Federal, com base em denúncia do Ministério Público Federal (MPF), os irmãos são culpados. A 14ª Vara da Justiça Federal no Rio Grande do Norte condenou Ivanaldo Maia e Raimundo Alves Maia Júnior por peculato. O ex-senador José Agripino, porém, conseguiu se livrar da Justiça.

 

Safou-se

Apesar de denunciado pelo MPF, Agripino sequer foi julgado. O MPF, de início, apresentou a denúncia ao Supremo Tribunal Federal (STF), porque na época Agripino era senador. Mas como ele não foi reeleito em 2018, o processo foi remetido à primeira instância. Aí, o tempo favoreceu o ex-senador.

A Justiça não julgou Agripino, porque reconheceu ter havido prescrição em relação ao político. Por ele ter mais de 70 anos, os crimes atribuídos a ele prescrevem na metade do tempo. Sobrou, então, para os demais “Maias”, embora o ex-senador tenha sido beneficiário do esquema de desvio, segundo a Justiça Federal.

 

RETRANCA

 

Título: ‘Assessor’ repassava mais de 70% de vencimentos

Conforme a sentença da 14ª Vara da Justiça Federal no Rio Grande do Norte, Ivanaldo Maia de Oliveira era o “funcionário fantasma” do gabinete do então senador José Agripino. Repassava ao irmão Júnior Maia mais de 70% de seus vencimentos de secretário parlamentar.

A decisão judicial conclui que relatórios de inteligência financeira demonstraram que Júnior Maia “fez transitar vários valores em suas contas bancárias sem origem lícita, bem como procedeu a depósitos na conta de José Agripino Maia”.

A sentença acrescenta que “os valores repassados a Júnior Maia, por seu irmão, não possuem qualquer explicação lícita e se trata de mero desvio de verbas públicas a partir de cargo público”.

 

‘fantasma’ e ‘laranja’

Ivanaldo Maia, ainda conforme a Justiça, não desempenhava qualquer atividade no Senado, apesar de nomeado no gabinete do então senador. Enquanto supostamente trabalhava como assessor no Senado, administrava a padaria “Pão Petrópolis”, em Natal.

Esse tipo de atividade empresarial é incompatível com o exercício de uma função pública. Além disso, a administração da empresa envolvia outras irregularidades, como a empresa em nome de “laranjas”, segundo a Justiça.

 

Ressarcimento

Entre 2012 e 2014, os dados telefônicos apontaram que Ivanaldo Maia não fez uma única ligação para o José Agripino, para o gabinete dele em Brasília, nem para o escritório do parlamentar em Natal. Por outro lado, Agripino e primo Júnior Maia efetuaram entre si, nesse período, nada menos que 905 chamadas.

Os dois possuem antiga ligação política. Júnior Maia detém histórico de indicações para diversos cargos públicos por parte do ex-senador, desde que este assumiu a Prefeitura do Natal, em 1979.

Seu irmão Ivanaldo, o “funcionário fantasma”, recebeu, de 2010 a 2015, R$ 712 mil do Senado e transferiu quantias mensais para Júnior Maia, totalizando R$ 512 mil, em valores não corrigidos, segundo a Justiça Federal.

Os repasses ocorriam imediatamente após os pagamentos feitos pelo Senado e algumas vezes em valores que só diferiam por centavos do total recebido. Quando se encerrou o vínculo de Ivanaldo Maia com o gabinete de José Agripino, as transferências cessaram.

A 14ª Vara da Justiça Federal no Rio Grande do Norte condenou os irmãos Ivanaldo e Júnior Maia por peculato (art. 312 do Código Penal), repetido 63 vezes. Ivanaldo Maia foi sentenciado a cinco anos e nove meses de reclusão, enquanto Júnior Maia, a quatro anos e quatro meses de reclusão.

A Justiça também condenou a dupla ao pagamento de multa, devolução do valor desviado (devidamente corrigido) e ainda ressarcimento de quantia superior a R$ 1,4 milhão, a título de danos morais coletivos.

A pena de ambos deve ser iniciada em regime semiaberto. Como ainda cabem recursos, os dois poderão recorrer em liberdade. Contudo, caso a sentença seja confirmada e o processo transite em julgado (decisão definitiva), eles deverão cumprir a pena e ainda ficarão inelegíveis por oito anos.

O processo é 0803103-83.2024.4.05.8400 – Justiça Federal do Rio Grande do Norte.

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